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Crack: Pedra midiática, artigo de Montserrat Martins

 

Adolescentes usam pilastras como abrigo para fumar crack Foto: Marcello Casal Jr./ABr
Adolescentes usam pilastras como abrigo para fumar crack Foto: Marcello Casal Jr./ABr

[EcoDebate] O tratamento aos dependentes de crack (‘pedra’, para os usuários) no RS receberá 103 milhões do governo federal, nos próximos dois anos. O que não está incluído neste programa (que integra políticas públicas de 4 Ministérios), no entanto, é tão importante quanto tudo o que consta dele. O que não faz parte dessas políticas públicas é a experiência dos especialistas em dependência química e suas melhores estratégias no enfrentamento da drogadição. Eles alertam que vivemos um clima cultural midiático em relação ao crack, que induz a esse tipo de demanda – agora atendida – cujo risco é o desperdício de recursos.

Vamos começar pelo que vai ser feito: no RS serão destinados 93,6 milhões para a construção de sete novos CAPs (Centro de Atenção Psicossocial) 24 horas, 28 Unidades de Acolhimento, 242 leitos em enfermarias especializadas e 19 Consultórios nas Ruas. Trata-se de uma atenção à saúde, o que sempre é meritório.

Participam do programa, no estado, 4 Ministérios (Saúde, Justiça, Direitos Humanos, Desenvolvimento Social), o Governo e a Prefeitura da Capital. Em todo o país, 4 bilhões serão destinados a ações integradas no enfrentamento da drogadição, que vão do atendimento aos dependentes à repressão ao tráfico. Trata-se de ações integradas, o que sempre é inteligente.

Se o programa é meritório e inteligente, o que falta ? Em primeiro lugar, a integração com os programas criados pelos próprios pacientes que, em vários países, superam os índices de tratamentos centrados apenas nos atendimentos dos profissionais de saúde. O Dr. Sérgio de Paula Ramos, que foi presidente da ABEAD (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e de Outras Drogas) e com reconhecida experiência internacional na área, relata que um dos melhores resultados que já viu foi o de um destes programas criados por pacientes, na Califórnia. Por isso, este especialista valoriza a participação de grupos como AA, Al-Anon, NA (Narcóticos Anônimos) e Nar-Anon, de modo integrado ao atendimento que os pacientes recebem da equipe multidisciplinar. O que não acontece habitualmente nos CAPs, nem mesmo nos CAPs-AD (para dependentes químicos), e também não faz parte deste programa.

O Dr. Sérgio Ramos observa que, ao focar no atendimento aos dependentes de crack, o programa está respondendo à demanda midiática mais forte, compreensível pela natureza dos efeitos do crack, mas cientificamente pouco estratégica. Isso porque quando a dependência química chega a esse nível o tratamento já se mostra dramático, extremamente difícil e com índices de recuperação desalentadores. Seria mais racional investir forte em prevenção e atendimento à fase inicial das dependências químicas – que habitualmente iniciam por álcool e maconha, nessa ordem. O que tem levado as políticas públicas a negar essa estratégia mais científica e racional é o lobby da indústria de bebidas, principalmente a da cerveja, que investe somas vultuosas em propaganda. Do que ele deu um exemplo interessante, o de que o maior interesse da mesma nem é na venda em si da cerveja na Copa do Mundo, é o “merchandising” do televisionamento das pessoas bebendo cerveja durante os jogos. Uma observação arguta, aliás, pois de nada serviria a ela a aprovação da “Lei da Copa” se incluíssemos uma cláusula vedando a exibição do merchandising disso na tevê. Entre o meritório programa contra o crack e suas reais possibilidades de êxito, há “mais coisas no ar que os aviões de carreira”, como dizia o sagaz Aparício Torelly.

Montserrat Martins, Colunista do EcoDebate, é Psiquiatra

EcoDebate, 20/04/2012

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