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Artigo

As tragédias e o essencial da dinâmica evolutiva da escarpa da Serra do Mar, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

[Ecodebate] Ao menos aprender definitivamente a lição: caso os empreendimentos humanos não levem em conta, desde seu projeto até sua implantação e operação, as características dos materiais e dos processos geológicos naturais com que vão interferir e interagir, é certo que a Natureza reagirá com conseqüências extremamente onerosas social e financeiramente, e muitas vezes trágicas no que diz respeito à perda de vidas humanas.

Há cerca de 60 milhões de anos, ao início do período Terciário (65 milhões de anos atrás), a escarpa da Serra do Mar (então uma proto-Serra do Mar) estava situada a cerca de 50 Km à frente da atual linha do litoral sudeste brasileiro. Sabem como ela chegou até a atual posição, ou, mais cientificamente, procedeu essa incrível regressão geológica? À custa de muito escorregamento, muita corrida de detritos, muita erosão. Essa é nossa querida Serra do Mar, com sua história, suas leis, seus ritmos, seu calendário próprio, suas idiossincrasias, sua deslumbrante beleza…

Em momentos geológicos como o atual, de domínio da floresta atlântica (floresta ombrófila densa), a regressão erosiva da escarpa da Serra do Mar se dá como consequência de deslizamentos isolados, em episódios de chuvas não muito intensas, e miríade de deslizamentos concomitantes (de todas as naturezas), em eventos de elevada pluviosidade concentrada, como esse evento que ocorreu na região serrana do Rio de Janeiro. E que, identicamente, ocorreu em 1967 em Caraguatatuba –SP e na Serra das Araras, no Rio.

Mas é como se o processo mais radical de erosão regressiva da escarpa, ainda que vivo, respirando sem aparelhos, estivesse em boa parte contido, latente, como conseqüência da espetacular proteção proporcionada pela floresta.

Preteritamente, em ocasião de mudanças climáticas radicais, ambiente geológico em que a floresta atlântica em grande parte desaparecia, recolhendo-se a pequenos refúgios, os solos formados durante o anterior clima quente florestado, e então desprotegidos, eram lavrados violentamente por chuvas torrenciais, momentos geológicos de intensa regressão geomorfológica da escarpa. Para onde foi todo esse material? Está ainda em depósitos coluvionares e aluvionares mais próximos, na própria Serra ou em seu sopé, ou lá na Bacia de Santos sendo furado pela Petrobrás.

Bem, é com esse organismo vivo, com suas leis próprias, processos, sua história e dinâmicas evolutivas, que estamos lidando. Senão por venerar, até religiosamente, essa entidade natural (a Serra), que seja por alguma inteligência e responsabilidade: é preciso chegar com um pouco mais de respeito no pedaço.

Todas as feições aluvionares e coluvionares que se espalham das meias encostas até o sopé da Serra, sugerem que não chove mais hoje na região do que já choveu ao longo do Quaternário (iniciado há 2 milhões de anos) todo e parte do Terciário. É preciso, portanto, ter-se mais cuidado em tratar essa questão das mudanças climáticas globais. Se essas mudanças realmente estão ocorrendo em escala global, não há nada a elas relacionado ocorrendo hoje em nossa Serra. Há apenas a continuidade de sua longa história geológica. O único fator novo atuante é o bicho homem potencializando escorregamentos com suas intervenções tecnicamente desastradas.

É possível que com o histórico das chuvas que caíram nesse início de 2011 na região serrana nobre do Rio houvesse acontecido um grande evento natural de deslizamentos e corridas, mesmo sem a intervenção do homem. Como em 1967 aconteceu em Caraguatatuba e Serra das Araras. Mas o fato é que o homem potencializa e transforma, por sua presença, esses eventos em terríveis tragédias. Enfim, sabe-se que de tantos em tantos anos há a probabilidade de ocorrência de trombas d’água concentradas como essas. Não há nada de novo no quartel pluviométrico de Abrantes.

Por outro lado, se as encostas de alta declividade já nos chamavam a atenção por seu alto grau natural de instabilidade, essas últimas tragédias têm nos alertado sobre a importância em termos mais cuidado em definir como geologicamente estáveis certas feições de relevo de topografia mais suave. Por exemplo: áreas de topografia suave à frente da boca e ao longo de vales com evidências geológicas de anterior ocorrência de corridas de lamas e detritos; corpos de tálus e corpos coluvionares, sopé e topo imediatos de encostas de alta declividade.

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro{at}uol.com.br)
Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia. Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Cubatão” e “Diálogos Geológicos”. Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente

EcoDebate, 15/02/2011


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