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Transgênicos e o novo império, artigo de Nagib Nassar

rotulagem transgênicos

A matéria do jornalista Rafael Garcia, do jornal Folha S.Paulo (Ciência, 25/1), que analisa o livro da escritora francesa Marie-Monique Robin sobre uma multinacional fabricante de transgênicos, tocou profundamente na consciência nacional e gerou indignação: até quando o povo brasileiro poderá sofrer com os tóxicos transgênicos e com a manipulação das multinacionais?

Sabe-se que mais de 90% dos transgênicos vendidos no Brasil e no mundo são fabricados pela multinacional da qual o livro falou. Os exemplos mencionados na obra lembraram-nos da Companhia Britânica das Índias Orientais, que durante dois séculos transformou os privilégios comerciais em um grande império. Para obter seu poder ela corrompeu autoridades inglesas. Em qualquer época, quando seu monopólio expirava, ela obtinha renovações de sua carta oferecendo novos empréstimos ao governo britânico.

Não é muito diferente o exemplo contemporâneo da multinacional fabricante de transgênicos, analisado pela escritora francesa e exposto pelo jornalista da Folha.

Apesar de a maioria dos países europeus proibir as vendas dos transgênicos Bt, o Brasil autorizou seu plantio e consumo. A liberação do milho Bt pela comissão CTNBio recebeu muitas críticas das comunidades civis e foi alvo de processos jurídicos.

Pior: o presidente da comissão CTNBio informou que não há nenhum impedimento para que a comissão seja constituída por consultores da própria multinacional que produz os alimentos.

Os legisladores brasileiros reconheceram esse fato e exigiram da CTNBio que demonstre claramente o não envolvimento de qualquer membro seu com empresas fabricantes de produtos que são submetidos ao julgamento da comissão. Na Europa e nos Estados Unidos vários escândalos foram causados ao se descobrir que uma autoridade era ligada a uma empresa que se beneficia de sua atividade governamental ou congressional.

A última liberação do milho transgênico Bt deveria considerar vários fatos, que são:

1. O plantio de uma variedade transgênica Bt significa substituição da variedade local, gerando muitas conseqüências prejudiciais. Uma delas é a substituição da ampla base genética e da diversidade local por uma faixa geneticamente muito estreita. Essa substituição conduz à vulnerabilidade, a doenças e à perda de genes úteis às variedades locais e indígenas.

Em um país como o Brasil há grande heritage de cultivares indígenas, que contribuíram e contribuem para o melhoramento do milho. Devemos considerar este aspecto quando se fala na liberação da variedade de milho Bt. Na literatura mundial, a diversidade genética dos conjuntos gênicos foi reduzida drasticamente pela introdução da monocultura.

2. O milho é uma cultura totalmente alógama com 100% de polinização cruzada, devido à sua estrutura reprodutiva dióica. Isto conduz a um fluxo gênico livre entre variedades transgênicas e variedades indígenas do Brasil. Os conjuntos gênicos indígenas serão altamente contaminados pelo gene Bt. Isto afeta tanto o processo evolutivo quanto os ecossistemas, reduzindo a aptidão e sobrevivência dos cultivares indígenas.

O gen Bt também se transfere da variedade transgênica às ervas daninhas, através da hibridação, criando ervas-monstros resistentes a insetos. O prejuízo da contaminação das variedades indígenas e locais se estende ainda à cultura do país, onde essas variedades tradicionais fazem parte da vida diária, das tradições e da economia da massa pobre da população.

3. Dizer que o uso desses transgênicos economiza o uso de inseticidas não é mais do que uma eminente falsidade. Seu uso apresenta a presença de certos insetos, chamados catarpilar da lepidóptera, e aumenta muito o ataque de outros insetos. No final de contas acaba-se usando a mesma quantidade de inseticidas. De fato esse transgênico não economiza a quantidade aplicada de inseticida, mas sim reduz as opções disponíveis para os agricultores que querem manejar o controle de insetos.

4. A toxina Bt tem efeito fatal sobre predadores, causando o desequilíbrio nas populações de insetos e o surgimento de ataques de novos insetos, não nocivos anteriormente. Há ainda o efeito da toxina sobre polinizadores úteis, como abelhas. Isto traz graves conseqüências sobre o ecossistema.

