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Artigo

Produtividade agrícola x conservação ambiental, artigo de Osvaldo Ferreira Valente

[EcoDebate] Está ficando muito comum a afirmação, correta sob o ponto de vista apenas da produtividade no campo, de que é possível aumentar a oferta de alimentos sem a necessidade de ampliação das áreas utilizadas na agropecuária. Isso como justificativa para conservação do meio ambiente, ou mais precisamente, para manter as atuais exigências do Código Florestal. Mas será que tal providência é realmente capaz de trazer só benéficos para o meio ambiente? Quais os riscos que poderão advir da aplicação do conceito?

Gostaria de deixar claro, em primeiro lugar, que eu só acredito em conservação ambiental com a utilização de tecnologias apropriadas a cada caso específico. Nada de proibição pura e simples; nada de receitas de bolo. Também deixar claro que os problemas ambientais decorrem, em primeiro lugar, da pressão causada pelo aumento populacional e, em segundo lugar, do aumento das exigências individuais de consumo. À medida que o poder aquisitivo da população aumenta, o que toda sociedade deseja e procura conseguir, aumenta, também, a pressão sobre os recursos naturais. Daí vem a insustentabilidade, já bem clara nos dias atuais. E fico imaginando o futuro, se tecnologias novas não forem capazes de dar outros rumos aos comportamentos de hoje.

Fiquei, há poucos dias, parado por alguns minutos numa esquina movimentada de Belo Horizonte e comecei a observar os carros que passavam. Na grande maioria, levavam um único ocupante. Tinha visto uma reportagem sobre isso e resolvi conferir. E muitos daqueles enormes utilitários (chamados SUVs). São mais de mil ou dois mil quilos de peso do carro para transportar alguém de 60- 80 quilos. E com um motor de combustão interna, de baixíssimo rendimento energético. E as pessoas continuam comprando carros (o segundo, o terceiro ou o quarto da família, para que cada um possa andar sozinho) e o governo incentivando e cortando impostos. Em favor do emprego e da renda, tudo bem, mas também em favor da poluição e do consumo insustentável de recursos naturais.

Mas voltemos ao problema da produtividade agrícola. Ela só poderá ser conseguida, atualmente, com o emprego de algumas tecnologias, isoladas ou em conjunto, tais como: 1) Uso de variedades transgênicas; 2) Uso de adubação pesada; 3) Uso de agrotóxicos; e 4) Manejo intensivo de áreas. Já deu para o leitor perceber o tamanho dos problemas que podemos ter com as altas produtividades? Nada se consegue de graça, pois a natureza é um complexo que reage a qualquer intervenção. Essa realidade jamais poderá ser esquecida. Mesmo a recuperação de áreas degradadas, com as respectivas inclusões no processo produtivo, só poderá ser feita com procedimentos de risco. O ambientalismo é, em princípio, contra o emprego de quaisquer dos quatro itens citados. E mais, o ambientalismo prega o uso da agricultura orgânica, por exemplo, de menor produtividade reconhecida, o que acarretaria a demanda de maiores áreas de cultivo. Como resolver as incongruências? Com a busca de novas tecnologias? Acho que a solução passa por respostas à última pergunta. Mas tecnologias para um espectro muito mais amplo, começando pelos parâmetros de consumo. Não dá mais para o campo buscar eficiência de produção se o meio urbano continua a desperdiçar e a demandar cada vez mais produtos. Não dá mais para criticarmos a ampliação das áreas de plantio de cana se continuamos a consumir cada vez mais álcool nas cidades, em carros pouco eficientes, transportando mais pesos de máquinas do que gente. Se os restaurantes exageram nas quantidades das variedades oferecidas nos pratos para cobrarem mais, mesmo sabendo que boa parte delas vão acabar no lixo. Se as construções são erguidas com apelos predominantemente estéticos, sem preocupações ambientais e repletas de ar condicionado. Não adianta nada aquela vigília no Congresso Nacional, comandada por pessoas que não abrem mão de uma parafernália elétrica e eletrônica em suas luxuosas casas. Que foram para os aeroportos em carrões consumidores. Lá já estavam parlamentares vestidos com roupas inadequadas para um país tropical (ainda que as gravatas fossem verdes) e que, por isso, dependem de amplos ambientes refrigerados.

