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Der Spiegel: A difícil batalha da Monsanto na Alemanha

cultura transgênica

Os negócios estão prosperando em todo o mundo para a gigante de biotecnologia americana Monsanto, mas na Alemanha a empresa enfrenta forte resistência. Uma aliança de apicultores, manifestantes anticapitalismo e políticos conservadores está buscando expulsar do país a líder do mercado global.

Quando Karl Heinz Bablok quer relaxar e escapar de seu trabalho na fábrica da BMW, ele pega sua bicicleta e pedala até Kaisheim, uma cidade tranquila na região sudoeste da Alemanha. Não demora a Bablok chegar ao seu destino, situado no meio de uma campina: um apiário, feito de tábuas rudimentares por ele mesmo.

Bablok, um apicultor amador e um hábil faz-tudo, passa grande parte de seu tempo livre aqui, consertando o apiário no inverno e colhendo mel no verão. O apiário é onde Bablok recarrega suas baterias, o local onde guarda a energia que precisa para o dia-a-dia de seu emprego nas oficinas de treinamento da fábrica da BMW. O apiário deveria ser um local privado – longe do trabalho e, acima de tudo, longe das pessoas. Matéria de Uwe Buse, no Der Spiegel.

Mas o apiário e o mel que ele produz não são mais privados. Seu mel agora está no centro de uma disputa travada nos tribunais alemães, observada e influenciada tanto por políticos quanto pela imprensa. Ela colocou Bablok, um homem que só queria paz e sossego, em um dos grandes debates ideológicos na Alemanha -uma batalha que está sendo travada há anos nos tribunais, na arena política e nos campos, com palavras, estudos científicos e às vezes com os punhos.

De um lado da batalha estão as empresas de engenharia genética, e em particular a corporação americana Monsanto, a maior produtora mundial de sementes, que praticamente detém o monopólio das plantas geneticamente modificadas (GM). A Monsanto produz a única planta modificada aprovada para uso na agricultura comercial na Alemanha, uma variação de milho usada como ração animal. O benefício primário da planta, chamada MON 810, é o fato de ela produzir uma toxina que lhe permite combater um de seus inimigos, as vorazes larvas de uma mariposa.

Do outro lado estão os muitos adversários da Monsanto, uma aliança heterogênea que une produtores rurais orgânicos, ativistas anticapitalismo, igrejas e políticos da União Social Cristã (CSU) conservadora, o partido bávaro irmão da União Democrata Cristã da chanceler Angela Merkel.

A disputa entre os dois campos gira em torno das oportunidades e riscos envolvidos na engenharia genética. Envolve empresas que estão brincando de Deus e questões fundamentais como: o que o homem deve ser autorizado a fazer? O que a ciência pode fazer? Nós devemos ser autorizados a fazer coisas apenas porque podemos? A disputa também envolve liberdade e suas limitações, a liderdade de realizar pesquisa e a liberdade dos consumidores, produtores rurais, apicultores e de uma corporação. Onde termina a liberdade de um lado e começa a do outro e quem traça as fronteiras?

Mel para o incinerador de lixo

Bablok se tornou parte da controvérsia porque parte de suas colônias de abelhas estava coletando pólen de campos onde o Centro Estadual Bávaro de Pesquisa Agrícola estava cultivando milho transgênico para fins de pesquisa. As abelhas levaram o pólen para suas colméias e Bablok, que sabia que havia plantações de milho transgênico nas proximidades, pediu que amostras de seu mel fossem testadas para determinar se estava limpo. Mas o laboratório descobriu que até 7% do pólen era das plantas transgênicas. Quando o caso se tornou público, um tribunal distrital da cidade bávara de Augsburg ordenou que Bablok suspendesse a venda de seu mel, não podendo nem mesmo doá-lo. Como resultado, ele se transformou no primeiro apicultor alemão a entregar seu mel para uma instalação de incineração de lixo. Agora Bablok está processando o Centro Estadual Bávaro de Pesquisa Agrícola para recuperar seus custos e as vendas perdidas, um valor que ele diz somar cerca de 10 mil euros.

O processo é complicado e já passou por dois tribunais. Um terceiro tribunal deverá ouvi-lo em breve e ambos os lados estão em busca de um julgamento que estabeleça um princípio. O caso envolve mais do que apenas os custos de Bablok e a pureza do mel alemão. Na verdade, o futuro da engenharia genética agrícola na Alemanha está em jogo. Uma vitória de Bablok desacreditaria ainda mais o MON 810. Na percepção do público, ela transformaria a planta em um risco para os seres humanos.

