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Artigo

Os transgênicos e a razão política, artigo de Mauro Santayana

milho transgênico
Imagem: Greenpeace

[Gazeta Mercantil] A Alemanha decidiu, ontem, seguindo a Áustria, a França, a Hungria, a Grécia e Luxemburgo, proibir o cultivo do milho transgênico da variedade MON810, produzido pela Monsanto. A medida contraria a Comissão Européia, que se empenhara antes em pressionar a Áustria e a Hungria a rever a proibição. No México, o país de maior consumo humano do milho, os transgênicos já foram vetados.

É significativo que a Alemanha assuma o combate a uma das variedades transgênicas, porque o país sempre esteve na vanguarda das experiências bioquímicas. Se, como assegura a ministra Ilse Aigner, a decisão é técnica, e não política, podemos ter a esperança de que o bom senso prevaleça na discussão do tema.

Seria insensato deixar de pesquisar as combinações genéticas. Elas sempre existiram na natureza, em processos aleatórios naturais, o que explica a evolução das espécies, no decorrer de milênios ou de milênios de milênios. Uma coisa seria a aceleração desse processo, mediante a ciência; outra é a introdução na gênese da planta de vetores estranhos, portadores de elementos também a ela estranhos, a fim de torná-la resistente a herbicidas produzidos pela mesma indústria que altera as sementes. Além do desequilíbrio da biodiversidade, com o extermínio de todas as plantas naturais na terra atingida, os agrotóxicos envenenam o solo, as águas e os homens.

O que assusta, nestas experiências, é o fato de que elas se fazem sobretudo por empresas capitalistas, com objetivos apenas de altos lucros. Não há nelas nenhum objetivo altruísta, como a de matar a fome do mundo. A indústria química se desenvolveu, no século 19, a partir da Bayer, fundada em 1863, em Wupertal e instalada depois em Leverkusen. Sua pretensão sempre foi a de se tornar um sucedâneo lucrativo da natureza. Talvez não haja ambição de poder maior do que o da bioquímica aplicada, porque ela o disputa com as leis do universo. O que aterroriza no desempenho da indústria bioquímica é a sua associação ao poder político. A Bayer, como sabem todos os historiadores do século passado, foi a cabeça do consórcio IG-Farben, sustentáculo e xifópago do nacional-socialismo. Sua principal concorrente é a Monsanto, cuja história não é muito diferente. Foi fundada em 1901, em St.Louis, nos Estados Unidos, para produzir inicialmente sacarina e cafeína. Entre outros crimes de que foi cúmplice, a Monsanto produziu o agente laranja (composto de dois herbicidas, o 2,4D e o 2,4,5-T), cujos efeitos sobre os seres humanos no Vietnã perduram até hoje, com o nascimento de crianças com os órgãos genitais no rosto, sem pernas, sem olhos. Tanto para a Bayer, quanto para a Monsanto – e empresas menores – o cultivo dos transgênicos só tem um objetivo, o de produzir grandes lucros, com as sementes e os agrotóxicos. A experiência demonstra que, a cada geração de cultivares transgênicos, cresce o volume do herbicida aplicado na terra, para obter o mesmo resultado.

No próximo dia 18, a Comissão Nacional de Biotecnologia deverá se reunir, com o propósito, já decidido, de liberar o cultivo de 50 variedades transgênicas. Seu presidente é o médico Walter Colli, que se identifica como “um cientista de muita reputação”, e confirma, orgulhoso, ser “muito respeitado” conforme declarou ao Estado de S. Paulo. A Comissão, sponte sua, mas com o apoio do Parlamento, movido pelo agronegócio, mudou o quorum de deliberação, de dois terços para maioria simples, a fim de permitir o cultivo de transgênicos, sobretudo do milho Liberty Link, da Bayer, rejeitado em 2006. O senhor Colli tanto se esmera na “modéstia” com que se apresenta quanto na arrogância com que ameaça as organizações defensoras do meio-ambiente, interessadas – conforme admite a lei – em assistir às deliberações do órgão. Para impedi-las disso, ele suspendeu a última reunião da entidade e ameaça suspender a próxima.

O presidente Lula está empenhado em lutar contra a praga do sistema financeiro internacional e em conter a ganância dos juros altos. Os danos do sistema financeiro podem ser revertidos mediante a forte intervenção do Estado e o controle monetário, mas a violação dos códigos da natureza será irreparável. É preciso que se coloque a coleira da razão sobre os ilustres cientistas que participam da Comissão Nacional de Biossegurança. O povo brasileiro deve ser ouvido., Só ele tem legitimidade para tratar de um assunto de tal seriedade, que coloca em risco a vida de todos. Um plebiscito não seria demasiado.

* Artigo originalmente publicado na Gazeta Mercantil, 15/04/2009.

[EcoDebate, 16/04/2009]

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