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A resposta do Brasil à crise econômica não tem nada de verde

Brasil apresenta resposta cinza para a crise verde – “Sapo não pula por boniteza, mas porém por precisão”. Quem resgata o ditado popular que Guimarães Rosa tornou célebre é o professor Luiz Gylvan Meira Filho, pesquisador-visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, para lembrar que com a crise econômica os governos tiveram que intervir na economia, independentemente de gostarem ou não disso. “Mas esta é uma boa hora para intervir de forma seletiva”, continua. “Vai ter que ajudar todo mundo para evitar problemas sociais graves. Mas os governos podem ajudar mais se introduzirem um viés de menos carbono na economia”.

Gylvan Meira fala de cátedra. O engenheiro eletrônico com PhD em astrogeofísica e ex-vice-presidente do IPCC (o braço científico da ONU) foi quem desenhou o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto. “Ninguém está contente com a crise, claro, mas por incrível que pareça esta é uma boa oportunidade para a descarbonização.” Por Daniela Chiaretti, no Valor Econômico, 06/03/2009.

Para os especialistas em aquecimento global, o mundo tem dois caminhos hoje: ou ataca a crise climática ou ataca a crise climática. “A crise financeira, por pior que seja, é uma crise reversível. Já passamos por isso no passado e, mesmo que seja terrível, a economia acaba se recuperando”, repete o físico José Goldemberg. “Mas se o clima mudar mesmo, como está acontecendo, a mudança é irreversível.” Ele rabisca uma conta para demonstrar que a coisa correta a fazer é reconstruir o sistema de um jeito que seja mais adequado e que passa por fazer investimentos “verdes”. A Petrobras, diz, tem 50 mil funcionários e produz 2 milhões de barris de petróleo por dia – ou 40 barris por empregado. O etanol de cana no Brasil bate em 300 mil barris por dia e gera 600 mil empregos – ocupa mais de 10 vezes o número de empregados. “Criar emprego é a coisa mais importante que existe em época de recessão e a opção de gerar empregos verdes é interessante”, defende.

O Brasil não vai lá muito bem neste quesito. O desmatamento da Amazônia vem diminuindo, é verdade, mas é difícil atribuir méritos somente à ação do governo e eliminar o efeito da crise, da queda no preço de commodities e da pressão internacional. No atual debate sobre alterações no Código Florestal Brasileiro, Brasília manda mensagens ambíguas. Os ministros da Agricultura, Reinhold Stephanes, e do Meio Ambiente, Carlos Minc, enxergam a questão por filtros diferentes. Dependendo do desenlace, a Amazônia pode perder mais árvores. Isto sem mencionar um projeto caro ao Ministério dos Transportes, a pavimentação da BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto-Velho (RO). O desejo dos manauaras de sair do isolamento é legítimo, mas o que está sobre a mesa não parece incluir melhorar o transporte fluvial ou analisar a viabilidade de uma ferrovia, opções que causariam menos danos do que asfalto novo cortando o Estado mais preservado (e inacessível) da região. Sob a ótica do aquecimento global, desmatar significa jogar mais lenha na fogueira.

Até agora, a resposta do Brasil à crise econômica não tem nada de verde. “Em alguns casos é até antiverde”, pontua Eduardo Viola, professor titular de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Algumas comparações são constrangedoras. Os Estados Unidos ajudaram fabricantes de carros a recuar do precipício, mas ali veículos a hidrogênio já circulam nas ruas e o governo Obama sinaliza que quer ir se libertando da dependência dos fósseis. Até 2011 as fábricas terão que produzir carros e caminhões 40% mais eficientes por litro de gasolina consumido. No Brasil, a redução de IPI dos automóveis mirou não paralisar as vendas e talvez possa exigir que o desemprego não aconteça. Mas não se fala de contrapartida ambiental. “Qual é a ideia? Manter a venda de carros numa estrutura urbana estrangulada?”, espeta Viola. “Aqui não se cobrou nada das montadoras e não há estímulo ao transporte coletivo.”

Em outro ponto nevrálgico da discussão climática, a política energética, o Brasil segue bem, descontando-se a recente opção pelas termelétricas. Mas vai na inércia. O físico José Goldemberg costuma lembrar que 47% da matriz energética brasileira é limpa, empurrada pelas hidrelétricas. Só que o Proinfa, o programa federal para estimular energias alternativas, é sigla praticamente conhecida apenas no mundo ambientalista. Placas solares, no Brasil, pagam um belo percentual de taxas que tornam eternamente impraticável a opção para gente que vive isolada dos centros urbanos ou consumidores carentes que poderiam economizar na conta de luz. É o caminho inverso do que transformou a Alemanha numa potência dos renováveis – um país onde, ao contrário do Brasil, o Sol tem o vigor de uma lâmpada de geladeira. Aqui, os governadores do Nordeste, contemplados com uma costa onde venta uma barbaridade, continuam pedindo, ano após ano, estímulos para incentivar a energia dos moinhos de vento.

Mas o Brasil está bem na fita, se a comparação for feita com os vizinhos da América Latina onde este debate é marginal. E assume posição de vanguarda observando-se a dinâmica da Indonésia ou Rússia, outros grandes emissores que têm feito pouco ou nada. A elite russa, lembra Viola, celebra o aquecimento global porque enxerga nele a oportunidade de aumentar a área agricultável do país.

Nesta corrida contra o tempo, o Reino Unido está na linha de frente. Em dezembro passado, já em plena crise, o país aprovou um orçamento de carbono para 2008 – 2012, com revisão a cada cinco anos até 2050, algo inédito no mundo. Agora prepara uma estratégia industrial de baixo carbono. É uma aposta em uma rota rumo à economia do futuro, acreditam. O discurso de Barack Obama no Congresso, há poucos dias, sugere uma competição no mundo novo das energias renováveis. “Sabemos que o país que dominar o poder da energia limpa e renovável irá liderar o século 21”, disse. “A China lançou o maior esforço da história para tornar a economia energeticamente eficiente. Nós inventamos a tecnologia solar, mas na hora de produzi-la perdemos para a Alemanha e o Japão.” Obama emendou: “É hora dos Estados Unidos assumirem de novo a liderança.”

Enquanto os políticos falam, o aquecimento global avança. Cientistas do IPCC já dizem que seu último relatório, divulgado em fevereiro de 2007 e que despertou o mundo para a questão, pode ter subestimado o tamanho da encrenca. A mudança do clima pode ser mais forte e mais veloz do que previram. No ano em que se espera que o mundo assine um acordo climático que enfrente o problema, a seca na Austrália foi devastadora, a Inglaterra conviveu com o caos de uma supernevasca, o norte da Argentina sofreu com prejuízos agrícolas, uma enorme plataforma de gelo se desprendeu da Antártida.

Por via transversa – uma assustadora crise econômica global – a economia finalmente se aproximou de temas ambientais. Há riscos enormes e decisões difíceis pela frente. Se a China explorar todo o carvão de suas reservas, por exemplo, as emissões de gases-estufa serão gigantescas. A concentração atual de CO2 na atmosfera é de 385 ppm. Antes da Revolução Industrial era 280 ppm. Esta variação, de 1860 para 2007, aumentou a temperatura em 0,76 grau apenas, o que já provocou grande sofrimento. Nos cálculos do físico Paulo Artaxo, da USP, se a China explorar toda a sua reserva de carvão, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera irá saltar para 1.000 ppm. “É essencial que China e EUA não explorem o carvão que possuem”, diz. “A questão é que o carvão é barato e alguém terá que pagar para que a China não o explore. O que está em jogo é competitividade econômica.”

[EcoDebate, 07/03/2009]

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