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Artigo

Uma dupla dinâmica em Guaraciaba, artigo de Ana Echevenguá


Foto de Diogo Redel

[EcoDebate] Ela tem 27 anos. Nasceu em Chapecó e mora há um ano em Floripa. Está em “missão especial” na cobertura da tragédia que assolou  Guaraciaba, a serviço do maior jornal de Santa Catarina, o Diário Catarinense.

Apesar da tenra idade, ela escreve melhor do que muitos ‘pseudo-formadores de opinião’ que somos obrigados a suportar na mídia. Falo da minha nova “ídola”, Lilian Simioni, que me emocionou às lágrimas com seu relato – profissional e respeitoso – sobre a dor dos atingidos pelo tornado de Guaraciaba e região:

“As lentes tentam capturar e as palavras descrever, mas é muito difícil explicar o panorama de uma cidade devastada. A cada rua, uma triste surpresa. A cada comunidade, mais e mais estragos que justificavam facilmente o decreto de calamidade pública. Olhar nos olhos das pessoas parece a forma mais simples de entender o que se passou e ainda se passa em Guaraciaba, no Extremo-Oeste de Santa Catarina. É um misto de espanto, medo, ansiedade com o futuro e dor. Uma dor pesada, que faz a resignação ainda ser mais forte do que a vontade de reconstruir. Uma dor quase paralisante”.
http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a2648558.xml&template=3898.dwt&edition=13096

As lentes que registram os danos estão nas mãos do fotógrafo Diego Redel que documentou o Vale do Itajaí durante o “olho do furacão”.

Entrei em contato com Lilian, para elogiar seu trabalho. Com simplicidade, respondeu-me:

“Eu e o fotógrafo Diego Redel estamos nos esforçando muito para tentar retratar a gravidade da situação (justamente para que as pessoas percebam e tentem ajudar…) e não explorar a desgraça alheia.  Acredite: é muito difícil percorrer este cenário e não se comover. Estou muito mexida com tudo isso e, mesmo assim, preciso trabalhar com prazos, com pressão e etc. Fico feliz que estejas gostando da cobertura”.

Lilian contou-me que também fez a cobertura daquele acidente na rodovia de Descanso, que contou com 27 vítimas, em 2007.

Eu sei como a mídia é cruel, tendenciosa; como os anunciantes determinam os rumos da história que nos é repassada. Mas espero que Lilian possa dar continuidade ao seu trabalho e – se possível, escrever de forma independente no futuro.

Parabéns à grande Lilian, parabéns ao Diego, parabéns ao Diário Catarinense por contratar profissionais desta estirpe.

Leiam e sintam como ela consegue nos transportar para Guaraciaba, colocando-nos do lado de cada uma das pessoas que entrevista.

13 de setembro de 2009 | N° 8560 | A vida depois de um tornado

É à luz de velas que a janta para pelo menos 20 pessoas fica pronta. Já não existe rotina na vida de Maria Helena Cestari, 56 anos, moradora da Linha Velter, em Guaraciaba, no Extremo-Oeste. A mudança no cotidiano dela acompanha o que se vê na vizinhança, na comunidade, na cidade. Para as 70 famílias, que há apenas cinco dias sentiam a segurança de encher a mesa com o que colhem do próprio jardim, a hora é de enterrar as lamentações com os escombros deixados pelo tornado e recomeçar.

Na casa de Maria Helena, os alimentos não são mais colhidos na terra, são recebidos pelas equipes responsáveis pelas doações. Os colchões não ficam mais nos quartos. Aliás, agora, existe um só quarto: o coletivo, no porão da casa.

Aos poucos, ela vai se acostumando com as novas regras, a nova organização, a nova família. Agradece por ainda ter a família. Sorte que outros não tiveram. O tornado da noite de segunda-feira matou quatro pessoas na cidade.

A casa, que esteve com o telhado descoberto até o início da tarde de sexta-feira, virou uma espécie de abrigo. Pelo menos quatro famílias dormiram na estrutura semidestruída nas últimas noites.

Sem luz, a solução é dormir cedo. O sono não é interrompido por roncos alheios ou por manias da intimidade de cada família. É o medo de novos temporais o insistente despertador.

Na madrugada de sexta-feira, a chuva e os trovões geravam o receio de mais uma tempestade, de que se repetisse aquele devastador fenômeno climático.

O receio não é a toa. Maria Helena compara o barulho que foi ouvido na noite de segunda-feira ao de um vulcão. Tomada de pavor, não viu nada, não olhou para fora, mas descreve o que sentiu:

– Achei que era o fim do mundo.

Edson Tadeu dos Santos, 44 anos, também não viu o tornado. Ele estava fora da cidade quando tudo aconteceu e só viu na sexta-feira que a casa tinha caído.

Apesar da distância, Santos também passou um susto. Na Argentina, onde estava, o problema foi grande. De lá, viu o vento girando, sugando tudo o que estava à sua frente e, logo depois, arremessando ao chão tudo que estava pelo caminho.

