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Uma década depois, mapeamento genético humano produz poucas novas curas

Dez anos depois do presidente Bill Clinton ter anunciado que o primeiro esboço do genoma humano estava completo, a medicina ainda não viu grande parte dos benefícios prometidos.

Para os biólogos, o genoma rendeu uma surpresa reveladora atrás da outra. Mas a meta principal do Projeto Genoma Humano de US$ 3 bilhões – desmascarar as raízes genéticas de doenças comuns como câncer e mal de Alzheimer e então produzir tratamentos – permanece em grande parte não atingida. De fato, após 10 anos de esforços, os geneticistas estão quase de volta à estaca zero no conhecimento de onde procurar pelas raízes das doenças comuns.

Um sinal do uso limitado do genoma para a medicina, até o momento, foi um recente teste de previsões genéticas para doença cardíaca. Uma equipe médica liderada por Nina P. Paynter, do Brigham and Women’s Hospital em Boston, reuniu 101 variantes genéticas que foram associadas estatisticamente a doença cardíaca em vários estudos de escaneamento do genoma. Mas as variantes provaram não ter valor na previsão de doença entre 19 mil mulheres que foram acompanhadas por 12 anos. Por Nicholas Wade, The New York Times.


O método à moda antiga de analisar o histórico familiar foi um guia melhor, relatou Paynter em fevereiro no “The Journal of the American Medical Association.

Ao anunciar em 26 de junho de 2000 que o primeiro esboço do genoma humano tinha sido concluído, Clinton disse que ele “revolucionaria o diagnóstico, prevenção e tratamento da maioria das doenças humanas, se não todas”.

Em uma coletiva de imprensa, Francis Collins, na época diretor da agência de genoma dos Institutos Nacionais de Saúde, disse que o diagnóstico genético das doenças seria atingido em 10 anos e que tratamentos começariam a surgir aproximadamente cinco anos depois disso.

“A longo prazo, talvez em outros 15 ou 20 anos”, ele acrescentou, “vocês verão uma transformação completa na medicina terapêutica”.

A indústria farmacêutica gastou bilhões de dólares para colher os segredos genômicos e está começando a colocar no mercado várias drogas guiadas pelo genoma. Apesar das companhias farmacêuticas continuarem investindo quantidades imensas em pesquisa do genoma, ficou claro que a genética da maioria das doenças é mais complexa do que o previsto e que serão necessários muito mais anos até que novos tratamentos possam transformar a medicina.

“A ‘Genômica’ é uma forma de fazer ciência, não medicina”, disse Harold Varmus, presidente do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova York, que em julho se tornará o diretor do Instituto Nacional do Câncer.

A última década trouxe uma enxurrada de descobertas de mutações causadoras de doenças no genoma humano. Mas na maioria das doenças, as descobertas explicaram apenas uma pequena parte do risco de adoecer. E muitas das variantes genéticas associadas a doenças, começaram a temer alguns cientistas, podem ser ilusões estatísticas.

HapMap

O Projeto Genoma Humano começou em 1989 com a meta de sequenciar, ou identificar, todas as três bilhões de unidades químicas no conjunto humano de instruções genéticas, encontrar as raízes genéticas de doenças e então desenvolver tratamentos. Com a sequência em mãos, o próximo passo era identificar as variantes genéticas que aumentam o risco de doenças comuns como câncer e diabete.

Era muito caro na época pensar em sequenciar os genomas inteiros de pacientes. Assim os Institutos Nacionais de Saúde abraçaram a ideia de um atalho esperto, o de olhar apenas nos sítios no genoma onde muitas pessoas têm uma unidade de DNA variante. Mas esse atalho parece não ter sido bem-sucedido.

A teoria por trás do atalho era que como as grandes doenças são comuns, também seriam as variantes genéticas que as causam. A seleção natural mantém o genoma humano livre de variantes que danificam a saúde antes das crianças crescerem, diz a teoria, mas fracassa diante de variantes que atacam mais tardiamente na vida, permitindo que se tornem comuns. Em 2002, os Institutos Nacionais de Saúde iniciaram um projeto de US$ 138 milhões chamado HapMap, para catalogar as variantes comuns nos genomas europeu, do leste asiático e africano.

Com o catálogo na mão, a segunda etapa era ver se algumas das variantes eram mais comuns nos pacientes com certa doença do que nas pessoas saudáveis. Esses estudos exigiram grande número de pacientes e custaram vários milhões de dólares cada. Quase 400 deles foram concluídos em 2009. O resultado é que centenas de variantes genéticas comuns foram estatisticamente associadas a várias doenças.

