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Estudo mostra que avanço social não reduziu desemprego nas classes C e D

Foto: Antoninho Perri
Ofertas de empregos afixadas no centro de Campinas: estudo aponta que as regiões metropolitanas, que experimentaram avanço no nível de emprego no período de 2004 a 2007, serão agora as mais afetadas pela crise financeira global. (Foto: Antoninho Perri)

Taxa de desocupados não sofreu grande alteração nos estratos sociais inferiores, revela pesquisa do Instituto de Economia (IE) da Unicamp.

O avanço da estrutura social brasileira no período de 2004 a 2007, que beneficiou principalmente as famílias que viviam na miséria ou na pobreza, não foi suficiente para reduzir o desemprego entre os indivíduos pertencentes à baixa classe média, também chamada de classe C, e à massa trabalhadora, denominada de classe D. A constatação é do mais novo estudo produzido pelo professor Waldir Quadros, do Instituto de Economia (IE) da Unicamp. De acordo com ele, que se valeu de dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad) de 2007, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), perto de dois terços dos desocupados estão divididos entre os dois estratos sociais. “Além de inesperado, esse quadro demonstra que vamos enfrentar um cenário de crise em condições desfavoráveis, o que aponta para o provável agravamento da vulnerabilidade social no país”, adverte. A íntegra da pesquisa pode ser acessada no site do IE, no item “Textos de Discussão – TD-156”.

O estudo em questão é o desdobramento de outro desenvolvido pelo próprio Waldir Quadros, tornado público em novembro passado pelo Jornal da Unicamp. Naquela oportunidade, o economista apontava para a melhoria da estrutura social brasileira entre os anos de 2004 e 2007. Segundo ele, um número significativo de pessoas trocou, no período considerado, a condição de miséria pela de pobreza ou deixou a situação de pobreza para se inserir na baixa classe média. “Se me perguntassem naquela ocasião qual o principal motivo desse avanço, eu teria dito instintivamente que era a redução do desemprego entre as famílias situadas na base da pirâmide social. Entretanto, ao olhar mais atentamente para a questão do desemprego, foi possível constatar que a taxa de desocupados não sofreu grande alteração nos estratos sociais inferiores, embora estes tenham experimentando alguma ascensão social”, explica.

Dito de outro modo, a melhora da estrutura social não foi suficiente para reduzir o estoque de desemprego no país. A permanência do problema numa fase marcada pelo crescimento econômico, destaca o docente da Unicamp, oferece um indício do que o Brasil deverá enfrentar nos próximos meses. “Se o país não foi capaz de combater o desemprego durante um período favorável, tudo indica que terá mais dificuldade em fazê-lo em um momento de crise, cuja profundidade e extensão ainda permanecem desconhecidas. Para fazer uma analogia com o futebol, nós estamos entrando nesse jogo com um pé manco”, compara o economista. A sensação de melhora nos níveis de emprego, presente até a conclusão do estudo atual, pode ser explicada, conforme Waldir Quadros, por conta das especificidades regionais.

Ele esclarece que durante a fase de crescimento econômico o desemprego caiu mais significativamente nas regiões metropolitanas, daí a impressão de melhora geral. “No entanto, fora das regiões metropolitanas, incluindo os estados do Norte e Nordeste, essa queda foi muito discreta. A tendência agora é que as localidades que experimentaram certo avanço no nível de emprego no período de 2004 a 2007 sejam as mais afetadas pela crise. O mesmo vale para a estrutura social. A baixa classe média e a classe trabalhadora, que colheram alguns frutos recentemente, são as mesmas que já abrigam cerca de dois terços dos desocupados do país”, detalha Waldir Quadros. Diante desse panorama, continua o economista, os brasileiros, sobretudo os mais pobres, correm o risco regredir socialmente. “A questão mais inquietante que fica é a seguinte: se esse quadro se confirmar, como a população vai reagir a essa situação?”, indaga.

