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O vegetarianismo e o consumo ético. Entrevista com a nutricionista Claudia Lulkin

 

O vegetarianismo e o consumo ético. Entrevista com a nutricionista Claudia Lulkin

Para a nutricionista Claudia Lulkin, o vegetarianismo, hoje, tem cada vez mais a compreensão de seu papel político e econômico no debate do que seja ético.

O vegetarianismo, hoje, tem cada vez mais a compreensão de seu papel político e econômico no debate do que é ético

Por Graziela Wolfart, IHU

Na visão da nutricionista vegana Claudia Lulkin, “se mudamos o foco central da alimentação para o mundo vegetal com sua infinita diversidade (plantas que nem conhecemos no Rio Grande do Sul, plantas que estão sendo redescobertas) e se utilizarmos as terras agricultáveis para aumentar a produção de alimentos vegetais, teremos saúde ampla”. E, para ela, “saúde não é somente ter mais Unidades Básicas de Saúde. Não! Saúde é sol, ar limpo, água limpa, terra e alimentos limpos, vida digna, habitação ecológica”. Essas e outras afirmações Claudia fez na entrevista que segue, concedida à IHU On-Line por e-mail.

Claudia Lulkin, 54 anos, é nutricionista formada em 1993 pela Faculdade de Nutrição do Instituto Metodista de Educação e Cultura – IMEC, de Porto Alegre. Em 1980, passa a integrar a Cooperativa Ecológica Coolmeia. Foi lactovegetariana por 30 anos. Seu filho e nora foram o estímulo para tornar-se vegana e ativista pelos direitos animais. Também participa de outros movimentos populares. Assessora projetos em Nutrição com o foco em alimentação saudável, ministra cursos de culinária vegana, estimulou a “Segunda Sem Carne” em uma escola infantil em Porto Alegre e vem divulgando a ideia de paisagismo alimentar.

IHU On-Line – Como o vegetarianismo se relaciona com a questão do consumo ético?

Claudia Lulkin – O vegetarianismo, hoje, tem cada vez mais a compreensão de seu papel político e econômico no debate do que é ético. Produzir com veneno é ético (solos, água, lençóis freáticos poluídos, perda de genes de plantas que sequer conhecemos totalmente)? Ter pessoas que ainda passam fome é ético? “Criar” animais (vidas artificializadas) para alimentação é ético (os animais não são seres de direitos?)? Plantar florestas de pinus ou cana-de-açúcar para combustível em vez de alimentos é ético? Manter uma sociedade altamente injusta num país com abundância de sol, recursos naturais e vegetais é ético? Estimular as crianças a comprar pacotes de produtos ditos alimentícios é ético? O vegetarianismo e, com mais força o veganismo, vem colocando em cheque todas estas questões e se associando a outros movimentos que propõem novas experiências: a permacultura, a agrofloresta, o apoio à agricultura orgânica da agricultura familiar. E propõe, já, a adesão ao movimento Segunda Sem Carne, promovido pela Sociedade Vegetariana Brasileira.

IHU On-Line – Do ponto de vista nutricional, quais as vantagens de aderir ao vegetarianismo?

Claudia Lulkin – A American Dietetic Association – ADA, uma associação com 70.000 membros, basicamente nutricionistas, vem apoiando nossos argumentos: a alimentação vegetariana é preventiva a todos os desequilíbrios chamados doenças da modernidade: os hiper tudo… hiperplasias (tumores), obesidade, diabetes, baixa do sistema imunológico, que resultam em inflamações e alergias várias, envelhecimento precoce, problemas de dentes, problemas de próstata, degeneração da constituição física dos humanos. Cito a ADA como referência no mundo acadêmico onde as pessoas não são vegetarianas, mas há um grupo de médicos veganos, uma ONG com 25 anos e que está fazendo um grande movimento nos EUA pró-mudança da merenda escolar, que é o Physician Counsil for Responsible Medicine – PCRM (www.pcrm.org). Também os adventistas têm importantes estudos na área (são ovolactovegetarianos). E há uma Escola de Medicina em Loma Linda, na Califórnia (EUA), muito famosa (http://lomalindahealth.org/health-library/a-z-health-guide/1/003572.htm).

IHU On-Line – O que a motivou a adotar o vegetarianismo?

