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Meio Ambiente: Distorções no noticiário, por Luciano Martins Costa

[Observatório da Imprensa] O hábito de rastrear e catalogar notícias de fontes variadas pode produzir experiências interessantes de interpretação da realidade que é oferecida pela mídia. Cotejando, por exemplo, informações apresentadas ao longo de um mês sobre o mesmo assunto, pode-se observar como os valores ponderados de certos dados podem se alterar conforme o viés da reportagem onde estão inseridos. Muitas vezes, essa coleta acaba demonstrando que certos temas são tratados pela imprensa de maneira contraditória em questão de dias.

A questão ambiental, que teve recentemente ampla repercussão por conta dos esforços do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) para divulgar seu relatório sobre a proposta de mudança no Código Florestal, pode ganhar uma interpretação mais rica quando confrontada com o noticiário sobre a economia agrícola.


No começo deste mês, por exemplo, uma nota oficial da FAO, Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, reproduzida por toda a grande imprensa nacional e publicada com destaque em jornais da região Centro-Oeste e do Paraná, alertava que a produção agrícola global terá que dobrar até 2050, para garantir a segurança alimentar e permitir que a fome seja erradicada no mundo.

A notícia foi usada por representantes do lobby ruralista para pressionar parlamentares a apoiar o desmanche do Código Florestal, sob a alegação de que a defesa do meio ambiente prejudica a expansão da agricultura e da pecuária, provocando a fome. Tal raciocínio foi reproduzido por dezenas de blogs e sites, com centenas ou milhares de comentários – até onde pode alcançar um observador isolado – criticando os ambientalistas.

Pouquíssimos desses jornais, sites e blogs publicaram o documento inteiro da FAO, no qual se prevê que o Brasil estará aumentando em 40% sua produção até 2019, enquanto China, Índia e Rússia devem expandir em cerca de 20%. Não houve nenhuma referência da FAO a entraves da questão ambiental à maior produção de alimentos.

Mas a imprensa em geral publicou apenas metade da história, aquela que interessava aos desmatadores.

As causas da fome

O principal desafio dos planejadores da FAO não é a produtividade, ou seja, a capacidade do agronegócio de produzir mais sem ter que ampliar exageradamente a área cultivada – o que pressiona o patrimônio natural. A economia rural vem se destacando nos últimos anos pelo grande incremento na capacidade e na qualidade da produção, por conta dos avanços no conhecimento científico, da modernização e formalização dos negócios e da melhoria das condições gerais de financiamento.

Em termos globais, o grande desafio é transformar a África de continente famélico em produtor de alimentos. E a situação política africana, estagnada pelo neo-colonialismo, nada tem a ver com a luta dos ambientalistas. Pelo contrário, ONGs ambientalistas e humanitárias é que lutam para salvar vidas na África.

Aqui no Brasil, a produção de grãos cresceu 62% de 1994 a 2003, passando de 76 milhões de toneladas para 123 milhões de toneladas. Esse foi exatamente o período em que o Código Florestal passou a ser aplicado de maneira mais efetiva. No período posterior, a partir de 2003, novas medidas aumentaram a eficiência da fiscalização, com a maior sofisticação do sistema de satélites e o cruzamento de dados de produção com informações financeiras.

As estimativas para 2010 são de 146 milhões de toneladas, produção quase igual ao recorde de 2008. Observe-se que a produção cresce quase 9% entre 2009 e 2010, enquanto a área de colheita aumenta apenas 1,5% de um ano para o outro.

Nesta sexta-feira [23/7], os jornais seguem com boas notícias sobre a produção agrícola em vários setores. A Folha de S.Paulo destaca que a retomada do setor têxtil vai fazer com que a produção de algodão seja 27% maior no período 2009-2010. Paralelamente, voltam as notícias sobre a redução do desmatamento na Amazônia. Internamente, há evidências incontestáveis de que a defesa do patrimônio ambiental induz à melhoria da produtividade e contribui para educar o produtor rural a buscar mais qualidade tecnológica em vez de simplesmente tocar fogo na floresta toda vez que precisa expandir sua lavoura.

Essa verdade está espalhada, fragmentada no noticiário do dia-a-dia.

Análise originalmente publicada no Observatório da Imprensa.

EcoDebate, 26/07/2010

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