5. Há relatos sobre o efeito da toxina Bt no solo e de como ela é altamente destruidora. Ela persiste ativa no solo e se mistura com facilidade à argila. A toxina Bt fica protegida contra a degradação microbial e age contra microorganismos impedindo a decomposição da matéria orgânica, criando assim uma série de problemas para a agricultura orgânica. Dizer que a toxina Bt é natural no solo e produzida pelos respectivos bacilos não se compara de maneira alguma às imensas quantidades deixadas no solo pelas raízes de uma cultura Bt.

6. O perigo maior vem da toxina Bt na cadeia alimentar animal, seguido pela utilização do produto animal pelo homem, causando uma catástrofe incalculável para a saúde pública. Neste contexto há vários casos de intoxicação documentados pela imprensa mundial.

7. A plantação do milho Bt nunca melhorou as condições financeiras dos agricultores, nem reduziu o uso de inseticida em qualquer país, mas ao contrário, há uma forte suspeita de que seja a causa de freqüentes suicídios de agricultores em Bradesh (Índia), pela falência e frustração diante de uma realidade bem diferente da qual a propaganda os fez pensar.

Em culturas como as de milho, onde predomina a polinização cruzada, toda a região cultivada se contamina compulsoriamente. Os agricultores não têm como escolher. Eles são obrigados a plantar e colher sementes de plantas contaminadas. Não há outra opção. Eles são constantemente cobrados pelas empresas produtoras a pagar pelo plantam. O valor da semente transgênica chega a 120 vezes mais do que a semente normal. Os agricultores não têm como deixar de pagar. Este aspecto socioeconômico deve ser levado em consideração, quando se pensar em liberar o milho Bt no Brasil.

Há várias razões pelas quais a liberação do milho transgênico não deveria ser feita. Por exemplo: não foram feitos trabalhos experimentais que avaliam a segurança deste tipo de cultura sob condições brasileiras, durante um período suficiente, como manda a Constituição, nem há informação sobre o monitoramento da possível contaminação das culturas indígenas.

O mais grave não é não haver qualquer estudo disponível sobre o impacto socioeconômico deste tipo de milho sobre a economia da população brasileira e a sua vida social, nem mesmo um estudo sobre o efeito deste tipo sobre microorganismos úteis como o azetobacter e as condições agroecológicas do Brasil. O pior é a ausência completa de qualquer resultado sobre as possíveis contaminações na cadeia alimentícia do Brasil.

PERFIL

Nagib Nassar é graduado pela Universidade do Cairo (1958) e PhD em Genética pela Alexandria University (1972). A convite do Ministério das Relações Exteriores, veio para o Brasil em 1974. Sua pesquisa se concentra no melhoramento da mandioca. Durante mais de 35 anos de trabalho em universidades brasileiras, criou amplo quadro de professionais e pesquisadores, tendo ministrado cursos em várias instituições nacionais (Rio Grande do Sul, Goiás, Viçosa, Brasília, São Paulo capital, Sao paulo Esalq) e da América Central (CATIE). Ultimamente estendeu sua missao à Universidade de Berna (Suíça). É “Fellow” do Linnean Society-London (FLS). Mantém o site www.geneconserve.pro.br.

* Artigo originalmente publicado pela UnB Agência.

** Enviado por Edinilson Takara, leitor e colaborador do EcoDebate,

[EcoDebate, 11/02/2009]

Do Prof. Nagib Nassar sugerimos que leiam, também:

Raciocínio científico e critérios justos em falta nos julgamentos da CTNBio, por Nagib Nassar e Gabriel Fernandes

O risco do milho Bt para o Brasil: fundamentos, referências e questões aguardam respostas, por Nagib Nassar

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One thought on “Transgênicos e o novo império, artigo de Nagib Nassar

  • Missao Tanizaki

    Combate aos TRANSGÊNICOS, JÁ ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! !

    O assunto é de interesse de toda HUMANIDADE.

    As MULTINACIONAIS são PERVERSAS e NÃO ÉTICAS – querem apenas LUCROS a qualquer CUSTO, destruindo o Meio Ambiente e a Biodiversidade, nisso incluo o envenenando de toda HUMANIDADE.

    Toda HUMANIDADE, nisso incluo os CIDADÃOS BRASILEIROS, precisa levar em consideração que as CRIANÇAS e até mesmos os FETOS no VENTRE MATERNO serão OBRIGADOS a CONSUMIR os TRANSGÊNICOS – isso é ÉTICO ? ? ? ? ? ? ? ?