Claudia Lulkin – Sempre que me perguntam isso, fico pensando como aconteceu. Acho que a raiz está na Associação Macrobiótica de Porto Alegre, em 1975. A macrobiótica foi um movimento muito importante no Brasil, influenciou uma geração. A Macrobiótica em Porto Alegre era vegana, mesmo que este termo ainda não fosse conhecido, ou seja, foi lá que entramos em contato com os cereais integrais, com os pães realmente integrais, que voltamos a comer aveia, que voltamos a tomar chá, que discutimos a homeopatia, e em cuja livraria passamos a encontrar conhecimentos inusitados. Como me tornei órfã aos 14 anos e aos 19 encontrei a macrobiótica, passei a estudar para entender a doença do meu pai e da família (câncer). Fui adotando outra dieta. Também era rechonchuda e me incomodava que me chamavam de “fofinha”. Então isso tinha um caráter de descobertas em saúde humana. Foi por lá, também, que encontrei os textos sobre o parto de cócoras, a amamentação, tantas informações que ainda não faziam parte da minha vida. Em 1982 tive uma gravidez vegetariana (vegana-macrobiótica) e fiz um parto de cócoras, assistido por um médico homeopata que fez o parto em casa. Foi uma experiência fantástica!

IHU On-Line – Em que sentido o vegetarianismo pode mudar paradigmas em relação à saúde humana, animal e do planeta?

Claudia Lulkin – Se mudamos o foco central da alimentação para o mundo vegetal com sua infinita diversidade (plantas que nem conhecemos no Rio Grande do Sul, plantas que estão sendo redescobertas) e se utilizarmos as terras agricultáveis para aumentar a produção de alimentos vegetais, teremos saúde ampla. Saúde não é somente ter mais Unidades Básicas de Saúde. Não! Saúde é sol, ar limpo, água limpa, terra e alimentos limpos, vida digna, habitação ecológica. Acho que posso falar tranquilamente sobre isso, pois fui vivenciar o que estou “teorizando” em vários lugares lindos do Brasil e fora dele.

IHU On-Line – Qual a funcionalidade da alimentação vegana, ou em que medida podemos afirmar que a alimentação vegana e viva é funcional?

Claudia Lulkin – A nutrição funcional reconhece os princípios ativos presentes nos alimentos. A maior parte desses alimentos que a nutrição funcional sugere vem do mundo vegetal, pois é aí que se encontram os pigmentos curativos: flavonóides, antocianina, carotenos, clorofila. Esses pigmentos resultam da fotossíntese, da relação do sol com a água, o ar, a terra e as sementes das plantas. As plantas são a materialização dessa relação, eu diria dessa alquimia que acontece na mãe natureza para utilizar termos mais “indígenas”, culturas que ainda têm uma relação forte com o ambiente natural. Muitos de nós também estamos resgatando essa compreensão em nossas vidas. Isso sem falar nos princípios ativos presentes nas plantas medicinais, nas aromáticas e condimentares, que são nutritivas, preventivas e curativas.

IHU On-Line – Qual o papel da Cooperativa Ecológica Coolmeia no movimento pela agricultura orgânica no RS?

Claudia Lulkin – A Cooperativa Coolmeia começou a partir de uma mobilização de consumidores de alimentos que já discutiam a falta de qualidade da alimentação industrial – artificial (grãos descortiçados, refinados – muita farinha branca, açúcar refinado, com corantes, saborizantes e afins de laboratório). Na medida em que se começou a buscar alimentos junto aos produtores, (e era um momento planetário desse debate), essa cooperativa se tornou um espaço, um lugar de encontros e de ações pró-agricultura ecológica. Aos poucos, foi se tornando um lugar de referência dessa busca de alimentação com qualidade: integral, orgânica. A Coolmeia tinha uma visão muito clara da ecologia no dia a dia. Esse era nosso mote. Como fazíamos almoços e lanches, o “entra e sai” de pessoas transformou a Coolmeia num ponto de cultura ecológico. E, a partir de outubro de 1989, se tornou as bases de feiras ecológicas em Porto Alegre, com ressonância no Rio Grande do Sul e no Brasil. A Feira dos Agricultores Ecologistas de Porto Alegre comemorou seus 21 anos no sábado, 16 de outubro, (Dia Mundial da Alimentação) com bela festa.

IHU On-Line – Quais as principais bases do cooperativismo autogestionário, que está em contraposição ao cooperativismo do agronegócio?

Claudia Lulkin – O cooperativismo, a priori, aponta para a autogestão, para a auto-organização dos que se reúnem para práticas onde há cooperação. Os imigrantes no Rio Grande do Sul conseguiram sobreviver e evoluir economicamente através do cooperativismo que trouxeram da Itália, da Alemanha. Mas com a “Revolução Verde”, o cooperativismo muda. As cooperativas de trigo e soja se tornaram grandes empresas – onde os produtores “da base” deixaram de ter voz ativa. Esse foi o modelo utilizado para facilitar a rapidez do avanço do modelo da agropecuária ou agronegócio, agrobusiness. Na divisão econômica internacional coube aos governos ditatoriais na América do Sul “facilitar” a implementação e rápida adesão a essa visão e prática. O Brasil passa a se tornar um dos maiores exportadores de carne do planeta, tendo a cadeia dos alimentos para os animais organizada por esse modelo.

(Ecodebate, 11/11/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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