Bablok, sentado em sua cozinha, é um homem despreocupado dado a longas pausas entre as sentenças. Pastas estão organizadas sobre a mesa diante dele, contendo as medidas impetradas por seus advogados de Berlim, pessoas familiarizadas com o assunto. Uma associação de apicultores está ajudando a pagar suas despesas. As pastas também contêm as medidas impetradas pelos advogados adversários. Eles estão sendo representados pelo escritório de advocacia Freshfields Bruckhaus Deringer. Com seus 2.500 advogados, a firma é quase tão global quanto a Monsanto.

Os documentos são extensos, pesados e complicados. A questão central envolve se o mel geneticamente modificado de Bablok está sujeito a regulamentação da lei de alimentos da União Europeia. Os advogados do Centro Estadual Bávaro de Pesquisa Agrícola dizem que não. Os advogados de Bablok dizem que sim. A questão é importante porque o milho da Monsanto só pode sair ileso do caso se os juízes decidirem que o mel de Bablok não está sujeito às regulamentações de alimentos.

Apesar das vendas perdidas terem afetado Bablok, elas não afetaram a apicultura para ele. Ele montará as colméias de novo neste ano, apenas em outro local. Ele também está tentando montar uma aliança de apicultores na região. Seu plano -sua vingança – é tornar Kaisheim e a área ao redor livre de abelhas, para que não haja abelhas para polinizar as plantas da área.

Atualmente Bablok segue o caso de longe. Ele diz que o assunto agora está “nas mãos dos pensadores”, os advogados de Berlim. Como trabalhador de fábrica, diz, ele há muito tempo desistiu de tentar entender seus argumentos.

A sede alemã da Monsanto fica localizada em um parque industrial em Düsseldorf. Apenas duas placas de latão do tamanho de um cartão postal presentes na entrada do prédio alto, fáceis de serem ignoradas, identificam os escritórios. A Monsanto é conhecida por seus esforços de evitar o público. Ursula Lüttmer-Ouazane nos recebe em uma sala de conferência com seu aperto de mão firme. Uma mulher resoluta, ela está encarregada das operações da Monsanto no norte da Europa, incluindo a Alemanha. Sua carreira teve início com um aprendizado agrícola e ela nunca frequentou uma universidade. As dificuldades para ascender ao topo de uma indústria dominada pelos homens estão refletidas nas linhas marcadas em seu rosto.

Lüttmer-Ouazane está no setor há 30 anos. Ela começou a trabalhar para a Monsanto há 10 anos, após passagens por outras grandes empresas do ramo, como BASF, Novartis e Syngenta. Lüttmer-Ouazane nunca romantizou a agricultura, que ela trata como química aplicada.

O relatório anual da Monsanto está na mesa diante de Lüttmer-Ouazane. Estes são bons tempos para o grupo, falando globalmente. No ano passado, a Monsanto dobrou seus lucros para cerca de US$ 2 bilhões. A crise dos alimentos no primeiro semestre de 2008 provocou uma alta de suas ações para o valor recorde de US$ 142. As vendas de transgênicos na América do Sul tiveram grande alta, levando o presidente-executivo da Monsanto, Hugh Grant, a anunciar metas ambiciosas, como dobrar os lucros novamente em 2012. Grant vê potencial nos países em desenvolvimento, onde a Monsanto está depositando suas esperanças em uma variedade de milho resistente à seca, que ela planeja começar a vender em breve.

A Europa e a Alemanha foram estabelecidas como mercados de prestígio no plano de negócios da empresa. Para os críticos da engenharia genética, não se trata apenas de centenas de milhares de hectares plantados com milho, colza, soja ou algodão, mas de seu avanço nos campos em geral.

Quando Lüttmer-Ouazane começou a trabalhar para a Monsanto há 10 anos, sua meta era ver 40 mil hectares cultivados com o milho MON 810 da Monsanto em 2009. Não parecia ser uma meta inatingível, já que representava apenas 1% de toda terra cultivada com milho na Alemanha.

Mas a Monsanto acabou ficando bem aquém dessa meta.

Enquanto o milho transgênico é cultivado em cerca de 30 milhões de hectares nos Estados Unidos, Canadá e Argentina, e cerca de 3 milhões de hectares adicionais na África do Sul, Brasil e Filipinas, apenas cerca de 4 mil hectares de milho transgênico foram registrados pelos agricultores alemães junto ao Escritório Federal de Proteção ao Consumidor e Segurança dos Alimentos. Lüttmer-Ouazane errou de cálculo – em muitos aspectos.

