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Foz do Madeira no rio Amazonas está ameaçada pela construção das hidrelétricas, artigo de Telma Monteiro

Dunas de 2 a 4 metros de altura na foz do rio Madeira e que são fundamentais para o equilíbrio ecológico proporcionado pelos efeitos de remanso do rio Amazonas, poderão desaparecer com a construção das usinas Santo Antônio e Jirau.

[Ecodebate] A importância dos sedimentos transportados pelo rio Madeira está comprovada pela formação de um conjunto de dunas na sua foz, no rio Amazonas. A manutenção dessas dunas é essencial para controlar o remanso das águas do Amazonas nos períodos de cheia. Sem o aporte natural dos sedimentos carreado pelo rio Madeira, as características ecológicas da foz seriam alteradas e provocariam um desastre natural de proporções impensadas. O fenômeno do remanso das águas do rio Amazonas na foz do Madeira foi estudado e descrito na dissertação “Estudo da Geometria das Formas de Fundo no Curso Médio do Rio Amazonas” (2002) de autoria de Maximiliano Andrés Strasser.

Nesse estudo, Strasser descreve o efeito de remanso das águas do rio Amazonas que avançam até 400 km a montante no rio Madeira. Esse fenômeno se deve à diferença de 60 dias entre a ocorrência do pico da cheia anual do rio Madeira em relação à do Amazonas. O rio Madeira é o principal afluente do Amazonas e a areia média e grossa que é trazida dos rios Beni e Madre de Dios, nos Andes da Bolívia, fica depositada no seu leito ao longo do estirão de 230 km da foz.

Para o autor, conhecer a carga de arrasto (sedimentos arrastados pela correnteza no leito do rio), apesar dela ser menor em relação à carga total de sedimentos, é de enorme relevância para os estudos de navegação e sedimentação. Ele se reporta a um trabalho precursor, GIBBS (1967), que determinou a importância para a geoquímica do rio Amazonas dos sedimentos originados de montanha, especialmente da Cordilheira dos Andes no Peru e na Bolívia, onde nascem os rios Solimões e Madeira. Esse trabalho demonstra que 84 % dos sedimentos em suspensão têm origem naqueles ambientes.

Os estudos dos empreendedores ignoraram os impactos a jusante

O rio Madeira apresenta elevadas concentrações de sedimentos em suspensão durante a maior parte do ano, alcançando picos muito altos no período das cheias. Os estudos ambientais de responsabilidade de Furnas Centrais Elétricas e Construtora Norberto Odebrecht, analisados pelo IBAMA, não conseguiram demonstrar como seria possível manter a continuidade do fluxo de sedimentos e evitar os impactos a jusante que poderão provocar o desaparecimento das dunas da foz do Madeira no Amazonas.

Com a construção das hidrelétricas Jirau e Santo Antônio, grande quantidade desses sedimentos ficarão retidos nos reservatórios, conforme está descrito nos “Estudos Sedimentológicos do rio Madeira”, de maio de 2005, elaborado por Furnas.

No capítulo 6 desses estudos, “Modelagem Hidrossedimentológica do Rio Madeira”, o texto revela que ela [a modelagem hidrossedimentológica] foi feita “cobrindo todo o estirão fluvial entre a confluência com o rio Beni e a confluência com o rio Jamari. Trata-se de um trecho de 430 km de extensão, que se inicia a montante da área afetada pelo reservatório de Jirau, terminando a jusante de Porto Velho, cerca de 80 km do local previsto para implantação do AHE Santo Antônio.” Isso significa que os impactos pela alteração do fluxo físico e biótico não foram estudados para o trecho de jusante e que não se analisou as conseqüências dos barramentos na carga de sedimentos que chegam até a foz.

A retenção nos reservatórios de parte do material que naturalmente fluiria até o rio Amazonas poderá desencadear sérias modificações na dinâmica do rio e alterar substancialmente o seu leito e as suas características físico-químicas. Lamentavelmente, os estudos hidrossedimentológicos de Furnas sequer mencionaram Strasser ou a sua dissertação e, em alguns trechos, eles comprovam a deposição dos sedimentos nas áreas alagadas das usinas.

