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Artigo

Opinião pública ignora principal problema da Amazônia, artigo de Ronaldo Pereira Santos

[Observatório da Imprensa] Qual o problema que mais importa no meio de tantos que assolam a Amazônia? Qual deles tem efeito dominó sobre quase todos os outros grandes problemas? E mais: até onde a mídia e, por extensão, a opinião pública, têm devotado atenção ao tema?

A Amazônia brasileira é considerada o principal bem que o país possui. Os (muitos) problemas da região, portanto, são problemas dos brasileiros (embora a maioria destes tenha visão distorcida ou estereotipada sobre a mesma). Mineração, questão indígena, hidrelétricas, desmatamento, tráfico de drogas, fronteiras internacionais, biopirataria, ingerência estrangeira, pistolagem e grilagem de terras fazem parte do coquetel de problemas ofertado diariamente no noticiário.

Novamente, para solucioná-los, por onde começar?

De acordo com a avaliação do governo federal, o maior e mais importante problema da região é o da terra – também denominado”caos fundiário”. O governo afirma que o tema é sua prioridade na Amazônia. E tem razão: sem solucioná-lo, reduzir, mitigar ou apontar soluções para as outras encrencas da região não passará de perfumaria.

Especial atenção deve ser dada ao que tem maior visibilidade: o desmatamento, correlacionado diretamente com a posse da terra (leia”Quem chega primeiro na Amazônia: o Estado ou o grileiro?”).

“Caos fundiário”

Grosso modo, a questão fundiária tem relação com quem é dono de qual terra, qual seu tamanho e onde está situada (veja infográfico explicativo). Se pensarmos que tudo que se passa tem que necessariamente acontecer na terra – com raríssimas exceções, como tráfego aéreo – veremos que, de fato, a posse da terra é, sim, a raiz de todos os bens e os males.

Reportamos Karl Max (1818-1883), que em suas explicações sobre as origens do capitalismo apontou a posse da terra como um dos meios de produção, sem a qual, o acúmulo de riquezas ou a geração de dividendos seria infrutífero. Em suma: o capitalismo prescinde da terra.

Assim, se pensarmos nas formas de produção de riqueza ligadas à exploração dos recursos naturais na Amazônia e típicas do capitalismo, como o agronegócio (criticado veementemente por muitos), ou mesmo a produção de bens de valor agregado à biodiversidade (extrativismo), a terra demonstra valor incomparável. Daí, a extensa lista de conflitos pela posse da terra na região.

A expressão”caos fundiário” pretende expressar que, na Amazônia, ninguém (ou poucos) sabe quem é dono de quê – incluindo os governos federal e estadual. Sem falar que os que dizem ser dono de algum imóvel rural o são – em sua maioria – de maneira ilegal. Do ponto de vista do governo – responsável pela destinação, organização e propositor das leis –, há falta de estrutura e organização administrativa para tocar o assunto. Em parte, pelas dificuldades em se trabalhar numa região com tantos problemas fisiográficos, mas, sobretudo, pelo conjunto de leis que mais travam o processo do que ajudam a acelerá-lo.

O caos fundiário brasileiro tem suas raízes ainda no Brasil Colônia, com a instituição das capitanias hereditárias seguida pelo sistema de sesmarias. Nos dois casos, a priorização de extensas faixas de terra concentradas nas mãos de poucos foi uma constante. Bem verdade que a interiorização do espaço amazônico se deu muitas décadas depois, nos anos de 1600 (leia mais: Reflexão sobre a ocupação da Amazônia seiscentista), mas herdou os erros das sesmarias.

“Terra Legal”

Depois das capitanias, governos-gerais e das sesmarias, o Brasil delineou a primeira lei sobre a questão fundiária, em 1850. Somente em 1964 o Estatuto da Terra foi criado (ainda em vigor) – e, posteriormente, mais meia dúzia de leis que regulam a posse da terra.

Em 2009, teremos mexidas significativas nestas peças legais do jogo fundiário: o governo mudará as normas para obtenção das terras.

Além disso, pensou-se, inclusive, na criação de um órgão devotado unicamente para a questão (leia mais aqui) – o que foi veementemente rebatido por setores do governo como o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA, Meio Ambiente (MMA) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) (leia).

Particularmente, não creio que esta última medida resolveria coisa alguma. Para começar, teríamos um aporte desnecessário de dinheiro público sem garantias de resultados; depois, um novo órgão demoraria mais tempo do que a própria estrutura e experiência já acumulados pelo Incra e MDA teriam para resolver a questão.

Recentemente, após inúmeras quedas-de-braço envolvendo o ministro Mangabeira Unger (tratado a leite de pato no Planalto) e seus opositores, o Palácio do Planalto, finalmente, apontou quais medidas serão tomadas para tentar resolver a questão. Para tanto, anunciou a criação de uma diretoria-executiva extraordinária dentro do MDA, para tocar o”Terra Legal” – como foi batizado o plano (leia: Governo confirma regularização fundiária).

