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A frase da década, artigo de Montserrat Martins

[Ecodebate] As retrospectivas são mais definitivas que as previsões, porque avaliam fatos já constatados, ao invés de promessas de novidades que podem não se concretizar. Mas as retrospectivas também servem para identificar tendências para o futuro, por observarmos a direção na qual estamos caminhando, no mundo inteiro – sim, a globalização da economia é um fato hoje evidente para todos, bem mais do que há uma década atrás.

Nesta primeira década do novo milênio, o fato mais marcante na economia internacional foi a fragilização do monopólio americano, que entrou em era de desvalorização do dólar em relação às outras moedas. Fruto da enorme dívida dos Estados Unidos que, por sua vez, decorre do excesso de gastos, que incluía as guerras da era Bush. Trocando de governo em meio à crise financeira internacional, desencadeada lá mesmo, os americanos viram o novo presidente assumir com uma frase emblemática: “O mundo mudou e precisamos mudar com ele”.

Sim, Obama passa por dificuldades na gestão de seu país, mas sua frase pode ser eleita a frase da década porque representa uma realidade inédita – pela primeira vez se reconheceu a necessidade de alguma mudança de rumos da única superpotência mundial que restou ao final do século XX. A outra superpotência do século passado já havia sucumbido às suas contradições (a União Soviética, que deixou inclusive de ser um país) e é a China que se anuncia agora como uma nova superpotência para o século XXI – mas já repleta de problemas, como uma realidade social que aparenta uma forma de “trabalho escravo” de sua população, que vive miseravelmente e sem direitos de cidadania básicos, em comparação à riqueza que a economia daquele país vem acumulando. Os Estados Unidos ajudaram na derrocada soviética (há um filme que é quase um documentário sobre isso, “Charlie Wilson’s War’, de 2007, mal traduzido para “Jogos do Poder”). Mas esqueceram de cuidar da própria economia, o que terão de fazer agora, se não quiserem ser superados pelos chineses, japoneses, alemães ou europeus unidos, por exemplo.

Para o mundo, é melhor um “multilateralismo” do que uma simples troca de hegemonia que o mundo experimentava desde o final da Segunda Guerra Mundial – toda a segunda metade do século XX foi marcada pela absoluta supremacia americana na economia e na cultura internacionais. É bom para o mundo que os americanos tenham de gastar menos em guerras e fazer a sua “lição de casa”, como foi bom para a economia japonesa e para a alemã que seus países tivessem sido proibidos de formar exércitos após a derrota na guerra. E a possibilidade de uma economia de fato multilateral é bem melhor que a simples troca de “donos do planeta”, pois no ritmo atual está previsto para no máximo mais duas décadas (até 2030) a concretização do monopólio chinês, de modo comparável ao que foi a supremacia ianque no século passado. Será bom que os americanos se “reciclem” ao invés de apenas sucumbirem como potência, para não termos de vivenciar uma advertência que os mais experimentados já detectaram, como o meu pai que na sabedoria dos seus 80 anos de idade anunciou: “Se você não gosta do imperialismo americano, espere para ver como vai ser o imperialismo chinês”.

Montserrat Martins, colunista do EcoDebate, é Psiquiatra

EcoDebate, 03/01/2011


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One thought on “A frase da década, artigo de Montserrat Martins

  • Excelente reflexão, demonstrando humildade em ouvir a sabedoria do pai octogenário. Quem leu a verdadeira história de Mao, relatos e fatos sobre o regime soviético, Cambodja, países do Leste Europeu, Cuba e outros similares, chega à conclusão de que os regimes que mais escravizaram e empobreceram a classe trabalhadora são aqueles que chegaram ao poder em nome do proletariado, dizendo-se “populares” e “socialistas”.

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