Ela esperava encontrar um apoio substancial entre os políticos alemães, mas encontrou poucos. Apenas membros do Democratas Livres, um partido pró-livre mercado, ou o Ministério da Educação e Pesquisa se manifestam ocasionalmente a favor da engenharia genética agrícola. É quase uma repetição familiar de debates anteriores como, por exemplo, o abandono gradual da energia nuclear ou as propostas para construção do trem de alta velocidade Transrapid na Alemanha. Os defensores argumentam que a engenharia genética agrícola também é uma tecnologia-chave, que tem um papel importante para demonstrar a futura viabilidade da Alemanha. Mas estes são argumentos fracos que parecem uma especulação vaga a respeito do futuro.

Poucos ouvidos solidários no Parlamento

A grande maioria dos políticos permanece não convencida. Eles não veem motivo para apoiar uma empresa que usa uma tecnologia altamente controversa para criar um produto rejeitado pela maioria dos alemães.

O trabalho de lobby, que pode ser bem-sucedido e confiável em mercados como os Estados Unidos, não produziu os resultados desejados na Alemanha. Muitas organizações em Berlim e nos Estados estavam engajadas em ajudar a gerar uma maior aceitação da engenharia genética agrícola: organizações como InnoPlanta, no Estado da Saxônia-Anhalt, a Associação Alemã das Indústrias de Fertilizantes e Proteção das Plantações, em Frankfurt, e a Europabio, em Bruxelas. Seus membros tentaram encontrar ouvidos solidários à causa entre os membros do Parlamento.

Em janeiro de 2007, representantes dos grandes partidos políticos se reuniram no Parlamento estadual de Brandemburgo para ouvir um grupo de especialistas americanos explicar os benefícios da engenharia genética agrícola. O principal palestrante foi o agricultor americano de milho transgênico, Dan Thompson, enquanto sua esposa, Jill Long Thompson, uma ex-subsecretária da Agricultura, estava disponível para tratar de possíveis “questões legislativas”. Mas os lobistas da engenharia genética agrícola não podem reivindicar qualquer sucesso real. “Nós apresentamos nossos pontos de vista sobre a questão quando a Lei de Engenharia Genética foi elaborada”, diz Lüttmer-Ouazane, “mas não ficamos satisfeitos com o resultado”.

(Nota: em 25 de janeiro de 2008, o Parlamento alemão, o Bundestag, votou a favor de uma emenda à Lei de Engenharia Genética. No futuro, os campos de milho transgênico e convencional teriam que ser separados por uma distância de pelo menos 150 metros. No caso do milho orgânico, esta distância mínima dobraria para 300 metros. Os artigos de responsabilidade legal da lei continuaram a estipular que os produtores que plantarem transgênicos são responsáveis pelas perdas sofridas pelos agricultores convencionais vizinhos em consequência da presença dos transgênicos.)

Segundo Lüttmer-Ouazane, as regras de responsabilidade legal impõem um fardo unilateral aos produtores dispostos a dar uma chance à engenharia genética agrícola. Estes produtores estão diante de uma burocracia considerável, diz Lüttmer-Ouazane, e a distância exigida entre o milho transgênico e o convencional ou orgânico é grande demais. Lüttmer-Ouazane não gosta da máquina política de Berlim e seus resultados.

Mas os políticos não são seu único problema. Ela também encontra adversários em lugares que não parecem centros de resistência política.

Há poucas semanas, Michael Grolm estava no alto de uma torre bem acima de Tonndorf, no Estado de Turíngia, no leste, e bem acima do castelo onde ele vive. Chegar até Grolm exige subir degraus de madeira tortos e gastos devido às gerações anteriores que subiram até o topo desta torre.

Feita de pedras, a torre é tão velha que já foi retratada em pinturas que remontam a Renascença. O castelo foi mencionado pela primeira vez em escritos do século 13 e atualmente é um patrimônio histórico protegido. E com seu fosso e muralhas, também é um bastião contra mudanças.