Nem todos estão contentes

A idéia atende às duas correntes ideológicas: os pensamentos de Unger são parcialmente atendidos, já que este acha que o Incra por si só não daria conta do recado; ao mesmo tempo, o próprio MDA e o Incra continuam a atuar na regularização das posses (o Incra, não diretamente, mas de forma auxiliar e com apoio técnico, já que o pessoal que tocará o plano é oriundo da autarquia).

Acertada, também, é a sugestão de retomar terras públicas de quem as possui acima de 2.500 hectares (1 hectare equivale a um campo de futebol) – o que, aliás, é inconstitucional – se não aprovado pelo Congresso Nacional (Constituição Federal art.188, § 1º). Terras até 1.500 hectares seriam vendidas e entre este limite e 2.500 hectares seriam leiloadas – o que geraria um valor estimado para os cofre da União de R$ 80 bilhões (veja aqui).

Mais perfumaria, ou medidas que de fato valerão alguma coisa? Difícil uma resposta fidedigna, mas, como em tudo na vida, o tempo dirá.

O governo decidiu diferenciar o tratamento a ser dado a cada posseiro/proprietário de acordo os tamanhos das posses. Parece coerente, uma vez que o perfil dos donos é também diferenciado. Por exemplo, pequenos proprietários, em dia com a legislação ambiental e trabalhista, não pagariam pela terra e seriam beneficiados de imediato.

Porém, nem todos estão contentes com o”Terra Legal”. Alguns grupos já se opõem dizendo não aceitarem que haja posses menores que minifúndio; ou então argumentam que a regularização seria uma forma de”beneficiar o capital” (uma vez que áreas médias e grandes ganhariam com a regularização, leia manifesto). De fato, se o”Terra Legal” não atentar para quem descumpra a legislação ambiental, trabalhista ou qualquer outra, será inócuo. Por outro lado, não justifica crucificá-lo pelo fato de beneficiar os grandes ou médios, e pior: sem contraproposta.

Problemas também são nossos

Não há uma fórmula mágica para solucionar o problema, que tem mais de 500 anos. É verdade; mas pior do que qualquer alteração nas regras do jogo é deixar a coisa como está: sem comando e sem regra que funcione. Isso, sim, é uma fórmula infalível que estimula a bandidagem.

Nunca é demais lembrar que, desde que não vá ao encontro do que diz a Constituição, qualquer cidadão pode adquirir um pedaço de terra no Brasil, mesmo os estrangeiros. Tentar organizar o lastro jurídico de um país que se direciona para a seriedade é o mínimo que se exige do governo.

Interessa ao povo brasileiro?

Nos últimos meses, o foco da discussão tem esquentado mais por conta do que fala o governo e suas discussões internas do que necessariamente pelo valor que a opinião pública tem dado do tema.

A mídia tem melhorado a cobertura sobre a região e dado ênfase a este assunto, mas ainda precisa avançar, especialmente porque o interesse da opinião pública fora da Amazônia ainda se dá da forma que conhecemos: reportagens”especiais”, escândalos, acidentes diversos e desmatamentos – veiculados eventualmente na imprensa. A sociedade organizada, por meio das Organizações Não-Governamentais (ONGs), tem contribuído de maneira mais positiva – inclusive sobre a discussão da regularização fundiária (veja manifesto).

Aos desbravadores (leia-se fazendeiros – ou não) que buscam terras baratas ou griladas, a iniciativa do governo pode não ser bem-vinda.

A opinião pública não irá, por si só, ser atraída por sujeitos que dizem ser donos de terras numa região tão longínqua como a Amazônia. Afinal, ela se perguntaria, o que tenho com isso? Não esperemos que a”grande mídia” corra atrás desta pauta. Daria lucros e dividendos? Não creio.

Está na hora, aproveitando o calor do assunto, de a imprensa (mais alternativa?) Tomar partido ou expor as contradições do tema. As ONGs já o fizeram, os movimentos sociais envoltos na questão agrária também. A exemplo do programa do Observatório da Imprensa na TV, de 02 de dezembro de 2008 – que tratou da Amazônia de forma geral –, por que não pensar em um especial direcionado à questão fundiária?

Se a Amazônia é nossa os problemas também o são. Fica a dica.

Ronaldo Pereira Santos – Engenheiro agrônomo, especialista em Gestão Ambiental e mestre em Ciências de Florestas Tropicais, Manaus, AM

* Artigo originalmente publicado no Observatório da Imprensa.

* Matéria enviada pelo Fórum Carajás e indicada pelo Blog AMBIENTE ACREANO, de Evandro Ferreira

[EcoDebate, 13/02/2009]

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