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Brasil: Território livre para os transgênicos?

País perde controle dos transgênicos. ‘Plante-se ilegalmente que depois o governo aprova’

A primeira safra de milho geneticamente modificado no Brasil ampliará o descontrole do país em relação ao controverso uso desse tipo de produto na indústria de alimentos. Além de já representar uma ameaça de contaminação a produtores de variedades não transgênicas, o milho transgênico deverá contaminar milhões de toneladas do grão convencional devido à decisão dos produtores de não separar os dois tipos de cultivo.

A Lei de Biossegurança não exige a separação da produção, mas é clara ao exigir a fiscalização de todos esses processos, o que não ocorre.

Uma parte importante dos 17,4 milhões de toneladas da produção prevista do milho safrinha terá a tecnologia Bt (sigla para Bacillus thuriengensis), pela qual um gene não existente na planta é inserido no DNA de algumas variedades de milho. A missão dessa proteína é criar toxinas inseticidas que matam três tipos de lagarta quando elas ingerem qualquer parte da planta. Para os produtores, a tecnologia promete reduzir o número de aplicações de veneno nas lavouras.

Mas a grande preocupação do campo agora nem é exatamente o volume de produção de milho Bt, mas sim os riscos sobre os milhões de toneladas que não são geneticamente modificadas e que vão entrar na cadeia de produção de alimentos nas próximas semanas.

Os agricultores informam que a separação entre OGM (organismo geneticamente modificado) e não OGM será mínima. Procuradas, grandes indústrias consumidoras de grãos utilizados na produção de ração para frangos e suínos, como as gigantes Sadia e Perdigão, prometem manter políticas de aquisição de não OGMs. Como o farão não informaram.

Segundo o engenheiro agrônomo Marcelo Silva, fiscal do Departamento de Fiscalização e da Defesa Agropecuária da Seab, há fortes indícios de que o afastamento exigido hoje não é suficiente para assegurar a coexistência com a tecnologia transgênica sem que ela contamine plantios convencionais ou orgânicos por polinização.

O assunto é polêmico, envolve risco de perda de contratos (o que já ocorreu com produtores de soja) e até o direito de produtores que não queiram adotar a tecnologia de companhias multinacionais de biotecnologia, como Monsanto, Syngenta, Bayer e outras.

O Nead (Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural), ligado ao gabinete do MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário), acaba de finalizar um relatório em que pede à CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) a revisão imediata das regras de plantio de variedades transgênicas de milho autorizadas em todo o país. O relatório é categórico em afirmar que, pelas regras atuais de espaçamento, é impossível evitar a contaminação de lavouras de milho convencionais e orgânicas por material genético de plantas modificadas.

Pela resolução em vigor, lavouras transgênicas de milho, quando vizinhas de plantios convencionais ou orgânicos, devem respeitar a distância de 100 metros, ou, de forma “alternativa”, 20 metros com uma bordadura de milho não OGM. A CTNBio, com base em pesquisas, afirma que a bruma de pólen de uma planta não viaja mais do que dez metros – portanto não irá contaminar plantios de milho convencional.

A CTNBio refuta o relatório desenvolvido pelo núcleo de estudos do MDA e reconhece que o assunto divide os membros do governo Lula. “O governo é ambíguo acerca do uso da tecnologia da transgenia no Brasil. Os ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e da Ciência e Tecnologia apoiam os eventos transgênicos e refutam o relatório do MDA. Do ponto de vista científico, [o relatório] não se sustenta”, diz Jairon do Nascimento, secretário-executivo da comissão.

O mesmo milho transgênico autorizado no Brasil foi proibido na Alemanha O milho Bt Mon 810, tecnologia de propriedade da multinacional Monsanto, teve a autorização de cultivo revogada recentemente na Alemanha. Esse foi o sexto país da União Europeia, região que já havia aprovado o uso da tecnologia, a revogar a autorização para o plantio. Além de proibido em solo alemão, a autorização para o cultivo também foi suspensa em Luxemburgo, Hungria, Áustria, Grécia e França. O milho vetado pelo governo alemão possui o mesmo gene inserido no DNA de variedades de milho cultivado neste momento no Brasil. Em algumas regiões do Paraná, o plantio de milho com a tecnologia atingiu 40% da área plantada.

O biólogo francês Gilles Ferment em entrevista especial ao sítio do IHU, destaca que diante da extensa discussão sobre o impacto dos produtos transgênicos sobre a nossa saúde e desenvolvimento, seis países europeus utilizam uma cláusula de segurança na lei que libera a produção e consumo de alimentos geneticamente modificados e proíbe o plantio do milho MON 810. Uma decisão que aumenta o debate em torno dos transgênicos e convida a todos a repensarem a expansão desses alimentos e, principalmente, as políticas que tratam da nossa segurança alimentar. “Considerando que a Europa é um grande importador transgênico, a proibição de plantações vai causar irá causar um impacto grande nos países exportadores, como Estados Unidos, Argentina, Canadá e Brasil. Aliás, esse é o impacto mais importante da proibição do milho na Europa”, consta o biólogo.

‘Plante-se ilegalmente que depois o governo aprova’

Na realidade a liberação do milho transgênico foi uma conquista da pressão de ruralistas. Entre 2003 e 2004, as lavouras de soja transgênica no Brasil se expandiram de 3 milhões para 5 milhões de hectares, segundo o Serviço Internacional de Aquisição de Aplicações de Biotecnologia Agrícola. Na esteira da soja vieram outras sementes.

Na briga pela liberação dos transgênicos, os ruralistas contaram com dois importantes aliados, o ministro da Agricultura Reinhold Stephanes e, o ministro da Ciência e Tecnologia Sérgio Rezende. Os dois além de serem defensores do agronegócio, estão muito próximos das grandes multinacionais da área da biotecnologia.

Em conjuntura anterior, analisávamos que a estratégia do agronegócio foi formulada tempos atrás pelo ministro da Agricultura Reinhold Stephanes ao dizer que o milho vai pelo mesmo caminho das variedades de soja e algodão geneticamente modificadas cuja comercialização é autorizada do país: “elas foram liberadas apenas depois de constatado o cultivo ilegal”. A ‘senha’ do ministro é clara, ‘plante-se ilegalmente que depois o governo aprova’.

Numa videoconferência no início de 2008, o diretor-presidente da Monsanto, Hugh Grant, disse que “a necessidade por grandes plantações em fileiras (milho, soja e trigo) é a maior de todos os tempos”. O mercado do continente sul-americano hegemonizado pela Monsanto fez com que a mesma desdenhasse a proibição do milho transgênico na França. A multinacional americana negando-se a comentar a decisão francesa, destacou que o “seu eixo de desenvolvimento é o Brasil. A Europa é somente uma gota de água”.

Conjuntura da Semana. Uma leitura das ‘Notícias do Dia’ do IHU de 06 a 19 de maio de 2009

(Ecodebate, 22/05/2009) publicado pelo IHU On-line, 19/05/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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