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‘Devemos pescar menos se quisermos continuar a pescar’, alerta especialista

Pesca no golfo do Maine, EUA. Foto da National Geographic Society
Pesca no golfo do Maine, EUA. Foto da National Geographic Society

Um francês é o maior especialista do mundo em recursos marinhos. Mas quem, em seu próprio país, conhece Daniel Pauly? “É o número um em seu campo. Ele fez a comunidade científica e o mundo terem a dimensão exata da exploração de peixes”, disse Philippe Cury, diretor do Centro de Pesquisa Haliêutica Mediterrânea e Tropical (CRH), situado em Sète. Cury convidou Daniel Pauly para passar alguns meses no CRH para que a França descobrisse, finalmente, esse “grande senhor” que mora em Vancouver, no Canadá.

A reportagem é de Gaëlle Dupont e publicada no jornal francês Le Monde, 03-03-2009. A tradução é do Cepat.

Penetrando o pequeno escritório colocado à sua disposição, eis o que se sabe de Daniel Pauly: ele é autor de mais de 500 publicações científicas e cerca de 30 livros. Ele foi agraciado com prestigiosas recompensas internacionais – entre os quais está o Prêmio Cosmos, o equivalente ao Prêmio Nobel em Ecologia, em 2005.

Ele acaba de fazer uma visita à sua mãe, em Creuse. A cor de sua pele, seus olhos verdes e seu sotaque indefinível testemunham uma história pessoa nada banal. Nascido em 1946 dos amores de uma operária francesa e de um GI [soldado do Exército norte-americano] que rapidamente voltou aos Estados Unidos, foi confiado por sua mãe, aos dois anos, a uma família da Suíça francesa. Impedido de ver a sua mãe, vive uma infância “à moda Dickens”, em que os livros eram “o único refúgio”.

Adolescente, fugiu para a Alemanha, onde trabalha como auxiliar na indústria química de dia e estuda à noite, sempre à procura de sua mãe, que reencontrará aos 18 anos. “Ela se casou e teve 7 filhos, mas não me esqueceu”, conta Daniel Pauly. “Seu marido me adotou e me pôs o seu nome”.

1969 foi o ano do bac [fim e exame do curso secundário], do reencontro com o seu pai e da descoberta dos Estados Unidos. “Era um caldeirão efervescente de lutas sociais”, lembra-se ele. “Eu estava muito consciente do fato de ser negro. Eu queria partir para um país do Terceiro Mundo e estudar alguma coisa de concreto, para ajudar as pessoas que me acolheriam”.

Apaixonado por história, literatura, filosofia, Pauly estuda… haliêutica, isto é, o estudo da pesca, e torna-se doutor em biologia marinha em 1979. “Eu não sou como muitos biólogos que tem uma sensibilidade muito grande para com a natureza”, diz. “Eu gosto de analisar os dados e descobrir as grandes tendências”.

De que ele mais se orgulha? De ter inventado um método simples de avaliação dos estoques de peixes, passível de ser usado nos países pobres. De ter desenvolvido a maior base de dados do mundo sobre a biodiversidade: o fishbase.org é utilizado por todos os laboratórios especializados. Daniel Pauly criou uma outra base de dados (seaaroundus.org), que mapeia a pesca em todos os oceanos.

Diretor do Centro de Pesca da Universidade da Colúmbia Britânica, em Vancouver, ele foi o primeiro a desenvolver uma visão global dos recursos haliêuticos ao analisar as estatísticas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), os únicos disponíveis em escala mundial. “Em todas as partes do mundo, os pesquisadores constatavam que as pesqueiras sobre os quais trabalhavam estavam erradas, mas ninguém distinguia o problema geral”, explica o pesquisador.

Num artigo retumbante que apareceu em 2001 na revista Nature, ele prova que, contrariamente ao que dizem as estatísticas, a captura mundial de peixes – assim como os estoques – está diminuindo desde o fim dos anos 1980, porque a China, maior pescador do mundo, falsifica os seus dados. Em outro artigo, demonstra que a pesca se situa cada vez mais abaixo na cadeia alimentar dos oceanos. “Se continuarmos neste caminho, acabaremos comendo zooplânctons”, sorri.

“O número de estoques de peixes superexplorados ou esgotados não pára de crescer”, constata ele. “Se nada for feito, as consequências serão terríveis”. Ele condena a gestão mundial dos estoques, dominada, segundo ele, pelos interesses do setor pesqueiro, que ignorou as considerações científicas e políticas.

Daniel Pauly é apoiado pelo Pew Charitable Trust, fundação americana de interesse geral, e considera as associações de proteção ambiental os únicos verdadeiros representantes dos interesses públicos em matéria de proteção dos oceanos. Esta atitude lhe vale a desconfiança de uma parte da comunidade científica, que recrimina nele um engajamento muito marcado, uma tendência ao catastrofismo, e uma visão aproximativa. “Ele pensa grande, é sua originalidade”, comenta Philippe Cury. “Vale mais ser aproximativamente correto do que precisamente errado. Hoje, o consenso emerge sobre o estado dos recursos”.

Daniel Pauly assume seu engajamento. Ele recomenda “reduzir o exército empregado contra os peixes”. “Devemos pescar menos se quisermos continuar a pescar”, disse. “Se limitarmos a pesca industrial, estaremos reduzindo em muito a capacidade de pesca, sem afetar muito as pessoas”.

Ele defende também uma ampla rede de áreas marinhas protegidas (hoje limitadas a 0,8% da superfície dos oceanos) e se indigna com as subvenções à pesca, que representam 27 bilhões de euros por ano, segundo seus cálculos, e que “permite que a pesca intensiva prossiga”.

“Quando me perguntam, no final de uma conferência, o que cada um pode fazer para proteger os oceanos, eu respondo que não vamos recuperar os estoques com o estômago, mas com a cabeça”, provoca ele. “Eu responde: comam do que quiserem, entrem num Ong para fazer manifestações e utilizem seu título de eleitor”.

(Ecodebate, 10/03/2009) publicado pelo IHU On-line, 09/03/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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