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O impasse no clima e seus altos preços, artigo de Washington Novaes

 

[O Estado de S.Paulo] A pouco mais de um mês do início da próxima reunião da Convenção do Clima (na última semana de novembro), na África do Sul, o impasse continua total e os dirigentes da ONU já não escondem a certeza de que nenhum acordo importante será conseguido lá – embora os chamados “desastres naturais” (entre eles os provocados por mudanças climáticas) tenham atingido, segundo o Banco Mundial, 2,6 bilhões de pessoas no mundo na última década, ou 1 bilhão mais que na década anterior (Estado, 28/3). A média de desastres passou de 15 por ano na década de 1980-1990 para 370 na década seguinte e os prejuízos foram 15 vezes maiores que nos anos 50. Segundo a Oxfam (O Globo, 18/1), desde 1975 os “desastres naturais” (que incluem terremotos, tsunamis, etc.) já mataram 2,2 milhões de pessoas. Atualmente são 250 milhões atingidas a cada ano, que chegarão a 375 milhões em 2015.

Nos últimos 25 anos a temperatura média da Terra foi mais alta que a média do século 20. O ano passado, juntamente com 2005, foi o mais quente de todos tempos. Segundo a revista Scientific American (AP, 28/6), a relação entre mudanças climáticas e “eventos extremos” já não é apenas uma teoria, é um fato comprovado.

De pouco têm valido os apelos do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, ao lembrar que até 2060 a população da Terra será 50% maior que a de 1999 e levará a mais aumentos de emissões de gases poluentes – por isso será preciso reduzi-los já em pelo menos 50%. Mas eles estão aumentando: em 2010, conforme a Agência Internacional de Energia, chegaram ao recorde de 30,6 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, 5% mais que em 2008. Segundo os cientistas, se as emissões passarem de 32 bilhões de toneladas anuais, será impossível impedir que a temperatura terrestre suba mais que 2 graus Celsius, mesmo com as reduções planejadas nas emissões até 2050. Entre 1990 e 2010, as emissões dos EUA aumentaram 5%; as da China, 10%; e as da Índia, 9%. As da União Europeia (UE) e da Rússia diminuíram 27% (Science Daily, 22/9. E o mundo ainda tem 1,3 bilhão de pessoas sem energia elétrica.

Os impasses na convenção não mudaram. Os países emergentes dizem que a obrigação de reduzir as emissões é dos países industrializados, que emitem desde o início da Revolução Industrial. Os países ricos dizem que sem os emergentes não adiantará nenhum acordo, porque eles já emitem mais que os industrializados. E o próprio Protocolo de Kyoto, que obriga os industrializados a reduzirem em 5,2% suas emissões, expira em 2012, sem que haja vislumbre de novo acordo. Com isso deixaria de vigorar o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que permite a uma empresa ou país industrializado financiar projetos que levem à redução de emissões em outro país e contabilizar esse ganho em seu próprio balanço. Já foram feitos cerca de 3 mil projetos nessa área.

A presidente Dilma disse na ONU que o Brasil espera avanços importantes em Durban, embora os cientistas digam que os impasses refletem os grandes conflitos econômicos entre as principais nações do mundo, agravados pela crise financeira. Quem vai investir em redução de emissões? Como destinar US$ 30 bilhões para os países mais pobres enfrentarem o drama do clima, e mais US$ 100 bilhões por ano até 2020, como foi acenado na reunião de Copenhague (2009)? Os EUA continuam emitindo 16 toneladas anuais de CO2 por habitante, ante 8,1 toneladas na UE e 6,6 na China. O Brasil, segundo o Banco Mundial e o consultor Nicholas Stern, entre 10 e 11 toneladas por habitante/ano.

Uma das consequências do panorama, segundo Ban Ki-moon (Independent, 22/9), é o avanço da desertificação no mundo: cerca de 40% das terras, onde vivem 2 bilhões de pessoas, já são áridas ou semiáridas. A cada ano são atingidos mais 12 milhões de hectares, onde poderiam ser produzidos 20 milhões de toneladas anuais de alimentos, para um mundo que caminha para ter 10 bilhões de pessoas. Já as chuvas intensas têm hoje 20% mais probabilidade de acontecer (Nature, em O Globo, 17/2). No Paquistão, nas últimas semanas, foram 270% mais intensas que as tradicionais, inundaram 73% das terras de cultura e atingiram 8 milhões de pessoas, 1,3 milhão de casas, deixaram 1,5 milhão de desabrigados e 220 mortos. No leste da Índia foram 4 milhões os atingidos, 150 mil desabrigados e 60 mortes. No Camboja, 141 mortos. Na Tailândia, 26 de 77 províncias sob a água e 28 mortes. E 42 milhões de pessoas tiveram de deixar suas casas em 20 anos por causa dos desastres. As seguradoras perderam US$ 36 bilhões no ano passado.

E tudo se pode agravar. Segundo a Organização Meteorológica Mundial, com o panorama atual a tendência é de que a temperatura da Terra suba 2,4 graus (já subiu quase 0,8) até 2020.

Pior de todas é a situação das ilhas do Pacífico, já enfrentando a elevação do nível do oceano e tendo de promover migrações e comprar áreas em outros países. Já decidiram ir à Corte Internacional de Haia pedir que os países industrializados sejam responsabilizados por isso e arquem com os custos (UN News Service, 23/9). A secretária da Convenção do Clima, Cristiana Figueres, tem dito (The Guardian, 10/10) que as empresas precisam contabilizar em seus custos os que decorrem de suas emissões de poluentes.

Não é preciso insistir na gravidade da situação brasileira, que já povoa as páginas dos jornais. Mas um estudo da Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental (setembro de 2011) diz que as temperaturas em várias regiões brasileiras vão subir de 2 a 3 graus, o índice de umidade vai cair e o índice hídrico terá uma “diminuição notável” até 2050. Em 2010, segundo a Agência Nacional de Águas, quase 20% dos municípios brasileiros decretaram estado de emergência ou de calamidade por causa de desastres climáticos.

Essa é a dimensão do impasse no mundo.

Washington Novaes, jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 24/10/2011

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