‘Sem benefícios tangíveis para as pessoas’

Cerca de 60 homens, mulheres e crianças vivem aqui. Há três anos, eles formaram uma cooperativa e compraram o castelo, que estava vazio na época. Atualmente um centro cultural alternativo está surgindo aqui, incluindo uma Arca ecológica. Para Grolm, isto demonstra que os modos antigos têm direito de existir, e que não precisam ser diluídos para abrir caminho para algo novo. Provavelmente não há outro lugar mais adequado a ele do que esta comunidade do castelo. Grolm vive aqui desde que o projeto teve início e planeja permanecer aqui para sempre. Ele até mesmo escolheu o local onde deseja ser sepultado – em uma campina nos fundos com algumas árvores frutíferas espalhadas.

“Lá”, diz Grolm, apontando da torre para um ponto fora das muralhas do castelo. “Ainda há alguns pastos abandonadas ali, extremamente ricos em espécies difíceis de encontrar atualmente. Basta apenas espalhar um pouco de fertilizante químico nelas e pronto.” Os pomares da campina ficam ao lado do pasto e, no verão, Grolm coloca algumas colméias entre as árvores.

Grolm, como Karl Heinz Bablok, é um apicultor. Mas é mais do que um hobby para ele – é sua profissão. Os frutos de seu trabalho podem ser inspecionados em uma mesa do castelo, onde Grolm discute as variedades individuais da mesma forma que um vinicultor fala de seu vinho. “Aqui temos um mel de pinheiro branco da Floresta Negra, que é maltoso e com aroma delicado. E este é o mel de castanheiro de Palatinado, adstringente, ligeiramente amargo.”

Grolm ama sua profissão. Ele também ama a natureza, da forma como Deus a criou, e ele dedica um grande esforço a combater a versão da natureza desenvolvida pela Monsanto. Ele é porta-voz, co-fundador e homem de frente da Gendreck Weg! (Fora com o Lixo Genético!), uma iniciativa fundada há cinco anos em sua cozinha, por oponentes da engenharia genética que querem fazer mais do que discutir e realizar protestos. O grupo dá aos cidadãos comuns a chance de participarem do ativismo, preenchendo uma lacuna na rede de organizações sem fins lucrativos. Lüttmer-Ouazane rola seus olhos ao ouvir o nome de Grolm.

“Libertações do campo” é como Grolm e seus amigos chamam os eventos que organizam. Eles viajam para campos onde o MON 810 ou plantas transgênicas de pesquisa são cultivadas e as arrancam do solo. Os eventos são públicos e são anunciados com antecedência pela Internet. A chegada da polícia é esperada e não é vista como algo que perturbe o evento.

Grolm pode ser considerado um fundamentalista dentre os adversários da Monsanto. Ele quer transformar a Alemanha e uma zona livre de engenharia genética e vai ainda mais longe, defendendo o abandono de toda a agricultura industrial, ou agronegócio. Grolm é um romântico: “Nós certamente ainda temos agricultores que trabalham seus campos com cavalos e arado”, diz.

Combatendo um demônio

No salão de jantar do castelo, Grolm e um outro combatente descrevem uma visão do futuro na qual uma corporação inumana controla a oferta mundial de alimentos. Eles falam sobre riscos residuais, patentes sobre a vida (ou biopatentes) e a disseminação e irreversibilidade dos organismos feitos pelo homem. Eles pintam um quadro de um mundo assustador no qual não vale mais a pena viver. O conceito deles do inimigo é tão abrangente a ponto de, após ouvi-los por algum tempo, ser possível sentir que não estão falando da empresa que está lutando, mesmo que por métodos moralmente dúbios, pelo que acredita serem seus direitos, mas sim de um demônio.

Grolm está lutando contra este demônio e por um mundo melhor. Ele é conhecido entre os oponentes da engenharia genética e se tornou garoto-propaganda do movimento. De fato, muitos oponentes da Monsanto idolatram Grolm. No terceiro trimestre de 2008, os leitores do jornal de esquerda “Die Tageszeitung” lhe concederam o “Prêmio Pantera”, uma homenagem por coragem civil.

As libertações do campo geralmente começam com a montagem de um acampamento de tendas próximo do campo de transgênicos, seguida por uma manifestação e, a certa altura, a culminação do evento – uma corrida campo adentro. Os libertadores lideram a investida e a polícia geralmente não fica muito atrás, cercando rapidamente os ativistas. Às vezes helicópteros circulam no alto, criando cenas que lembram os protestos no canteiro de obras da usina nuclear de Brokdorf, Alemanha, em meados dos anos 70 – o auge do movimento antienergia nuclear.