As Ongs e as pessoas interessadas em conservação ambiental precisam mudar um pouco o foco de suas preocupações atuais. Vou listar, apenas como exemplo, algumas sugestões que produziriam melhores resultados:

1)Campanhas e indicações de tecnologias apropriadas à economia de energia, incluindo a condenação dos altos consumos de combustíveis, a pressão pelo desenvolvimento de motores de melhores rendimentos e mais “limpos”, o uso da energia solar e eólica, a diminuição do uso de equipamentos elétricos e eletrônicos de altas potências, dentre várias outras de teores semelhantes. Indicar tecnologias disponíveis, incentivar os usos delas e apoiar o desenvolvimento de novas;

2)Combate ao desperdício de alimentos, pois não haverá produtividade pecuária capaz de sustentar tais exageros. As pastagens vão acabar tendo de avançar sobre áreas novas. De nada adianta brigarmos contra a expansão da pecuária se acabamos de deixar um bom pedaço de carne no prato, pelo exagero do bife;

3)A luta pelo fornecimento de combustíveis mais limpos, evitando o lançamento da fuligem que provoca doenças e é responsável por grande parte do lançamento de carbono na atmosfera. A Petrobras vem enrolando esse assunto há tempos e sempre consegue mais um adiamento. O Ministro do Meio Ambiente, que tem esbravejado contra desmatamentos, agiu como um cordeiro no caso do diesel sujo. A titular anterior da pasta também deixou o assunto correr solto e não adotou nenhuma providência para cumprimento de prazos estabelecidos. As fábricas produzem, aqui, motores mais eficientes nesse aspecto, mas para exportação. Estão tendo mais lucro, tanto Petrobras quanto fábricas de carros, às custas de inúmeras vidas de brasileiros. Onde estão as Ongs? Poucas estão efetivamente lutando contra esses desrespeitos, pois estão com todos os olhares voltados somente para o que acontece no meio rural e na Amazônia, o que não é justo;

Tudo isso poderá parecer bobagem para quem procura os holofotes internacionais da proteção da Amazônia. Mas se vamos continuar aumentando o consumo, os aumentos de produtividades, mesmo com os riscos inerentes à intensividade, não serão suficientes para evitar o esgotamento de nossos recursos naturais. E se um determinado grupo social não aceitar mudanças, por não querer abrir mão de confortos insustentáveis, então que não fique jogando a culpa nos outros, exigindo atitudes alheias e cobrando providências em cima de quem, na maioria das vezes, tem muito menos para oferecer.

Ao reler o que tinha escrito até aqui, parei um pouco para pensar e imaginei a hipótese de o leitor achar que não passo de um sonhador, que estou por fora das atitudes que fazem sucesso, que não entendo nada de movimentos sociais, que não estou engajado nos modismos do momento, como a preservação da Amazônia, ou até que sou defensor dos inimigos da floresta. Tudo bem, pelo menos os pensamentos ainda são inteiramente democráticos. Mas decidi que vou continuar pregando soluções viáveis, buscando alternativas tecnológicas para minimizar os impactos ambientais e sempre com a certeza de que não adianta nada lutar só pelas intocabilidades (preservações permanentes). Eu acredito, até por formação científica e técnica, no manejo racional dos recursos naturais. Aprendi, desde a época de estudante de engenharia florestal, em princípios da década de 1960, que esse manejo é possível. E olhe que esse conceito veio de professores europeus, que vieram participar da implantação da nossa primeira escola de florestas .

Não tenho nada contra a floresta amazônica, nem contra outras reservas ecológicas. Muito pelo contrário, sou ligado a elas por formação profissional. Apenas tenho convicção plena de que se não houver uma colaboração intensiva dos urbanos, a floresta poderá até ficar lá e, mesmo que consigamos cercá-la de arame farpado, vamos todos continuar sofrendo por cá, ainda que esnobando consumos insustentáveis e tendo falsas impressões de conforto.

Osvaldo Ferreira Valente é engenheiro florestal, especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas e professor titular, aposentado, da Universidade Federal de Viçosa (UFV); colaborador e articulista do EcoDebate ovalente{at}tdnet.com.br

[EcoDebate, 19/05/2009]

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