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Artigo

O mar, um oceano de oportunidades? artigo de Carol Salsa

Pesca no golfo do Maine, EUA. Foto da National Geographic Society
Pesca no golfo do Maine, EUA. Foto da National Geographic Society

“ O inimigo do Mar é o mito, ou melhor,
a profusão de mitos que sobre ele
existe no espírito do povo: o mito de
sua produtividade infinita e gratuita,
o mito da profusão de riquezas(……)”.
Silva ( 1970 )

[EcoDebate] O século XXI assiste a um recrudescimento sobre os recursos do mar. É uma pressão que não surgiu por acaso, mas, ao longo de séculos. A humanidade vem desfrutando das benesses ou fonte de recursos na longa extensão de água salgada conectada ao oceano. Rico em recursos alimentares e viabilizador do transporte de pessoas e mercadorias, apresenta-se como um oceano de oportunidades. Sofre, no entanto, com as ameaças à segurança da população e de seus bens. Os oceanos são considerados como uma das últimas áreas do mundo onde prevalece o uso comum e o livre acesso às Nações. Tratados Internacionais têm tido um importante papel no diálogo entre os povos, tais como a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinado em 10/12/1982 e a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, no Rio de Janeiro.

Este último, trata na Seção III, Capítulo 17, da proteção dos oceanos, de todos os tipos de mares, das zonas costeiras e do uso racional dos recursos vivos. O mar , vem sendo dilapidado com graves consequências sobre o equilíbrio climático, redução de oxigênio e fonte de alimentos. A FAO divulgou em 2004 os valores encontrados sobre a pesca no mundo, destacando os estoques pesqueiros mundiais da seguinte forma: em recuperação, apenas 1%; colapsados ou exauridos 7%; sobre-explotados , 17%; explotação máxima , 52% ; explotação moderada, 20% e sub-explotados , 3%. A FAO também alertou, em 2005, para o número da produção mundial de pescado por captura, igual a 105.000.000 t. O pescado representa 16% da proteína animal consumida no mundo, 28% da correspondente à Ásia e 6,6% da consumida na América do Norte.

Uma interessante experiência relatada por pesquisadores cita a província da Columbia Britânica, detentora de uma tecnologia social onde os pescadores criaram um sistema integrado de “ captura compartilhada “ no solo marinho. Cada pescador individual pode capturar anualmente uma percentagem pré-estabelecida da quantidade total de cada uma das 60 espécies de exemplares cujo habitat é o solo marinho. Todos os anos o governo ajusta ou calibra o teto total para cada tipo de peixe com base na situação das espécies. Por exemplo, se 50 barcos têm cota de 100 t de meros, a divisão é igual para todos, ou seja, de 2% para cada barco. É um sistema sustentável que serve de modelo a ser replicado em todo o mundo.

Um estudo realizado em 2008, por economistas da Universidade da Califórnia, comparou dados de bancos pesqueiros mundiais demonstrando que onde houve captura compartilhada, foi revertida a queda das reservas. A sustentabilidade dos recursos e a economia do pescado ficaram alinhadas quando acabou o excesso de pesca. Um olhar estratégico para os valiosos capitais e o aproveitamento sustentado dos recursos são o testemunho do interesse moderno, prospectivo e vasto que o mar está a suscitar.

A importância dos grandes espaços líquidos, mares ou oceanos, tem um forte peso na perspectiva político-estratégico da segurança e defesa, da economia e do desenvolvimento científico. A visão da valoração econômica dos recursos do mar conta com uma extensa gama de possibilidades , tais como: a extração de energias fósseis e renováveis, o turismo induzido pelo mar como um forte pilar da economia, produtos de biotecnologia, entre outras, nos despertando para a existência dos recursos marinhos até há pouco insuspeitos. Como ilustração, vamos admitir que o mar funciona como um banco comercial em que todos têm conta corrente. O banco, sabedor da idoneidade de seus clientes lhes oferece um crédito ou micro-crédito no tamanho certo das suas despesas. O micro-crédito pode ser usado para pagar contas, fazer compras e manter as principais despesas. As taxas e prazos são diferenciados para realizar o financiamento.

Ou seja, partindo da idéia de similaridade com a natureza, também deveríamos aplicar a conjuntura bancária aos procedimentos em relação aos recursos do mar que nos alimenta, nos fornece condições para geração de emprego e renda. Se não retornarmos com o valor integral do empréstimo feito e mais um valor agregado que se compara aos juros, o banco irá à falência. É isto que tem acontecido com todos os recursos naturais do Planeta em que o uso contínuo e exacerbado de seus bens vai além da possibilidade de recuperação da natureza que está a acabar, respondendo a mesma, em alto e bom som, a exaustão de alguns bens, tais como : a não prestação de serviços ambientais, a improdutividade de suas terras, o aquecimento global e tantos outros infortúnios por que passam os habitantes desta nave. A natureza deu um basta a tudo isto por estar sendo aviltada, aniquilada, concedendo empréstimos sem garantias.

O que temos oferecido a este oceano de oportunidades ?

É curioso observar que o mar tem, à semelhança do que acontece com as florestas, um valor não traduzível diretamente em atividades de mercado, ou seja, são “ bens sem mercado “. O somatório do valor recreativo das atividades que propicia o mar, o valor dos benefícios da beleza cênica , o valor de sua capacidade de assimilação dos fluxos de resíduos e do CO2, está a merecer um tratamento diferenciado, estratégico, se é que temos em mente o desenvolvimento sustentável destes recursos.

Será um oceano de oportunidades se o valor direto da economia do mar crescer significativamente de forma sustentável, promovendo medidas que passam por uma reorganização mundial das políticas de desenvolvimento e recursos do mar.

Carol Salsa, engenheira civil, pós-graduada em Mecânica dos Solos pela COPPE/UFRJ, Gestão Ambiental e Ecologia pela UFMG, Educação Ambiental pela FUBRA, Analista Ambiental concursada da FEAM ; Perita Ambiental da Promotoria da Comarca de Santa Luzia / Minas Gerais.

[EcoDebate, 09/03/2009]

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