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Artigo

Fosfateira: uma questão de vida (ou morte), artigo de Ana Echevenguá

[EcoDebate] “Eu às vezes fico pensando em como seria se os brasileiros falassem. Se protestassem contra o que lhes fazem, se fizessem discursos indignados em todas as filas de matadouro, se cobrassem com veemência uma participação em tudo o que produzem para enriquecer os outros, reagissem a todas as mentiras que lhes dizem, reclamassem tudo que lhes foi negado e sonegado e se negassem a continuar sendo devorados, rotineiramente, em silêncio. Não é da sua natureza, eu sei, só estou especulando. Ainda seriam dominados por quem domina a linguagem e, além de tudo, sabe que fala mais alto o que nem boca tem, o dinheiro. Mas pelo menos não os comeriam com a mesma empáfia”. (Luis Fernando Veríssimo, O Mundo é Bárbaro, pag. 46).

O caso da fosfateira – Indústria de Fosfatados Catarinense, joint-venture das multinacionais Bunge e Yara – é umas das poucas brigas de ecochatos que ganhou espaço na mídia nacional. E esse pessoal é pretensioso: quer ser ouvido na Noruega, sede da Yara/Bunge. Será que consegue? Afinal, ecochato só incomoda, só quer confusão, o que ele fala é bobagem que não vende jornal porque não está avalizado por doutores, pós-doutores, gente grande, donos do poder…

Recordo quando o professor Jorginho me ligou dizendo que havia conseguido um espaço no Diário Catarinense. E da sua frustração nos dias seguintes porque a repórter desprezou a sua versão dos fatos. Ora, ora, professor das montanhas vivas: o que a gente poderia esperar da nossa imprensa??

Aí, o grande jornalista Haroldo Castro publicou “uma chamadinha” em sua coluna Viajologia* que rendeu bastante: “Falei sim. Apenas uma palavrinha. Mas depois passei a pauta adiante para a Época e eles fizeram a matéria”.

Agora, Diário Catarinense, Estadão e outros estão divulgando o caoso. Afinal, os indignados não sossegam: deram uma tacada de mestre: pediram ajuda à Assembléia Legislativa de SC. Quem sabe faz a hora… Os deputados, em eterna campanha para reeleição, aceitaram a realização de audiências públicas em cidades que serão atingidas pelo projeto da IFC.

Claro que esses deputados só querem pedir votos, sair na foto. São os mesmos que criaram nosso Código Ambiental Inconstitucional, que transformaram a maior unidade estadual de conservação – Parque da Serra do Tabuleiro – em “Área de Livre Especulação”…

Bom, a ALESC promoveu uma audiência em Braço do Norte, no dia 25 último. A FATMA não compareceu. Pra quê? Pra explicar como e por que já concedeu a LAP – Licença Ambiental Prévia para a IFC? E por que vai licenciar a supressão de Mata Atlântica para implantação de fábrica??? Eles já explicaram tudinho, gente! Afinal, “Esse foi um dos projetos mais complexos e estudados pela Fatma”**, afirmou Murilo Flores, presidente desta.

Além disso, Luiz A. Correa, também da FATMA, disse que na audiência de Anitápolis, “não houve manifestação pró e contra. Foi uma audiência que chamou a atenção por um nível muito bom”***. Pelo teor da notícia da qual extraí esta frase, sobre dúvidas e temores sobre o empreendimento, parece que este técnico da FATMA está falando de outra audiência.

Voltando a Braço do Norte, o presidente da audiência – que foi eleito na região catarinense destruída pelos “Donos do Carvão” e que nunca fez nada para mudar esta situação – concedeu 30 minutos para a IFC apresentar o projeto.

Pasmem! Nada de técnicos falando complicado, explicando A + B = Desenvolvimento Sustentável. Colocaram um filme legal na telinha. Uma maravilha de empreendimento, emprego, desenvolvimento, segurança… Só faltaram as pipocas. Olha, do jeito exposto, qualquer um gostaria de morar ao lado ou abaixo da fosfateira!

