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Artigo

A Comissão Nacional da Verdade e a Anistia, artigo de Apolo Heringer Lisboa

[EcoDebate] O golpe militar em 1964 violentou as normas constitucionais vigentes no Brasil. Gestado no contexto da “guerra fria” este ato vassalo, estimulado pelos Estados Unidos, precipitou o país na ilegalidade e o convulsionou. Foi uma política que atingiu toda a América Latina. Por 21 anos estudantes, lideranças dos trabalhadores, intelectuais e liberais políticos enfrentaram o poder do Estado militar em diversos países. Na verdade, os falsos democratas golpistas temeram a luta pela justiça social e tentaram, com o militarismo, sufocar a democracia.

Colocar os dois lados no mesmo plano é anular pilares éticos de nossa formação histórica. É confundir os agressores com quem pratica a legítima defesa e exerce o direito e o dever de resistir à tirania, inclusive pelas armas. Os militantes tiveram seus nomes amplamente divulgados, suas ações supostas ou reais discriminadas em processos militares, e todos foram condenados. Centenas foram assassinados e milhares violentados. Como a ditadura foi derrotada politicamente e isolada internacionalmente, o governo militar teve que sancionar a Lei da Anistia. Os agentes do Estado ficaram com seus nomes ocultos e suas ações mantidas em sigilo, com promoções.

Quase 50 anos depois de 1964 estamos ainda querendo que as FFAA esclareçam mais de 400 casos de mortos e desaparecidos, que revelem onde estão os corpos dos assassinados para que as famílias os enterrem e lhes prestem uma última homenagem. Em muitos casos os familiares querem ter o direito de consultar os arquivos que foram subtraidos das instituições e guardados em locais privados por ex-agentes da ditadura. Em vez de olhar para frente e superar esses episódios, os nostálgicos do regime militar insistem em manter o clima de desconfiança, acobertando-se num corporativismo revanchista que a Nação busca superar.

A Comissão Nacional da Verdade criada pelo presidente Lula não quer revogar nem revisar a Lei da Anistia. Pretende dar-lhe a interpretação devida, para não ocultar os crimes do Estado. A resistência das FFAA é estranha pois elas negam que hajam oprimido e violentado a Nação, atribuindo tais crimes à conta de atos isolados de delituosos em suas fileiras. Mas as FFAA não têm autonomia, devem se comportar como servidores públicos, subordinadas aos três poderes constituidos. Cinco generais exerceram a presidência por 21 anos sem terem sido eleitos. Agiram em nome do golpismo. Todos os que sofreram neste período, dos dois lados, sejam militares, sejam nossas mães, sejam os guerrilheiros, todos são vítimas do golpe militar de 1964.

A paz e a construção de uma Nação verdadeiramente democrática é nosso objetivo. Errar todos erram, mas as ações do Estado devem ser transparentes, públicas e legais, não se confundindo com grupos de extermínio e esquadrões da morte. A Nação deve conhecer a verdade, pois só esta nos libertará dos fantasmas e trará confiança nas instituições democráticas, superando definitivamente este momento desonroso de nossa história republicana. Não tem sentido dar a logradouros públicos, prédios e grandes obras nomes de pessoas que reprimiram o povo e mandaram torturar. Ao contrário, precisamos homenagear os mártires da luta democrática e valorizar os bons exemplos. E nunca mais permitir que as FFAA sejam lançadas contra o povo, contra a democracia e colocadas a serviço de interesses anti-nacionais ou de uma minoria abastada.

* Colaboração de Apolo Heringer Lisboa, Projeto Manuelzão, UFMG, para o EcoDebate, 03/02/2010

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