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Países desenvolvidos começaram a recuperar florestas no século 18, diz pesquisador da USP

 

Pesquisador da USP afirma que nas nações desenvolvidas não há dicotomia entre preservação e desenvolvimento e que discussão do Código Florestal brasileiro está equivocada

Pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (IPE- USP), Thiago Fonseca Morello é autor do paper Desmatamento e Desenvolvimento: O Que o Brasil Tem a Aprender com a História dos Países Desenvolvidos? Nele, mostra que os países hoje considerados desenvolvidos iniciaram a recuperação de áreas florestadas entre os séculos 18 e 20. Morello afirma que a discussão sobre o Código Florestal brasileiro está equivocada porque não há dicotomia entre desenvolvimento e conservação. Ele falou ao Estado. Entrevista de Karina Ninni, em O Estado de S. Paulo.

1- O que é transição florestal e como esse conceito pode jogar uma luz sobre as discussões acerca do aparente dilema entre desenvolvimento e conservação de recursos?

Transição Florestal é um conceito da geografia e diz respeito ao aumento de “agregados florestais”, ou seja, de áreas de floresta, genericamente falando. Embora seja um conceito que nos serve de parâmetro para entender a recuperação de áreas de floresta no mundo, tem suas limitações, pois os agregados florestais não representam a biodiversidade de uma região, ou país. Ou seja: o conceito permite saber se as áreas de floresta em determinado local aumentaram ou diminuíram, mas não se a cobertura vegetal recuperada tem a mesma riqueza ou biodiversidade daquela que se perdeu.

2 – O que se pode deduzir analisando dados sobre a transição florestal em países desenvolvidos?

As florestas sempre foram fruto da interação com o homem. Essa interação pode ser positiva ou negativa, como bem cedo perceberam os países desenvolvidos, porque acabaram usando as florestas intensivamente, sobretudo na época do capitalismo mercantil e na chamada primeira revolução industrial. Um caso emblemático é a Inglaterra, onde a revolução aconteceu em primeiro lugar. No século 15 eles já estavam preocupados com a perda de florestas. Passaram pela chamada Crise da Madeira ainda no século 17, quando os preços subiram muito. A revolução industrial só aconteceu lá porque eles conseguiram dar um salto tecnológico no sentido de se tornarem auto-suficientes no suprimento de matéria-prima, o que incluía a madeira. A indústria do aço dependia do carvão vegetal. Até que desenvolvessem tecnologia suficiente para usar o carvão mineral, passou-se um século. Eles não tinham um modelo eficaz de gestão florestal e, ao mesmo tempo em que buscavam novas tecnologias, começaram a construir um modelo para gerir racionalmente seus recursos florestais. Em praticamente todos os países desenvolvidos houve queda na produção de madeira. A própria Inglaterra importou da Suíça por muito tempo. Os países hoje chamados de desenvolvidos tiveram de lidar muito cedo com a questão florestal. E fizeram isso.

3 – Quem foram os primeiros?

A França, que começou seu reflorestamento em 1830. A Escócia, em 1730, e a Grã Bretanha, em meados do século 19, e pelos EUA, em 1920.

4 – Quer dizer que o discurso de que esses países se desenvolveram à custa do desmatamento não é correto?

Isso só vale para a chamada primeira revolução industrial – intensiva em uso de recursos – e para o período imediatamente anterior a ela, de capitalismo mercantil. Ou seja: para o período de transição entre o capitalismo mercantil e o industrial. A segunda revolução industrial já estava baseada em ciência e em seu uso prático – a descoberta de novas tecnologias. O Brasil, é bom lembrar, se industrializou em uma fase posterior, em que a tecnologia já era a sustentação da produção industrial.

5 – Mas, mesmo assim, usamos intensivamente nossos recursos, não?

Sim, usamos. Porque, apesar de nossa indústria ter sido montada sobre a premissa do uso de modernas tecnologias, no campo e na floresta não aconteceu o mesmo. Isso é uma característica dos países subdesenvolvidos: a tensão entre a produção não intensiva em uso de recursos e aquela que os utiliza em larga escala.

6 – E como isso influencia discussões como a do Código Florestal, por exemplo?

Resulta que nós temos uma visão equivocada do que foi a história desses países, no tocante a sua autonomia econômica. Ela não teve necessariamente como condição a supressão das florestas. Quando se fala em desenvolvimento, o que vem na cabeça das pessoas é o que foi feito no século 20. Quando o assunto é agricultura também. Agora, quando se fala em floresta, as pessoas lembram da época medieval. Temos de conectar as duas coisas: desenvolvimento e conservação. Mas, para isso, o referencial tem de ser o mesmo. Portanto, se considerarmos a silvicultura do século 20, ao invés de nos voltarmos para a idade média e o início da revolução industrial, não há dilema entre produção e conservação. É isso que tinha de estar em pauta no Código Florestal. Precisamos otimizar o uso dos recursos. O que temos de resolver no Brasil é a baixa produtividade, tanto da agricultura e da pecuária quanto da silvicultura de espécies nativas.

7 – Além do uso indiscriminado de madeira e outros recursos, algo mais movem a transição florestal na Europa?

Há diferenças de país para país. Na suíça, por exemplo, foram deslizamentos de terra que levaram a adoção de uma política florestal.

EcoDebate, 28/11/2011

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