Vendo tudo aquilo, até pensei: essa gente de Anitápolis está preocupada com o quê? Tudo 100% seguro. Os trabalhos terão supervisão e fiscalização de equipes internacionais, sabiam??? Acho que nem eles confiam no trabalho da FATMA e IBAMA (risos).

Se a Adriana e seu esposo não reclamassem, teríamos um longa metragem de 2 horas, eu acho. Aí, eles avisaram aos deputados que a IFC estava abusando. Político não usa relógio, Adriana! Eles controlam tudo, até o tempo.

Inútil dizer que as cifras do projeto de R$ 550 milhões já cativaram os donos do poder: R$2,5 milhões anualmente em arrecadação municipal e R$ 7,5 milhões para os cofres estaduais e federais. O prefeito de Anitápolis, Saulo Weiss, vai entrar pra história como o Prefeito da Fosfateira: “Se o projeto vingar, a cidade verá o orçamento passar de R$ 4 milhões para R$ 6,5 milhões”. (Cuidado, prefeito: o eleitor tem memória!)

É a velha história da geração de empregos e tributos para justificar lucro em detrimento do meio ambiente e da saúde dos seres vivos. E a gente nem sabe se esse dinheiro vai entrar nos cofres públicos já que a IFC ganhou todos os incentivos fiscais necessários.

Mas os demais números do projeto, mesmo na produção cinematográfica bungeana, assustam: extração de 1,8 milhão de toneladas de fosfato por ano que gerará uma cratera a céu aberto, 1,2 milhão de rejeito (só 13% do fosfato extraído é utilizado), produção de 500 mil toneladas de super fosfato simples, 200 mil toneladas de ácido sulfúrico, uso de muita água captada no Rio dos Pinheiros. Uma barragem de rejeitos construída a 600 m acima do nível do mar, numa região de alto risco a erosão e deslizamentos, conforme estudos do Comitê da Bacia do Tubarão; e suscetível a enxurradas e trombas d’água.

Pra situação não ficar tão escandalosa, a FATMA até admite riscos na barragem de rejeitos: “Tecnicamente, é impossível falar que não existe risco. Toda e qualquer obra de engenharia apresenta riscos”.

O impacto é regional. A obra está dentro da bacia hidrográfica do rio dos Pinheiros, um dos 19 rios da bacia hidrográfica do rio Braço do Norte. Assim, de imediato, serão atingidas Anitápolis, Santa Rosa de Lima, Rio Fortuna, Grão Pará, Braço do Norte e São Ludgero.

A extração do fosfato – lixiviável e hidrossolúvel – vai provocar, com certeza, contaminação dos recursos hídricos e solo da região. Além disso, esses produtos tóxicos circularão pelo estado. Ácido sulfúrico e o enxofre (importados) saírão do porto de Imbituba (litoral sul) e chegarão a Anitápolis em caminhões. O produto final irá para Lages (planalto serrano) onde o superfostafo será armazenado e escoado (dizem!) por ferrovia.

Quanto ao uso da água, o promotor estadual Luís Eduardo Souto, na audiência que ocorreu na ALESC, foi claro: “Não sabemos se quantidade de águas que temos é suficiente para as atividades econômicas do Estado. Sem políticas públicas de planejamento ecológico e econômico é difícil saber o impacto do empreendimento”. E reforçou: “a empresa precisará de água para funcionar, mas que o Estado não tem um projeto de política de recursos hídricos e que não há conhecimento da quantidade de água existente nos rios catarinenses”****.

Somente por este fato, o licenciamento deveria ser negado. Cadê a absoluta certeza científica? Cadê o princípio da precaução, gente? Ou cadê o bom senso dessa gente? Todos foram seduzidos pela lógica imediatista da economia (tributos, empregos, …), ainda que falaciosa? E a lógica dos efeitos nefastos que um empreendimento desses pode causar à saúde e ao ambiente é irrelevante. A gente vê isso depois???