Em condição estabilizada, ou seja, a permanecer com a situação atual e natural, o estudo hidrossedimentológico que Furnas apresentou à Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) demonstra que em 50 anos de simulação e com a introdução das duas barragens, a capacidade de retenção de sedimento alcançaria 93%. Em condição crítica, ou seja, com o aumento já previsível dos sedimentos na bacia do rio Madeira à razão de 2% ao ano, essa retenção aumentaria para 97%, conclui o estudo.

O trecho estudado por Furnas, onde se situam os aproveitamentos, vai de Abunã até 80 km a jusante de Porto Velho, incluindo as cachoeiras do rio Madeira. Sem a construção das hidrelétricas ficariam retidos naturalmente 40% dos sedimentos transportados, mas com os barramentos essa taxa sobe para 84%. Ainda, segundo os estudos de Furnas, de 2005, “O remanso provocado pelo reservatório de Jirau acrescentará 12% à capacidade natural de retenção de sedimentos do trecho situado a montante de Abunã (trecho I).”

Os estudos de Furnas se referem a apenas 12% do material em suspensão, com granulometria maior, que se depositariam no fundo dos reservatórios; o restante (88%), com granulometria fina, permaneceria na superfície e seria escoado. Mas essa teoria pode ser facilmente contestada ao se considerar a perda da velocidade das águas pelo represamento, principalmente na época de seca, quando o material suspenso acabaria no fundo dos reservatórios. Os sedimentos finos deixariam de ser transportados naturalmente como quiseram fazer crer os empreendedores. Há uma contradição grave entre os dois estudos apresentados no processo de licenciamento ambiental.

No documento “Respostas às perguntas apresentadas pelo IBAMA no âmbito do processo de Licenciamento Ambiental do Complexo Madeira”, de 2007, gerado pelas informações técnicas N°s 17, 19 e 20 de 2007, do IBAMA, Furnas contraria completamente as conclusões sobre a retenção de sedimentos nos reservatórios, descrito nos “Estudos Sedimentológicos do Rio Madeira”, de 2005, aprovado pela ANEEL.

Prognósticos

Não houve, até o momento, uma avaliação das alterações provocadas pela construção dos aproveitamentos hidrelétricos do rio Madeira no aporte de sedimentos a jusante de Porto Velho, no estirão de aproximadamente 1000 km até a foz do rio Amazonas. As concentrações de sedimentos ocorridas naturalmente nesse trecho e que sofrerão modificações, acarretarão significativas mudanças nas condições fluviais nos períodos de cheias e de seca e causarão sérios danos à sinergia entre os rios Madeira e Amazonas.

Os empreendedores afirmaram, através do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), que o regime fluvial a jusante da hidrelétrica Santo Antônio não será alterado e que não haverá retenção de sedimentos nos reservatórios. Estabeleceram para as duas hidrelétricas condições de similaridade nas características dos reservatórios e concluíram que não haverá assoreamento.

Os estudos “Modelagem Hidrossedimentológica do Rio Madeira” elaborados em 2005, no entanto, concluem que as modificações impostas pela implantação das usinas levam a um comportamento sedimentológico alterado com o assoreamento dos reservatórios baseado na sua capacidade de retenção de sedimentos.

Conseqüências desconhecidas e ausentes dos estudos analisados pelo IBAMA, no processo de licenciamento das hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, poderão ser importantes ao meio ambiente. A falta de análise aprofundada da retenção, nos reservatórios, dos sedimentos que deveriam fluir para a foz do Madeira no rio Amazonas, poderá resultar numa hecatombe ambiental na Amazônia.

Telma D. Monteiro

Coordenadora
Energia e Infra-Estrutura Amazônia
Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé
www.kaninde.org.br

EcoDebate, 27/08/2009

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