Quem passou a fatídica segunda-feira na Linha Sede Flores, como a família Zimmermann, também não se esquece do que viu. Veleda Zimmermann, 45 anos, conta com a ajuda de familiares para tentar recuperar o que sobrou da casa. Até a pequena Eliane, oito anos, colabora na retirada da água acumulada entre os móveis.

Solidariedade em meio à destruição

Um filho e uma nora estão dormindo em um espaço improvisado no paiol para cuidar da propriedade, porque, segundo o que souberam, saques já estão acontecendo nos locais abandonados. Gilmar Kovaleski, 22 anos, filho de Veleda, divide sua percepção daquele dia:

– Pra mim foi o diabo e Deus brigando.

Se a briga aconteceu, para Adriane Siviero, 32 anos, foi Nossa Senhora de Fátima que salvou a casa da família. A imagem estava lá na segunda-feira e foi levada só na quinta-feira para a casa seguinte por Adriane e a filha Rafaela, de cinco anos. A residência teve apenas 13 telhas derrubadas, em uma área em que as casas foram completamente destruídas.

Para quem não teve a sorte de Adriane, a prioridade é fazer uma casinha e salvar a vida das vacas leiteiras. Leonir Asquidanini, 46 anos, conta com a solidariedade para tentar recuperar o que sobrou da propriedade. Darlan Lazarotto, 13 anos, foi um dos que se dispôs a ajudar.

Vivendo essencialmente da produção de leite, Lazarotto conseguiu encontrar, embaixo dos escombros, o motor movido a gasolina para fazer a ordenha mecanizada. Na quarta-feira, sem alternativa, fez o trabalho manualmente.

O produtor deve ir ao banco nos próximos dias. Ele vai tentar negociar o não-pagamento do financiamento que fez para melhorar as condições da propriedade.

– Tenho que começar do zero. Não tenho mais renda, minha renda era o leite, mas sem a luz para o resfriador, tenho de jogar o leite fora – explica.

A força de Lazarotto ainda não foi resgatada por Isair Francisco Carroci, 52 anos, de Linha Tigre. Ele fica paralisado na varanda da casa da família. Não consegue acreditar no que aconteceu e se emociona somente ao comentar que perdeu em minutos o que conquistou em tanto tempo de trabalho:

– Perdi o trabalho de uma vida inteira. Calculo em R$ 1 milhão o prejuízo.

A mulher, Neiva, 42 anos, é que vai aos dois aviários para acompanhar o trabalho de voluntários. Sobraram poucos dos 40 mil frangos alojados por lá. Os que ainda resistem, tentam se enfiar embaixo das lonas no chão para se abrigarem do frio. Nesta época do ano é necessário manter o aquecimento nos aviários, ou os animais morreriam com as baixas temperaturas.

Animais sobreviveram em meio aos escombros

A família também perdeu dois galpões, as 30 mil mudas de fumo, toda a cobertura da casa, uma vaca leiteira e até a imagem de Nossa Senhora Aparecida, que quebrou mesmo estando dentro de uma pequena gruta feita pela família. Apesar da tristeza, Neiva não hesita. Na quinta-feira cozinhou um risoto que serviria um batalhão e se empenhou para que todos comessem ali, como se fossem da mesma família.

Acostumada com a lida no campo, ela conta que tira leite de vacas desde os nove anos e ficou comovida com o sofrimento dos animais.

– Elas berravam com os úberes cheios, olhavam para mim, e as lágrimas escorriam dos olhos delas. Chorei junto com as vacas – recordou Neiva.

A tristeza em perder tudo é compensada pela felicidade de ter a família viva. Filha de 18 anos de Olimpio Carroci, 57 anos, Letícia viveu todo o problema com os pais. Teve um corte grande nas costas, levou 120 pontos e só recebeu alta do hospital na quinta-feira. Como não sobrou nada da casa, só Olimpio vai às terras da família para cuidar dos animais.

De cem galinhas, agora são pouco mais de 10. As mortas foram encontradas sem cabeça. Os porcos sobreviveram mesmo debaixo dos escombros, mas cinco cabeças de gado não resistiram – um boi para o trabalho, três vacas leiteiras e uma novilha.

Uma boa vaca de leite, de aproximadamente 200 quilos, vale R$ 2,5 mil. Em meio aos escombros da casa, do paiol e da estrebaria, Carroci seca as lágrimas quando lembra do ocorrido:

– Ajoelhei no chão pedindo que Deus deixasse minha família viva. Estou muito feliz que tenho minha família viva. Agora peço a Virgem Maria forças para trabalhar.

lilian.simioni@diario.com.brEste endereço de e-mail está sendo protegido de spam, você precisa de Javascript habilitado para vê-lo – LILIAN SIMIONI | Guaraciaba

Fonte: http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a2651480.xml&template=3898.dwt&edition=13103&section=846

Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa Eco&Ação, presidente do Instituto Eco&Ação e da Academia Livre das Água, e-mail: ana{at}ecoeacao.com.br, website: http://www.ecoeacao.com.br.

EcoDebate, 16/09/2009


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