Grolm baseia as ações de seu grupo naquele movimento e suas estratégias, empregando novamente o conceito de grupos de pares, cujos membros ficam de olho uns nos outros, além de fornecer treinamento de resistência não violenta antes de cada libertação de campo. Entretanto, um novo elemento na campanha moderna é a cooperação bem organizada dos ativistas com a mídia. Câmeras do “Gendreck Weg!” correm ao lado dos libertadores do campo, documentando cada ação. Os ativistas mais experientes conseguem até mesmo olhar para a câmera e dar algo semelhante a aulas enquanto correm de forma agachada de uma planta a outra. Os vídeos são então divulgados pela Internet, em sites como cinerebelde.org, um centro da rede de ativistas antiglobalização que fornece “imagens de um mundo em conflito”. As libertações do campo geralmente terminam em prisões. Quando os casos vão a julgamento, os juízes geralmente sentenciam os infratores a apenas pagamento de multa. As multas e as custas processuais são pagas com o dinheiro de doações.

Os libertadores de campos estão se saindo bem, tanto financeira quanto moralmente. Eles se veem no lado moralmente superior do debate e não se deixam deter por condenações. Na verdade, eles as veem como medalhas de honra. Grolm espera passar alguns dias na cadeia em breve, por ter se recusado a pagar uma multa. Ele diz que aguarda ansiosamente por isso, apontando que isso se transformará em outro evento, completo com a presença de tratores, faixas, comida fornecida por simpatizantes locais e histórias inspiradas de ações recentes. O grupo de Grolm tem muito a celebrar.

‘Verdadeiros heróis’

No ano passado, a Universidade Nürtingen-Geislingen de Economia e Meio Ambiente encerrou seus testes de campo de milho transgênico após a destruição de seus campos. Outras organizações, como o Instituto Max Planck de Fisiologia Molecular Vegetal, com sede em Potsdam, perto de Berlim, e o Instituto Leibniz de Genética Vegetal, em Gatersleben, na região central da Alemanha, não estão arriscando testes de campo no momento. Em 2008, o Escritório Federal de Proteção ao Consumidor e Segurança dos Alimentos tinha listado 39 testes de campo registrados. Neste ano, apenas um está listado.

Para Lüttmer-Ouazane da Monsanto, Grolm e seus comparsas representam um problema tão grande quanto os membros do Parlamento em Berlim. Os políticos forçaram-na e a Monsanto a entrar em uma estrutura legal estreita e lhes roubou a liberdade de movimento, enquanto as campanhas de Grolm privam a Monsanto de sua clientela e seu argumento-chave na luta contra seus oponentes: o de que um número crescente de produtores rurais alemães quer, precisa e usa milho transgênico. Lüttmer-Ouazane descreve os poucos produtores rurais que compram seu milho, diante de tamanha oposição, de “verdadeiros heróis”.

Mas não há muitos deles. Um é Reinhard Dennerlein, um homem com corpo robusto e postura desafiadora. Parado em sua fazenda na cidade de Kitzingen, na Baviera, entre sua casa e os prédios da fazenda, Dennerlein diz que não gosta de ser chamado de herói, apesar de também não ter apreço pelo termo “agricultor”.

“Agricultores”, diz Dennerlein, franzindo a testa, “sempre estiveram na parte mais baixa da sociedade, pisados por séculos por todo mundo”. Ele não é um agricultor, diz, mas um empreendedor agrícola especializado em engordar porcos. Dennerlein, que tem mais de 2 mil porcos em seus estábulos, concorda com a definição de agricultura por Lüttmer-Ouazane como sendo principalmente química aplicada. A equação que faz sentido para ele é a de que a substância certa, aplicada no momento certo e na quantia correta, garante o porco desejado. Dennerlein não tem muita paciência com românticos como Grolm, ou com consumidores que se queixam do agronegócio industrial mas não estão dispostos a pagar mais que 1,99 euro por uma costeleta de porco.

“Sustentabilidade”, diz Dennerlein, “é quando uma empresa opera sem prejuízo”. E dar lucro, ele diz, exige um rígido controle de custo e a melhor e mais consistente matéria-prima possível. Este é o motivo para comprar seus leitões de uma fazenda industrial na Holanda e não de fornecedores locais. Eles chegam em caminhões, 620 leitões por carga, e Dennerlein os engorda com seu próprio milho.

Foi uma mariposa que o levou a cultivar o MON 810 pela primeira vez no ano passado. Como muitos produtores rurais na área ao redor de Kitzingen, Dennerlein tem travado uma antiga guerra contra a broca do milho europeia. Em 2006, as mariposas desceram sobre as plantações e botaram seus ovos. As larvas resultantes se alimentaram das plantas e destruíram cerca de 40% da colheita, apesar do uso de pesticidas. 2007 foi um ano melhor, mas ainda assim não um bom ano, levando Dennerlein a plantar o MON 810 em 2008.