Caro leitor, ainda que não seja ‘da sua natureza’, como falou Veríssimo, entre nessa luta, junte-se a esses ecochatos que querem defender Anitápolis, um paraíso onde a agricultura familiar é responsável pela subsistência de 80% da população de 4 mil habitantes, e as demais regiões que serão degradadas pela IFC.

A luta conta com o apoio de professores pesquisadores da UFSC, UDESC, UNIBAVE… Mas precisa do apoio de cada um dos que sonham com um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Fale! Proteste! Reclame! É a nossa saúde e a dos nossos filhos que está em jogo; banir a IFC (e seus adeptos) do nosso chão é uma questão de vida! Infelizmente, estamos “sendo devorados, rotineiramente, em silêncio”.

* – http://colunas.epoca.globo.com/viajologia/2009/06/11/justica-federal-em-sc-prefere-educacao-ambiental-a-repressao/

** – http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI80423-15210,00.html.

*** – http://clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a2072590.xml&template=3898.dwt&edition=10346

**** -http://www.clicrbs.com.br/especial/sc/jsc/19,0,2583470,Impacto-ambiental-de-instalacao-de-fosfateira-em-Anitapolis-preocupa-moradores.html

Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa Eco&Ação, presidente do Instituto Eco&Ação e da Academia Livre das Água, e-mail: ana{at}ecoeacao.com.br, websites: http://www.ecoeacao.com.br e http://institutoeccos.blog.terra.com.br/.

EcoDebate, 29/09/2009

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6 thoughts on “Fosfateira: uma questão de vida (ou morte), artigo de Ana Echevenguá

  • Roberto Vieira

    Tal qual lutar contra a poluição ambiental e consequentemente contra a degradação ambiental é lutar para que a verdade esteja acima das versões. O comentário sobre os políticos com toda certeza não se encaixa nas ações do deputado Décio Goes. Procure se informar sobre as ações do Deputado. A nossa luta é contra a degradação do meio ambiente e também do meio político. É preciso separar o joio do trigo. Abraços.

  • A Justiça Federal concedeu à Associação Montanha Viva liminar que suspende os efeitos da licença ambiental prévia expedida pela Fundação do Meio Ambiente (Fatma) e impede a instalação do Complexo de Fabricação de Superfosfato Simples no município de Anitápolis, a 108 quilômetros de Florianópolis. A decisão é da juíza Marjôrie Cristina Freiberger Ribeiro da Silva, da Vara Federal Ambiental da Capital, e foi proferida segunda-feira (28/9/2009) em uma ação civil pública. A magistrada considerou, entre outros fundamentos, que a lei de proteção da Mata Atlântica não admite a supressão de vegetação secundária em estado avançado de regeneração para instalação de fábrica de ácido sulfúrico e fertilizantes.

    De acordo com a liminar, a Fatma não pode expedir a autorização de corte de vegetação e as empresas estão proibidas de iniciarem as obras até a decisão final da ação. “As alegações que constam da inicial (…) são verossímeis e há fundado receio de grave lesão ao meio ambiente se o licenciamento ambiental prosseguir com a expedição de autorização de corte e licença de instalação”, afirmou a juíza, invocando o princípio da precaução. A associação está questionando o licenciamento, a publicidade do estudos, a construção de barragens e à outorga dos recursos hídricos. A ação foi proposta contra a União, o Estado, o município de Anitápolis, o Ibama, a Fatma e três empresas. Cabe recurso da decisão.

    Processo nº 2009.72.00.006092-4

    Clique no link para ler a íntegra da decisão.

    http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/visualizar_documento_gedpro.php?local=jfsc&documento=2797945&DocComposto=&Sequencia=&hash=0ce1b1e5621865f10f03db310f15ba48

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