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Japão ‘extendeu a vida’ do mais antigo dos seis reatores da usina nuclear de Fukushima apesar de alertas

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Apenas um mês antes que o forte terremoto e tsunami danificassem severamente a usina Fukushima Daiichi, no centro da crise nuclear do Japão, reguladores do governo aprovaram uma extensão de dez anos para o funcionamento do mais antigo dos seis reatores da usina nuclear, apesar dos alertas quanto à sua segurança.

O comitê que revisou a extensão apontou rachaduras causadas por excesso de uso nos motores a diesel do reator número 1 da usina Daiichi, de acordo com os resumos de suas deliberações que eram postados no site da agência reguladora de energia nuclear do Japão depois de cada reunião. As rachaduras tornaram os motores vulneráveis à corrosão pela água do mar e da chuva. Acredita-se que os motores tenham sido destruídos pelo tsunami, desligando o sistema de resfriamento, essencial para o reator. Reportagem de Hiroko Tabuchi, Norimitsu Onishi e Ken Belson, The New York Times.

A Tokyo Electric Power Co., que administra a usina, vem lutando desde então para evitar que o reator e o tanque de combustível usado não se aqueçam e emitam materiais radioativos.

Várias semanas depois que a extensão foi concedida, a companhia admitiu que não inspecionou 33 peças de equipamento relacionadas aos sistemas de refrigeração, incluindo bombas de água e geradores a diesel, nos seis reatores da usina nuclear, de acordo com descobertas publicadas no site da agência pouco tempo antes do terremoto.

Os reguladores disseram que “o gerenciamento da manutenção era inadequado” e que a “qualidade da inspeção era insuficiente”. Menos de duas semanas depois, o terremoto e o tsunami desencadearam a crise na usina.

A decisão de estender a vida do reator, e as falhas de inspeção em todos os seis reatores, trouxeram à tona os laços pouco saudáveis que, segundo os críticos, existem entre as operadoras de usinas nucleares o os reguladores japoneses que as fiscalizam. Painéis de especialistas, como o que recomendou a extensão, são convocados principalmente entre o meio acadêmico para apoiar as decisões burocráticas, e raramente desafiam as agências que os contratam.

Como a oposição da população à energia nuclear dificulta a construção de novas usinas nucleares, as operadoras de usinas fazem pressão para estender o uso de seus reatores para além do limite regulamentar de 40 anos, apesar dos registros de segurança falhos e de um histórico de acobertar os problemas. O governo, ansioso para expandir o uso de energia nuclear e reduzir a dependência da importação de combustíveis fósseis, tem sido em grande parte conivente. Essas extensões também fazem parte de uma tendência mundial na qual as usinas antigas têm recebido permissão para funcionar por mais tempo.

Ao longo da próxima década no Japão, mais 13 reatores –e os outros cinco da usina Fukushima Daiichi– também completarão 40 anos, aumentando as perspectivas de gastos imensos para substituí-los. Esta é uma das razões pelas quais os críticos argumentam que o comitê da Agência de Segurança Nuclear e Industrial, encarregado de inspecionar as usinas nucleares, pode estar minimizando suas próprias descobertas.

Ao aprovar a extensão no início de fevereiro, reguladores disseram à Tokyo Electric para monitorar os danos potenciais da radiação sobre o compartimento de pressão do reator, que abriga os bastões de combustível; a corrosão das cabeças de resfriamento usadas para jogar água sobre a câmara de supressão; a corrosão dos parafusos do reator; e problemas de condução num instrumento que mede o fluxo de água dentro do reator, de acordo com um relatório publicado no início de fevereiro.

O comitê, que se reuniu seis vezes para revisar as descobertas feitas durante inspeções à unidade número 1 da usina nuclear, descobriu que a Tokyo Electrichad cumpria todas as proteções exigidas para terremotos. Os inspetores, entretanto, passaram apenas três dias vistoriando a unidade número 1, um período que os especialistas do setor dizem ser muito curto, uma vez que avaliar o risco de terremotos numa usina nuclear é um dos problemas de engenharia mais complexos do mundo.

Apesar dessas dúvidas, o comitê recomendou que a Tokyo Electric recebesse permissão para utilizar a unidade número 1, que foi construída pela General Electric e começou a operar em 1971, por mais uma década. Durante o processo de aprovação, a companhia alegou que o reator era capaz de funcionar por 60 anos.

Mitsuhiko Tanaka, engenheiro que trabalhou no projeto dos reatores da usina Fukushima Daiichi, disse que os reatores estão ultrapassados, principalmente por conta de suas pequenas câmaras de supressão, que aumentam o risco de que a pressão cresça dentro do reator –uma falha eliminada nos reatores mais novos. Desde o tsunami, funcionários da Fukushima Daiichi tentaram aliviar o aumento da pressão dentro dos reatores, recorrendo várias vezes à liberação de vapor radioativo para a atmosfera, uma medida que, por sua vez, favorece a contaminação dos alimentos e da água da região.

“Esse reator já deveria ter sido substituído”, disse Tanaka. “O tsunami teria causado um grande dano, de qualquer forma. Mas a tubulação, o maquinário, os computadores, os reatores inteiros são simplesmente antigos, e isso não ajudou.”