    Ninguém de SÃ CONSCIÊNCIA quer isso ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! !

    A situação leva o AGRICULTOR do nosso Brasil e outros Países a ficar refém das MULTINACIONAIS: será forçado a comprar sementes TRANSGÊNICAS, porque a tendência é de faltar outras opções no mercado NACIONAL E INTERNACIONAL, visto que as MULTINACIONAIS tendem a ENGOLIR (eliminar) os PEQUENOS e MÉDIOS PRODUTORES de SEMENTES, em todos os países do mundo, além disso, terá que se submeter a pagar preços cada vez maiores pelo insumo, diminuindo sua margem de lucro, com isso a Sociedade Brasileira, como toda HUMINIDADE, também, ficará refém das conseqüências dessa situação, tornando-se obrigada utilizar esses PRODUTOS TRANSGÊNICOS, porque a situação nos deixará sem alternativa (forçada / imoral – Não ÉTICA) nos obrigando a sujeitar e/ou ser obrigados a correr riscos de terem problemas danosos à Saúde, entre outros problemas. Isso já é de conhecimento dos interessados que vem lutando contra o MONOPÓLIO e ABUSOS das MULTINACIOAIS PERVERSAS.

    Há uma SAÍDA, apontada por um Cidadão Brasileiro, que depende da RESISTÊNCIA e da ORGANIZAÇÃO daqueles que vivem da agricultura e da Sociedade Brasileira. É preciso um esforço concentrado e coletivo na PRESERVAÇÃO das SEMENTES CRIOULAS, “AS SEMENTES DOS AGRICULTORES”, que vêm sendo cultivadas, melhoradas e conservadas por gerações e gerações, adaptadas aos sistemas de cultivo e às condições de solo e clima das diversas regiões dos Países.

    O Monopólio e ABUSO atingem toda HUMANIDADE, portando a LUTA não é são do AGRICULTOR, mas de toda HUMANIDADE.

    Nessa luta, aqui no Brasil, contra o Monopólio e ABUSO, deve participar toda Sociedade Brasileira, nisso incluo os nossos Governantes e Parlamentares e o ESTADO BRASILEIRO, onde me incluo – precisamos estabelecer a UNIÃO (Soma de Esforços) do Povo Brasileiro nessa e outras LUTAS que, de FATO, possa promover o Desenvolvimento SOCIAL e Econômico do Brasil, de FATO, SUSTENTÁVEL. Nos outros Países os seus POVOS devem assumir postura semelhante a nossa.

    Nós FFA’s temos uma obrigação maior de tomar a frente da luta procurando realizar um trabalho que demonstre e convença os Cidadãos Brasileiros de que eles têm DIREITOS à SAÚDE, onde requer ALIMENTOS SEGUROS, mas também tem OBRIGAÇÕES – LUTAR POR SEUS DIREITOS, dando suas CONTRIBUIÇÕES e esquecer aqueles que apenas “PROMETEM = ENGANAM”

    Os colegas que atuam na Área de Produção AGROPECUÁRIA, em especial aqueles que são do ESTADO (Estado não é Governo e Cidadania não é Política e/ou “Politicagem”) em Áreas Afins, como aqueles que atuam na Área de Saúde Pública, Área de Direitos Humanos, Área dos Direitos do Consumidor, Área do Meio Ambiente e Área do Ministério Público, Área da Pesquisa Agropecuária, Área da Produção de Alimentos Industrializados, entre outras, devem entrar nessa LUTA e te consciência de que só a UNIÃO, com somas de esforços, seremos capazes de evitar essa CATÁSTROFE que já ocorreu em outros países.

    Vamos estabelecer uma Mobilização da Categoria dos FFA’s, em buscas de SOLUÇÕES para Produção de Alimentos Saudáveis, sem colocar em risco a SAÚDE HUMANA, contrário aos MONSTROS que desejam ESCRAVIZAR o Povo deste Brasil e dos demais Países do Mundo que sempre utilizaram meios ECUSOS para conseguir seus LUCROS a qualquer CUSTO.

    MISSAO TANIZAKI
    Fiscal Federal Agropecuário
    Bacharel em Química
    missao.tanizaki@agricultura.gov.br (NEW)
    Esplanada dos Ministérios, Bloco “D”, Sala 346-B, Brasíla/DF

    TUDO POR UM BRASIL / MUNDO MELHOR

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