Na opinião do docente da Unicamp, as dificuldades que se anunciam podem ser minimizadas, mas para isso será preciso uma mudança de postura fundamentalmente por parte do governo federal. Waldir Quadros defende a ideia de que não é possível continuar usando armas antigas, formuladas em um determinado contexto, para enfrentar um inimigo novo, numa conjuntura completamente diferente. “No Palácio do Planalto e adjacências, até há poucos dias era proibido pensar ou falar em redução do superávit primário para ampliar o gasto público. Isso era considerado um pecado capital. Antes da crise esta postura já era questionável. Entretanto, penso que o momento atual pede exatamente o contrário, ou seja, que o governo promova uma redução tanto do superávit quanto das taxas de juros e aumente os gastos públicos, com a devida responsabilidade, de modo a fomentar programas emergenciais de apoio às empresas e à geração de empregos. É isso o que estão fazendo os países centrais, notadamente os Estados Unidos. Aqui, infelizmente, essas medidas continuam sendo vistas como dogmas”, lamenta.

O professor Waldir Quadros, Foto: Antoninho Perri
O professor Waldir Quadros, autor do estudo: “Governo precisa fomentar programas emergenciais de apoio às empresas e à geração de empregos”. (Foto: Antoninho Perri)

“Entretanto, como disse anteriormente, temo que o tempo de uma abordagem avançada que proteja o nível de atividade econômica e o emprego esteja se esgotando ou mesmo já tenha sido ultrapassado. E, mantendo a retórica futebolista, quem não faz gol, toma. Em poucas palavras, a queda da arrecadação decorrente da retração econômica já começou, com indicações de que será bastante séria. Com isso, os graus de liberdade para a ação anticíclica se estreitam enormemente, inclusive reduzindo o superávit”. Na opinião do docente, a inércia pode colocar o governo na parede, sendo levado a adotar a abordagem conservadora de manter o equilíbrio por meio de cortes nos gastos públicos e lançar mão da redução da atividade econômica para evitar déficits comerciais externos. “O que seria uma tragédia em termos sociais, entre outras coisas provocando uma brusca deterioração na estrutura social, anulando as conquistas recentes”.

Essa falha de percepção do governo federal, como classifica o economista, é compartilhada também pela oposição conservadora, que não admite expansão do gasto público com redução dos recursos destinados a manter os ganhos dos rentistas. Ambos parecem ter adotado a premissa de deixar as principais decisões para 2010, quando o país elegerá o futuro presidente da República. “Os adeptos dessa posição estão se esquecendo de que precisaremos sobreviver até 2010. Deixar tudo para depois pode ser um equívoco grave. Pessoalmente, temo que o nosso tempo de resposta à crise já esteja se esgotando”, reflete. Algumas ações emergenciais, insiste o economista, não demandariam grandes planejamentos e estudos. “A questão do seguro-desemprego é emblemática nesse sentido. Para aumentar o valor e o número de parcelas desse benefício não seria preciso mais do que alguns estudos pontuais e uma portaria, uma vez que a estrutura está toda montada”, exemplifica.

Outra iniciativa possível de ser adotada, prossegue o docente da Unicamp, é o envolvimento de estados e municípios no esforço para ampliar a proteção social aos cidadãos. “Atualmente, esses entes públicos destinam entre 13% e 15% da sua arrecadação para o pagamento da dívida que mantêm com a União. Ora, bastaria o governo federal cortar pela metade essa remessa e vincular a diferença à adoção de programas de geração de emprego sérios e consequentes em âmbito local. Esses recursos seriam carimbados, ou seja, teriam aplicação específica. Soluções como essas são exequíveis, desde evidentemente que certos dogmas e tabus sejam abandonados por parte da elite dirigente e dos membros do governo central”, infere Waldir Quadros.

Matéria de MANUEL ALVES FILHO, do Jornal da Unicamp, ANO XXIII – Nº 423

[EcoDebate, 26/03/2009]

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