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Artigo

Arbitrariedade, ilegalidade e relações matrimoniais marcam despejo de lavradores em Grajaú/MA, artigo de Zema Ribeiro

Denúncia: Lavradores são despejados de terra que fora dada em garantia ao Banco do Estado do Maranhão, comprado pelo Bradesco. Ação correu repleta de ilegalidades.

Após uma injeção de 333 milhões de reais para o saneamento de sua estrutura, a privatização do Banco do Estado do Maranhão (BEM), em fevereiro de 2004 – num dos governos de Roseana Sarney, hoje devolvida ao poder pelo Tribunal Superior Eleitoral –, deu ao Bradesco, comprador do banco público pela bagatela de 78 milhões de reais, também as garantias de dívidas de trabalhadores e trabalhadoras rurais – e de seus devedores em geral.

Em Grajaú/MA, distante 580km de São Luís, executando a dívida de um proprietário, o banco privado, que até o início do governo Jackson Lago (2007) detinha a folha de pagamento do funcionalismo público estadual procedeu a venda de uma área de 668ha ao senhor Glen Anderson Maia, casado com Ana Beatriz Jorge de Carvalho, juíza de direito em Senador La Roque/MA, que teve concedido um pedido de reintegração de posse da área por João Pereira Neto, juiz de direito da segunda comarca de Grajaú/MA, onde está localizado o povoado Lagoinha, a citada área litigiosa.

O juiz João Pereira Neto recebeu a ação de imissão de posse em favor de Glen, concedendo a tutela antecipada com o despejo em cinco dias. Depois, a assessoria jurídica do STR de Grajaú/MA ingressou no Tribunal com um agravo de instrumento, concedido pelo desembargador Antonio Guerreiro Jr. Glen Maia, em contra-ataque, entrou com um agravo regimental, o que levou à mudança da opinião do Tribunal. João Pereira Neto revogou a tutela antecipada após novo ingresso da assessoria jurídica do STR: os lavradores poderiam voltar a terra. Antonio Guerreiro Jr., após descobrir com quem Glen é casado – Ana Beatriz Jorge de Carvalho, juíza de direito em Senador La Roque/MA –, concedeu novo agravo, ordenando o despejo.

O jogo de estica-e-puxa e as mudanças de posição acabaram desfavoráveis às 20 famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais que ali viviam há mais de 20 anos. E no último dia 20 de maio, o despejo aconteceu de forma espantosamente acelerada: os lavradores tiveram apenas quatro dias para retirar seus pertences da área (alguns não conseguiram). No quinto dia, com a polícia local em carros particulares alugados por Glen Anderson Maia, além do seu próprio, foi realizado o despejo, sem que o INCRA concluísse a vistoria para o processo de desapropriação.

SELETIVIDADE PARA CELERIDADE – “Quando os pobres são acusadores, a justiça é lenta; quando são réus, justa ou injustamente, como é o caso, processos tramitam numa velocidade espantosa”. A afirmação é de Silvia Cristiane Pessoa, advogada do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Grajaú/MA, que havia impetrado um interdito proibitório tentando impedir o despejo dos, por direito, verdadeiros donos da área. Em vão: a ação de reintegração de posse tramitou mais rapidamente.

João Pereira Neto, também juiz em Grajaú, em vez de tomar uma decisão favorável às famílias despejadas, apenas lhes aconselhou acampar em frente ao Tribunal de Justiça, na capital maranhense, como forma de sensibilizar os meios de comunicação, a sociedade e, talvez, juízes – como o que dá o conselho. Quem conta são os quatro lavradores que visitaram a Cáritas Brasileira Regional Maranhão na tarde da última quarta-feira (1º.).

A Comissão Pastoral da Terra (CPT), organismo da Igreja Católica que costuma acompanhar conflitos fundiários e similares informou que há uma recomendação, no contrato de compra e venda, firmado entre o Banco Bradesco e Glen Anderson Maia, de que pelo menos metade da área, ou seja, 334ha, sejam preservados. Atualmente, a área total está quase completamente destruída: as residências dos despejados, suas plantações e pequenos pastos, além da mata nativa até então preservada. Os lavradores despejados afirmam que a área será destinada ao plantio de eucalipto e à produção de carvão: “já há inclusive fornos instalados”, afirmaram. A área é beneficiada pelo Luz Para Todos – programa do Governo Federal cujo uso político no interior do Maranhão foi denunciado pelo então juiz Jorge Moreno, hoje aposentado compulsoriamente – e sua compra pelo programa Cédula da Terra, pelos lavradores agora despejados, não se concretizou.

Outro lavrador, de 38 anos, crescido na área, pai de três filhos, hoje encontra-se na sede, vivendo de bicos – carregar caminhões com pedras é um deles – e passando fome. Sua mulher entrou em estado de choque e está tomando remédios para os nervos. A crise afetou um cisto no útero e ela precisou viajar para Teresina, capital do vizinho estado do Piauí, para tratamento. Capangas impedem a passagem do carro que levava a prole dos trabalhadores rurais à escola, em Vargem Bonita, também em Grajaú. Resultado: sete crianças outrora residentes em Lagoinha estão com o ano letivo perdido e já não fazem jus a programas do Governo Federal, como o Bolsa Família e o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil).

A velocidade em que tramitou o processo, o ínfimo prazo dado aos despejados e a inobservância de normais legais quando da efetivação do despejo são assustadores. Até agora, pelo pretenso proprietário da área, só foram pagos os 20% referentes à entrada do imóvel, o que significa dizer que a terra ainda não lhe pertence.

*ZEMA RIBEIRO é assessor de comunicação da Cáritas Brasileira Regional Maranhão.

Artigo publicado no Tribunal Popular do Judiciário e enviado por Mayron Régis, colaborador e articulista do Ecodebate.

[EcoDebate, 07/07/2009]

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