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Carta aberta a Anastasia e Hélio Costa, por Gustavo T. Gazzinelli

[EcoDebate] Em que pesem outras candidaturas, como as de Vanessa Portugal, Prof. Luiz Carlos e José Fernando, os números das pesquisas eleitorais apontam para um segundo turno com as suas candidaturas.

A cadeia do Espinhaço, que dá origem a rios importantes como o Velhas e Paraopeba (bacia do Rio São Francisco), o Piracicaba e o Santo Antônio (bacia do Rio Doce) vem sendo alvo de forte degradação, especialmente de projetos do setor minerário. É sabido que somente no Quadrilátero Ferrífero, 80% dos aquíferos encontram-se depositados nas formações de minério de ferro, o que o torna também um Quadrilátero Aquífero. A água é sabidamente o elemento mais precioso da vida, e tido como o mineral mais estratégico do século XXI. Da mesma forma que nossos antepassados fizeram pouco caso das florestas (que tínhamos em abundância), a história está se repetindo agora com a destruição de reservatórios naturais de água e com sua transposição para outros estados por minerodutos (outorgados pelo Estado e licenciados pelo governo federal).

De outra forma, a imprensa nacional e internacional coloca a Amazônia no centro das atenções da opinião pública. Na hora de vendermos nossa mineiridade na propaganda eleitoral, ressaltamos entretanto os valores de Minas. Acima de tudo, aos mineiros cabe defender tais valores, que compreendem o relevo combinado com as águas, cachoeiras e roteiros históricos de sua região Central. Não temos mar, e nos foi dada a graça de conviver com as paisagens montanhosas e com as águas cristalinas que nelas se formam.

Repetindo, porém, um desiderato colonial, nossos governos vêm mantendo um perfil de desenvolvimento determinado pela produção e exportação de matéria prima, sobretudo do minério-de-ferro, que ajudou a acabar com o transporte ferroviário de passageiros, no Estado, e que caminha rapidamente para extinguir alguns dos sítios históricos e naturais mais importantes destas paragens. Algumas de nossas serras perderam ou têm condenados bem mais da metade da extensão dos seus campos rupestres de altitude – principais áreas de recarga hídrica da região. Beneficiadas por concessões no século XIX e por destombamentos e decretos de desapropriação nos séculos XX e XXI, algumas mineradoras, se não bastasse a destruição geral, transformam algumas áreas preservadas em condomínios fechados – isto é, restritos à fruição pública. Barragens de rejeitos se multiplicam sobre leitos de rios com águas límpidas, ou para contenção de cianeto (usado para a separação do ouro) à montante de mananciais de abastecimento público.

E esta obra vem sendo perpetrada por diferentes e sucessivos governos, que não tiveram a grandeza de salvaguardar o interesse público, fazendo, por exemplo, com que a Área de Proteção Ambiental Sul da Região Metropolitana (APA Sul RMBH) estabelecesse limites reais à voracidade da mineração, sobretudo. A mineração interfere nas áreas ambientalmente mais delicadas e preciosas. A máquina da administração estadual celebra protocolos de intenções e de compromissos assegurando, às mineradoras, que tudo se fará para remover os “obstáculos” para a consecução de seus propósitos.

Órgãos como o IEF e o IGAM (assim como, no plano do governo federal, o IBAMA, o DNPM e o BNDES) são administrados de modo a facilitar e financiar tais interesses. Representantes do governo estadual se gabam de Minas Gerais ser “o único” ou um dos poucos estados brasileiros, a ter um sistema participativo e colegiado nas decisões sobre licenciamentos ambientais e outorgas para uso de recursos hídricos. Contudo, boa parte de tais conselhos (Copam, Unidades Regionais Colegiadas/URCs/Copam e Comitês de Bacias Hidrográficas) é constituída por uma maioria corporativa (inclusive do próprio Estado) comprometida com o grande capital – imediatista e pouco zelosa para com o cumprimento das leis, a defesa do bem-comum e a efetivação de um real equilíbrio ecológico-econômico. Praticamente todos os projetos que implicam em grande destruição ambiental e comprometimento da qualidade e volume dos recursos hídricos são aprovados por tais colegiados, que paulatinamente vêm perdendo seu prestígio e honradez. A Copasa, empresa que deveria defender os recursos hídricos e cujos dirigentes são nomeados pelo Estado, faz sistematicamente vistas grossas aos projetos de mineração que comprometem estes recursos – vide o caso de Capão Xavier.

Os senhores candidatos podem ser grandes mineiros, mas é preciso saber se, sob seu comando, tal subserviência e a nomeação de dirigentes e operadores da área ambiental (de 1º ou 2º escalão) e prepostos, vinculados ao setor dito “produtivo”, continuará, com promoção de ameaças e destruição de um dos nossos patrimônios mais significativos.

Gustavo T. Gazzinelli é Jornalista e integrante do Movimento pelas Serras e Águas de Minas.

EcoDebate, 15/09/2010

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One thought on “Carta aberta a Anastasia e Hélio Costa, por Gustavo T. Gazzinelli

  • Prezado Gustavo,
    venho não só parabenizar como reiterar as suas palavras.
    Considero imprescindível que os candidatos, especialmente os dois que aparecem como mais votados, tenham não só conhecimento, como também compromisso os nossos “quadrilatéros aquíferos”, como colocado com tanta maestria pelo autor.
    Minas, é sinônimo de montanhas e águas cristalinas.
    Até quando continuaremos um território colonial, fornecedor da matéria prima mineral, sem resguardar nossas montanhas e nossa água?
    Vamos resguardar nossas riquezas, fazendo valer a legislação ambiental, sem favoritismos que ameaçam e destroem o que temos de mais precioso, e que repito, são nossas águas e nossas montanhas!

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