Como exigido pela lei, Dennerlein registrou o uso das sementes transgênicas no site do Escritório Federal de Proteção ao Consumidor, que é aberto ao público e pode ser visto online. Pouco tempo depois, o ativista Michael Grolm apareceu na fazenda de Dennerlein, vestindo seu traje de apicultor.

Após uma saudação amistosa, Grolm se apresentou e informou a Dennerlein que ele estava prestes a receber uma visita – do Gendreck Weg! – e que o grupo planejava libertar seus campos. Não era nada pessoal, disse Grolm, e ninguém se machucaria.

Dennerlein discordou, notando que ele certamente sairia machucado, economicamente falando. “Mas o que se pode fazer contra estas pessoas?” ele diz, dando de ombros, apontando que não tem como transformar sua fazenda em uma zona de alta segurança.

Os libertadores de campo vieram à noite. Dennerlein diz que eles arrancaram as plantas erradas, não as transgênicas, e que ele plantou seu milho transgênico em outubro: “10 toneladas por hectare – impecável”. Dennerlein também sabe exatamente quanto dinheiro economiza usando o MON 810. É um número importante, talvez até mesmo o número mais importante de todos para ele. Ele aparece no final de seu balancete e descreve o benefício direto que o MON 810 fornece, talvez seu único benefício direto. É um número que deveria corresponder à amplitude e intensidade do conflito, um número que deveria impressionar.

O número é 43. Dennerlein economiza 43 euros por hectare. Este é o valor que ele economiza em pesticidas porque o MON 810 é um matador mais confiável. Dennerlein chama este número de sua economia palpável: 43 euros. Pode parecer muito dinheiro para Dennerlein, mas não é exatamente um argumento forte para a engenharia genética agrícola.

Um novo adversário

Dennerlein é um homem tenaz. Ele se recusa a permitir que um punhado de ativistas ambientais diga o que ele pode ou não pode cultivar em suas terras. Este é o motivo para ele pretender cultivar o MON 810 novamente neste ano, apesar de agora ser altamente incerto se ele conseguirá de fato seguir em frente com seu plano. Na verdade, é bem possível que Dennerlein não plante nada e que Lüttmer-Ouazane tenha que escrever “nenhum único hectare plantado com MON 810” em seu relatório para a sede da Monsanto nos Estados Unidos. Há poucas semanas, o produtor rural e a executiva ganharam uma nova adversária.

A ministra da Agricultura e Proteção do Consumidor da Alemanha, Ilse Aigner, disse recentemente ao jornal “Berliner Zeitung” que estava estudando proibir o milho transgênico da Monsanto. Ela notou que a engenharia genética agrícola “até o momento não produziu benefícios tangíveis para as pessoas” e que os consumidores são contrários a plantas transgênicas e que os produtores rurais não as querem.

Aigner tem funcionários de seu ministério estudando se o governo pode revogar a licença para cultivo do MON 810, porque o milho transgênico não dizima apenas a broca do milho europeia, mas também outros insetos benéficos.

Se Aigner prevalescer contra a oposição da ministra da Educação e Pesquisa alemã, Annette Schavan, o resultado dos esforços de seus funcionários pode ser algo assim: a Monsanto estaria sujeita a novas exigências e a licença do MON 810 seria temporariamente revogada, antes do cultivo deste ano, e não renovada até depois das eleições para o Parlamento Europeu, em junho. Isto poderia dar um grande empurrão ao partido de Aigner, a CSU, caso ela consiga retratar isto como um sucesso antes das eleições.

Por ora, Dennerlein, o criador de porcos e fã do MON 810, não está levando estas notícias a sério. Ele tem os políticos em baixa estima, notando: “Eles sofrem da pressão constante de terem que aparecer. O que se pode fazer?”

Bablok, o apicultor amador, espera pelo melhor: para ele, para suas abelhas e para seu processo. Michael Grolm, o libertador do campo, diz que só acreditará na ministra quando ela de fato anunciar a proibição.

E quanto a Monsanto? Ela diz que só deseja conversar, por ora.

Tradução: George El Khouri Andolfato

Matéria [Monsanto’s Uphill Battle in Germany] do Der Spiegel, no UOL Notícias, 06/03/2009 – 04h51

[EcoDebate, 07/03/2009]

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