Mas na maioria das doenças, as variantes comuns explicaram apenas uma fração do risco genético. Agora parece mais provável que cada doença comum é causada principalmente por um grande número de variantes raras, algumas tão raras que não foram catalogadas pelo HapMap.

Os defensores do HapMap e dos estudos de associação de genoma dizem que a abordagem faz sentido porque apenas agora está ficando barato o suficiente procurar por variantes raras, e que muitas variantes comuns têm um papel nas doenças.

A esta altura, cerca de 850 locais no genoma, a maioria deles próximos de genes, foram ligados em doenças comuns, disse Eric S. Lander, diretor do Broad Institute em Cambridge, Massachussetts, e um líder do projeto HapMap. “Eu sinto fortemente que a hipótese foi comprovada”, ele disse.

Mas a maioria dos locais associados a doenças não estão nos genes – os trechos de DNA que dizem às células para produzirem proteínas – e não têm nenhuma função biológica conhecida, levando alguns geneticistas a suspeitarem que as associações são falsas.

Muitas delas podem “derivar de fatores que não a verdadeira associação com o risco de doença”, escreveram Jon McClellan e Mary-Claire King, geneticistas da Universidade de Washington, Seattle, na edição de 16 de abril da revista “Cell”. A nova tendência entre os geneticistas de ver as variantes raras como a principal causa das doenças comuns é “uma grande mudança de paradigma na genética humana”, eles escreveram.

A única forma de encontrar variações genéticas raras é sequenciar o genoma inteiro de uma pessoa, ou pelo menos todas as suas regiões de codificação de genes. Essa abordagem agora está se tornando viável porque o custo do sequenciamento despencou, de aproximadamente US$ 500 milhões para o primeiro genoma humano, concluído em 2003, para os custos de US$ 5 mil a US$ 10 mil que são esperados no próximo ano.

Revolução científica

Mas apesar de 10 anos de genoma poderem ter produzido pouco para a medicina, a história para a ciência básica foi muito diferente. A pesquisa do genoma transformou a biologia, produzindo uma série constante de surpresas. Primeiro foi a descoberta de que o número de genes humanos é espantosamente pequeno em comparação aos de animais menores, como os nematóides de laboratório e da mosca-de-fruta. O quase invisível nematóide precisa de 20 mil genes que fazem proteínas, as partes que trabalham das células, enquanto os humanos, aparentemente muito mais altos na escala evolucionária, parecem ter apenas 21 mil genes codificadores de proteínas.

A explicação que surge lentamente é que os seres humanos e outros animais possuem grande parte dos mesmos genes codificadores de proteínas, mas que o conjunto humano é regulado de uma forma bem mais complexa, por meio de um uso elaborado da molécula que acompanha o DNA, o RNA.

Pouco ou nada desta pesquisa poderia ser feita sem a disponibilidade da sequência do genoma humano. Cada gene e elemento de controle agora podem ser mapeados até seu local correto no genoma, permitindo que todas as partes do sistema que trabalham sejam relacionadas umas às outras.

“Dispor de uma plataforma comum na qual é possível colocar toda a informação acelerou enormemente o progresso”, disse Lander.

A sequência do genoma também inspirou muitas novas técnicas poderosas para exploração de seu significado. Um é o sequencimento ChIP, que dá aos pesquisadores acesso à misteriosa e essencial cromatina, o mecanismo complexo de proteína que tanto embala o DNA do genoma quanto controla o acesso a ele.

Os dados do HapMap também permitiram aos geneticistas populacionais reconstruírem a história da população humana desde sua dispersão da África há cerca de 50 mil anos. Eles podem apontar que genes apresentam as impressões de recente seleção natural, que por sua vez revela os desafios em particular aos quais as populações de diferentes continentes tiveram que se adaptar.

À medida que mais pessoas têm seus genomas inteiros decodificados, as raízes de doenças genéticas poderão ser entendidas, mas a esta altura não há garantia de que tratamentos surgirão em seguida. Se cada doença comum é causada por uma série de variantes genéticas raras, esse quadro pode não ser suscetível a drogas.

“A única resposta intelectualmente honesta é que não há como saber”, disse Lander. “Uma pessoa pode preferir ser otimista ou pessimista, mas a melhor abordagem é ser empirista.”

Tradução: George El Khouri Andolfato

Reportagem [A Decade Later, Genetic Map Yields Few New Cures] do New York Times, no UOL Notícias.

EcoDebate, 14/06/2010

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