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A Segurança Alimentar e Nutricional e a Saúde: desafios atuais, artigo de Elisabetta Recine

Nos últimos dias tivemos duas notícias em relação à segurança alimentar da população brasileira, de naturezas distintas, mas que necessitam urgentemente se comunicar.

A primeira delas foi que o Presidente Luis Inácio Lula da Silva assinou, em cerimônia do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), o decreto de criação da Política Nacional de Segurança Alimentar a Nutricional (PNSAN). (Leia aqui).

A segunda notícia foi a divulgação da Pesquisa de Orçamento Familiar 2008/09 do IBGE. Somos um país que engorda, infelizmente sem surpresa. Essa tendência vem sendo observada desde 1989, quando pela primeira vez pudemos constatar a tendência de queda da desnutrição e o início da escalada do excesso de peso. Um país historicamente acostumado com os dados alarmantes de fome e desnutrição olhou com desconfiança estes primeiros números. O senso comum vaticinou: “coisa de rico, não vai longe”. Ledo engano. A obesidade está nas ruas, nas filas dos serviços de saúde, complicando em diabetes, hipertensão e outras doenças, comprometendo a qualidade de vida presente e futura de crianças ainda muito jovens, adolescentes, adultos, homens, mulheres de norte a sul.

Este excesso de peso vem carimbado pela má qualidade da nossa alimentação. Resultado de um sistema alimentar irônico que faz um copo de suco de fruta custar mais caro que um litro de refrigerante. Que aumenta as porções e empobrece sem pudor a qualidade nutricional dos alimentos. Comemos em embalagens sedutoras açúcar, gordura e sal!

Alguns resultados Pesquisa Nacional de Orçamentos Familiares – POF 2008/09:

1. A análise do estado nutricional confirma a manutenção na tendência de redução da desnutrição infantil. A prevalência de déficit de altura em menores de cinco anos foi próxima em meninos (6,3%) e meninas (5,7%) e igual entre domicílios rurais e urbanos (ambos de 6,0%). Em termos regionais, o Norte tem a maior proporção de crianças com baixa altura (8,5%), enquanto o Nordeste (5,9%) não apresenta mais diferença em relação ao Sudeste e Centro-Oeste (ambos com 6,1% de déficit).

2. Os dados apontam para um aumento do sobrepeso e obesidade em todas as faixas etárias e de renda. A obesidade entre mulheres cresceu de 7,8% para 16,9% de 1975 a 2009 Nos homenes, esse aumento foi de 2,8% para 12,5%. O excesso de peso (sobrepeso + obesidade), alcançou 50,1% dos homens e 48,0% das mulheres.

3. É preocupante o aumento da obesidade em crianças de 5 a 9 anos de idade. Nos últimos 20 anos, as prevalências foram multiplicadas por quatro entre os meninos (4,1% para 16,6%) e por quase cinco entre as meninas (2,4% para 11,8%). O aumento na obesidade foi grande em todas as macrorregiões e reduziram-se as diferenças entre ricos e pobres, tendo em vista que a obesidade cresceu três vezes mais rápido entre aqueles de menor rendimento familiar.

4. 20% dos adolescentes apresentaram excesso de peso (com pequena diferença entre os sexos) e quase 6% dos adolescentes do sexo masculino e 4% do sexo feminino foram classificadas como obesos. De modo análogo às crianças de 5 a 9 anos, entre os adolescentes as prevalências de excesso de peso e obesidade foram maiores no Centro-Sul do país e são maiores à medida em que aumenta a renda familiar (Leia mais aqui).

É neste ponto que a primeira notícia vincula-se à segunda. A assinatura do decreto da PNSAN é resultado de duas conferências nacionais e várias reuniões, plenárias e oficinas de conselheiros de todo o Brasil, representantes de distintas entidades e movimentos sociais vinculados à soberania da segurança alimentar e direito humano à alimentação adequada e gestores de diferentes áreas e esferas de governo. Este ato foi mais uma etapa do processo de lutas sociais para que o Estado Brasileiro se organize para realizar tanto a segurança alimentar como o direito à alimentação.

Mas afinal de contas, o que é segurança alimentar e nutricional? Segundo definição adotada no Brasil, “consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis”.

Na amplitude deste conceito reside toda a riqueza e complexidade para fazê-lo ganhar concretude. Demanda a articulação de setores que reúnem interesses muitas vezes conflitivos. O decreto assinado pelo presidente Lula por si só não é suficiente, no entanto sua importância reside no estabelecimento de um novo cenário onde os diferentes setores poderão negociar programas e ações articuladas.

Questões importantes ainda não estão respondidas, por exemplo, o lócus institucional da Câmera Interministerial de SAN (CAISAN), atualmente, no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Avalia-se que a CAISAN deva estar junto à Presidência da República, para que tenha legitimidade em convocar os 19 ministros que a compõe para elaborarem uma estratégia articulada de vários setores de governo, com profundo comprometimento da sociedade civil, para que os atuais paradigmas de produzir, transformar e comercializar alimentos sejam alterados e que a promoção da saúde tenha o protagonismo necessário. Mantida a prioridade política, a garantia da segurança alimentar passa necessariamente por questionar nosso sistema alimentar. Desde a lavoura até as prateleiras dos mega-varejistas e nossa real capacidade de escolhermos como nos alimentarmos.

Elisabetta Recine é professora adjunta e coordenadora do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição do Centro de Estudos Avançados de Governo e Políticas Públicas da Universidade de Brasília. Possui graduação em Nutrição, mestrado em Ciências (Fisiologia Humana) e doutorado em Saúde Pública, todos pela Universidade de São Paulo. Atua principalmente em políticas públicas de alimentação e nutrição, segurança alimentar e nutricional, direito humano à alimentação adequada, educação nutricional, alimentação saudável, promoção da saúde.

Artigo socializado pela UnB Agência e publicado pelo EcoDebate, 13/09/2010

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