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Agrocombustíveis: energia limpa? artigo de Carlos Lima

cana

Entre os dias 29 de agosto e 03 de setembro estou em Maputo, capital de Moçambique, atendendo a um convite feito pelo Transnational Instituto (TNI) uma entidade holandesa que vem realizado pesquisas a respeito da produção de energias renováveis na Alemanha, em Moçambique e no Brasil. Os estudos estão sendo apresentados durante um seminário internacional a respeito dos agrocombustíveis. Os agrocombustíveis aparecem como uma alternativa mágica em substituição aos combustíveis fósseis, em particular o petróleo. Este é o motivo que me fez escrever este breve artigo.

O continente europeu desde 2003 vem aprofundando de forma mais sistemática as saídas para a crise energética. O discurso ideológico utilizado como pano de fundo é uma preocupação generalizada com as mudanças climáticas ou aquecimento global, um discurso apropriado devido à inquietação pela qual passa parte da humanidade no que se refere ao futuro do planeta e das espécies.

Este argumento é uma tentativa de camuflar o motivo da corrida energética que é a manutenção do atual modelo de produção capitalista, onde para se manter em pé, necessita de mais energia. Com objetivo claro e metas estabelecidas, a Europa caminha a passos largos para uma política energética que prioriza os combustíveis renováveis, tendo como meta a utilização de 10% nos combustíveis consumidos nos estados membros até 2020, onde deve ser revista a cada dois anos. Os impactos negativos e as mazelas a que serão submetidas às famílias camponesas e as comunidades tradicionais afetam diretamente o direito a posse da terra nos países do Sul Subdesenvolvido, porém vem sendo ignorados.

Diante disso, surgem várias indagações. Tem sustentabilidade a produção de agrocombustíveis? Qual o custo social, econômico e ambiental na produção dos agrocombustíveis? Caso sejam estas as perguntas chaves posso afirmar, como alagoano, que é insustentável a produção de agrocombustível. Tenho esta convicção a partir da experiência que o estado de Alagoas foi submetido há mais de 400 anos na produção da cana de açúcar, matéria prima da produção de etanol. Temos o “privilégio” de viver em um extenso canavial de 410 mil hectares que corresponde a 64% da área agricultável do Estado.

O que construímos durante esses séculos de experiências na produção da cana de açúcar? A resposta foi dada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde afirma que 56% da população alagoana vive abaixo da linha de pobreza. Outro que contribuiu nesta resposta foi o economista e professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Cícero Péricles, que num estudo recente constatou que os programas federais, a exemplo do bolsa família distribuem mais renda que o setor sucroalcooleiro. São resultados científicos que devem ser considerados.

Historicamente, a atividade sucroalcooleira em Alagoas tem sido a geradora de profundos desrespeitos aos direitos humanos, os assalariados ganham cerca de R$ 4,00 por tonelada de cana cortada e trabalham em condições degradantes ou análogas a escravidão, além do roubo praticado na hora de medir ou pesar a quantidade de cana cortada ao final da jornada. Outro impacto negativo é contra o meio ambiente: em relação à destruição da mata atlântica – a qual foi reduzida a cerca de 3%; o envenenamento dos rios e lagoas com os resíduos (vinhoto) da cana de açúcar; e, por fim, o monocultivo colonial da cana se constituiu num obstáculo a implantação da reforma agrária. Como pode ser limpa uma energia que deixa um rastro de exploração do ser humano, a devastação da natureza e expulsa as famílias do campo? Os efeitos dos agrocombustíveis devem ser avaliados a partir de todo o ciclo de produção, e não unicamente “do cano de escape para fora”.

As propagandas oficiais e das grandes empresas impõem um pensamento, quase dogmático, no qual não existe salvação fora do canavial. O que não é verdade, basta olhar para o município de Arapiraca que repensou seu modelo de produção no campo, antes baseada no fumo, e tem diversificado a sua produção de alimentos e apostado na prática agroecológica. Atendendo uma necessidade interna na produção e consumo de alimentos.

Então temos que opinar entre produzir mais etanol para garantir o padrão de vida dos europeus e os lucros das grandes empresas ou alimentar os alagoanos, brasileiros, africanos e outros que sofrem com o mal da fome. Entre pôr alimentos nas mesas ou alimentar tanques de carros, fico com a primeira. E você?

Carlos Lima é Historiador e Coordenador Estadual da CPT/AL

Artigo publicado pela CPT/AL e reproduzido pelo EcoDebate, 08/09/2009

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