Reatores mais novos, os números 2, 3 e 4, também sofreram danos extensos.

Os reguladores aprovaram a extensão de dez anos embora os reatores antigos da Tokyo Electric, bem como reatores de outras usinas, tivessem sofrido uma série de problemas desde a década passada. Tentativas de encobrir os problemas e manipular as informações, principalmente por parte da Tokyo Electric, a maior usina do país, enfatizam não só os problemas do setor nuclear, mas também a falta de firmeza do Japão para regular o setor. A companhia admitiu os erros.

Um porta-voz da Tokyo Electric, Naoki Tsunoda, disse: “nos comprometemos a realizar inspeções apropriadas no futuro. Vamos estudar por que isso aconteceu e tentar informar o público.”

Em 2000, um informante de uma companhia independente, contratada para inspecionar os reatores, disse aos reguladores que havia rachaduras na cobertura de aço que envolve o núcleo dos reatores da usina Fukushima Daiichi. Mas os reguladores simplesmente disseram para a companhia cuidar do problema, permitindo que os reatores continuassem operando.

Os reguladores nucleares efetivamente não fizeram nada quanto à informação sobre as rachaduras, disse Eisaku Sato, prefeito de Fukushima na época e oponente da energia nuclear. Ele disse que a própria prefeitura e as comunidades que abrigam as usinas nucleares não souberam das rachaduras até que os reguladores as divulgaram em 2002, mais de dois anos depois que o informante as relatou.

Em 2003, reguladores obrigaram a Tokyo Electric a suspender as operações em seus dez reatores de duas usinas de Fukushima e em sete do município de Niigata depois que informantes revelaram à prefeitura de Fukushima que a companhia havia falsificado os registros de inspeção e escondido falhas por mais de 16 anos para economizar nos gastos com reparos. No incidente mais sério, a Tokyo Electric escondeu as grandes rachaduras na cobertura que envolve os reatores.

“Uma organização que inerentemente não é confiável está encarregada de garantir a segurança das usinas nucleares do Japão”, disse Sato, prefeito de 1988 a 2006. “Então o problema não está limitado à Tokyo Electric, que há muito tem um histórico de encobrir os problemas, mas é o sistema todo que é falho. Isso é assustador.”

Como muitos críticos da indústria nuclear do Japão, Sato atribuiu a falta de inspeção a um conflito de interesses que, segundo ele, essencialmente acabou com a eficiência da Agência de Segurança Nuclear e Industrial. A agência, que deveria funcionar como um órgão de fiscalização, está subordinada ao Ministério da Economia, Comércio e Indústria, que tem uma política geral de encorajar o desenvolvimento da indústria nuclear do Japão.

O ministério e a agência, por sua vez, têm laços estreitos com a Tokyo Electric e outras operadoras –algumas das quais oferecem empregos lucrativos a ex-funcionários do ministério numa prática conhecida como “amakudari”, ou “descida do céu”.

“São todos farinha do mesmo saco”, disse Sato, 71, numa entrevista em sua casa em Koriyama, no município de Fukushima.

A Organização de Segurança da Energia Nuclear do Japão, que deveria funcionar como uma segunda camada de vigilância, tem poucos funcionários e funciona basicamente como um conselho. Masatoshi Toyoda, ex-vice-presidente da Tokyo Electric que, entre outras funções, gerenciou a divisão de segurança nuclear da companhia, disse que a organização deveria ser fortalecida. Os Estados Unidos tinham uma estrutura semelhante até os anos 70, quando o Congresso dividiu a Comissão de Energia Atômica no Departamento de Energia e na Comissão Reguladora Nuclear.

“Como a Comissão Reguladora Nuclear dos Estados Unidos, eles deveriam ter engenheiros de tempo integral que checassem a segurança das usinas”, disse Toyoda. “Tenho dito ao governo que o sistema deve mudar, mas quaisquer mudanças na política nuclear do Japão levam muito tempo.”

Hidehiko Mishiyama, vice-diretor-geral da Agência de Segurança Nuclear e Industrial, disse que “não há problemas com a estrutura atual de segurança”. Ele acrescentou que a extensão da vida do reator número 1 “foi aprovada com o entendimento de que quaisquer problemas encontrados seriam consertados pela Tokyo Electric”.

Mas os críticos dizem que o processo de aprovação para estender a vida dos reatores está repleto de problemas. Pouca informação é revelada antes que a aprovação seja garantida. O governo só revisou os relatórios submetidos pelas usinas e não conduziu seus próprios testes para determinar se esses relatórios eram verdadeiros, de acordo com Chihiro Kamisawa, um pesquisador de segurança nuclear do Centro de Informação Nuclear dos Cidadãos, a organização mais ativa de fiscalização nuclear do Japão.

“Eles estão ultrapassando os limites”, disse Kamisawa.

*Kantaro Suzuki e Noriko Takata contribuíram com a reportagem em Tóquio.

Tradução: Eloise De Vylder

Reportagem do New Yorl Times, no UOL Notícias.

EcoDebate, 29/03/2011

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