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Comunidades do Peru procuram preservar reservatório natural de água

A única rodovia pavimentada que corta a Cordilheira Escalera, no Peru, está repleta de engenheiros de vestes alaranjadas, que constroem barreiras para conter um fluxo excessivo de água. A rota que passa pelas montanhas está sob risco constante de deslizamentos de terra devido à água, que parecer vir de toda parte – pingando de folhas enormes após enxurradas súbitas, fluindo para os rios coloridos pela terra vermelha e despencando de cascatas do tamanho de edifícios.

A flora e a fauna na região são abundantes, mas o que o mais importante tribunal do país começou a rever recentemente foram os direitos ao sistema aquífero do lugar. Embora a área faça parte de uma concessão territorial do tamanho de Porto Rico, à qual têm direito conjuntamente a Talisman, do Canadá, a Petrobras, do Brasil, e a Repsol, da Espanha, dois advogados da cidade vizinha de Tarapoto argumentam que as reservas naturais da região jamais deveriam ser exploradas. Matéria de Naomi Mapstone, do Financial Times.

Jaime Bustamente e Octavio Alvarado ângulo chamam a área de um “banco de água” – fonte das bacias de Cumbaza, Caynarachi e Shanusi, e a única fonte de água para mais de 280 mil pessoas que moram em pequenas comunidades espalhadas ao longo das áreas fronteiriças à reserva. Eles argumentam que qualquer acidente que afete esse sistema aquífero seria catastrófico.

No mês passado, o supremo tribunal, que tem sete membros, concedeu a eles uma vitória surpreendente, e por 4 votos a 3 decidiu suspender todas as explorações na reserva que estão sujeitas a um “plano mestre” ambiental elaborado pela autoridade regional da província de San Martín.

“A fase final da exploração e a fase de produção estão proibidas”, determinou o tribunal, referindo-se à reserva de 8.700 quilômetros quadrados que consiste de uma faixa que passa pelo centro do território concedido às empresas para a exploração mineral, e que representa cerca de um sexto da área total. “Nunca vimos uma decisão como esta no Peru”, diz Bustamente, que está de volta em Tarapoto. “É um precedente importante. O tribunal determinou que não se pode privilegiar a exploração imediata de recursos naturais, especialmente a água, em detrimento da vida de futuras gerações”.

No Peru, país no qual há um clima amigável para os investimentos, e onde a Amazonwatch calcula que mais de 70% da região amazônica já integram concessões territoriais a empresas para a exploração de petróleo e gás, a decisão do judiciário criou uma onda de inquietação. Alguns membros da comunidade empresarial temem que a decisão do tribunal confira um poder excessivo às autoridades regionais para que essas intervenham na exploração de recursos de áreas que foram concedidas a interesses empresariais estrangeiros e peruanos.

Giovanni Priori, especialista em direito constitucional de Lima, diz que o significado do caso reside no fato de o tribunal ter enfatizado a necessidade de prevenir os danos ao meio ambiente, em vez de privilegiar as indenizações por estragos potencialmente irreversíveis.

Após anos sucessivos de crescimento similar ao da China, o Peru está sendo identificado pelos analistas como o único país da América Latina que provavelmente escapará de uma recessão em 2009, e é visto como uma espécie de oásis para os investidores nos Andes, onde os governos da Venezuela, do Equador e da Bolívia nacionalizaram setores da indústria, expulsaram as companhias estrangeira e fazem pressões no sentido de ficarem com uma parcela maior dos lucros.

Porém, o Peru ainda enfrenta obstáculos significativos neste momento em que o desaquecimento econômico global e a queda dos preços das commodities persistem, e o presidente Alan Garcia, que no seu primeiro mandato, na década de 1980, enfrentou a hiperinflação, a recessão e um conflito sangrento com o grupo maoísta Sendero Luminoso, é agora um ardente defensor dos livres mercados, que dificilmente admitiria qualquer mácula na reputação do país como abrigo amigável para os investimentos estrangeiros.

Em Lima, longe dos tomadores de decisão, Victor Raul Salas, um homem espirituoso que usa camisas e calças formais, é o diretor de uma das comunidades que obtém água diretamente da reserva.

“Nós somos os zeladores desta terra. Nós moramos aqui e tomamos conta dela”, afirma Salas. “A água é um elemento vital. Sabemos que a água é mais valiosa do que o petróleo e o ouro. Temos que cuidar da água nas montanhas. Sabemos que eles estão procurando petróleo e estamos esperando para ver se há petróleo lá. Temos muitas perguntas a fazer às autoridades”.

Phoebe Buckland, porta-voz da Talisman, que conta com o controle operacional sobre a concessão, diz que a companhia “não fez nenhum trabalho preparatório ou exploratório no Lote 103, e atualmente não conta com planos para nenhum lote”. Ela diz que a Talisman adquiriu a sua fatia do Lote 103 como parte de um acordo para obter o controle operacional sobre o vizinho Lote 63, onde a empresa recentemente fez a primeira descoberta significativa de petróleo leve no Peru em quase duas décadas.

Ela informa que a companhia está aguardando a versão final do plano ambiental mestre de San Martín, que depende da aprovação governamental.

César Villanueva, presidente da autoridade regional de San Martín, está convicto de que o plano mestre não será modificado, por mais que ele aprecie os investimentos na região. “Temos que defender a vida e o direito de acesso à água”.

Tradução: UOL

Matéria [Peruvians try to maintain flow of ‘water bank’] do Financial Times, no UOL Notícias, 14/04/2008.

[EcoDebate, 15/04/2009]

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