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Artigo

Propriedades culturais em risco, artigo de Bruno Peron Loureiro

[EcoDebate] As modalidades de roubo e contrabando de bens e produtos estão cada vez mais sofisticadas: antes se roubavam objetos; hoje devemos cuidar até do pensamento e a criação.

Comemorou-se, em 14 de novembro de 2010, o 40º aniversário da Convenção de 1970 que prescreve Meios de Proibir e Prevenir a Importação, Exportação e Transferência Ilícitas de Propriedade Cultural.

Aumenta o aparato de segurança em centros culturais, exposições e museus pelo valor alto com que se negociam obras famosas no mercado negro. Este tipo de crime é crescente, transnacional e tende a envolver grupos pequenos, por isso a facilidade de coordená-los entre vários países.

Cento e vinte Estados ratificaram a Convenção de 1970, cujo número reflete que a preocupação com o tema assume proporções globais. As escavações e o comércio ilegais de bens arqueológicos assombram a comunidade que luta pela punição e o fim de crimes contra o patrimônio cultural.

A Convenção de 1970 atribui responsabilidades aos Estados para elaborar campanhas educativas, punir os criminosos, restituir propriedades culturais ilícitas a seus países de origem, e cooperar internacionalmente com outros signatários.

O acordo de 1970, entretanto, não é inédito para coibir este gênero de delitos. Adotara-se, em 1954, a Convenção de Haia para a Proteção de Propriedade Cultural em períodos de conflito armado, o que desencadeou, dezesseis anos mais tarde, a decisão pela proteção também em tempos de paz.

A comunidade internacional possui uma lista de objetos desaparecidos que orienta as buscas. Como instrumento complementar da Convenção de 1970, o Instituto Internacional pela Unificação do Direito Privado (UNIDROIT), organização intergovernamental com sede em Roma, Itália, criou em 1995 a Convenção sobre Objetos Culturais Roubados ou Exportados Ilegalmente. Nela, os Estados comprometem-se a restituir também objetos culturais não listados oficialmente.

A criminalidade não perdoa nem os objetos e propriedades culturais. Esta atividade criminosa profissionaliza-se internacionalmente. Tapetes, esculturas e pinturas de artistas renomados e outros objetos de alto valor simbólico em países de tradições antigas comercializam-se e passam a compor residências e coleções de encomendadores, assim como se fazem com naturalidade boletins de ocorrência de veículos roubados diariamente no Brasil e que cruzam fronteiras com toda facilidade ou estacionam-se em galpões clandestinos para desmanche e contrabando de peças.

Rouba-se até cabelo, fio de cobre e tijolos de construções civis no Brasil. Pelo menos aqui não causaria tanto espanto – aos cidadãos vacinados de tanto desvario – o descortino de redes organizadas em torno do tráfico de propriedades culturais. Ademais, as pichações com fins de vandalismo, destruições de telefones públicos e assentos nos ônibus e metrôs comprovam a negligência com patrimônios culturais e públicos de uma meia-cidadania.

Apesar de a finalidade da Convenção de 1970 ser a criação de normas sobre objetos de alto valor econômico e simbólico, ampliei a perspectiva de “propriedade cultural”. Não se constrói nenhuma casa ou monumento em praça pública sem o toque cultural de quem arquitetou, levantou e pintou.

O roubo de propriedades culturais, conforme entende a Convenção de 1970, não é novidade nem hoje nem quatro décadas atrás. Há séculos, cidades inteiras eram pilhadas por conquistadores, que levavam seus bens culturais quando não os destruíam para impor a sua cultura. O espanhol Hernán Cortez pisou sobre Tenochtitlán, a capital asteca, em 1521 segurando o rosário da impiedade.

A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), por fim, organizará dois eventos que reunirão especialistas sobre tráfico e restituição de propriedade cultural: um em 31 de janeiro de 2011 e outro em março de 2011.

Quem sabe novas ideias apareçam para coibir esta prática.

Antes de que novas práticas perpetuem aquelas ideias.

* Colaboração de Bruno Peron, mestre em Estudos Latino-americanos, para o EcoDebate, 16/12/2010


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