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Sobre energia, eletricidade e eletrodomésticos ineficientes, artigo de Felipe A. P. L. Costa

“Uma das razões para o aumento do consumo per capita é a profusão incessante de máquinas e motores elétricos – alguns desnecessários, outros ainda bastante ineficientes”

Um dos conceitos fundamentais da física é a noção de energia. De acordo com a chamada Lei da Conservação, há uma quantidade de energia no Universo que permanece inalterada, mesmo diante de todas as mudanças que ocorrem na natureza. Diz-se então que a energia é algo que não pode ser criado ou destruído, apenas transformado de um tipo em outro. Há vários tipos de energia, como a energia cinética, gravitacional, elétrica, de massa, nuclear, química, radiante e térmica.

Os seres vivos – incluindo, claro, os seres humanos – não subsistem muito tempo sem uma fonte externa de energia. Diferentemente dos demais seres vivos, no entanto, nossas necessidades de energia têm dois aspectos: um aspecto biológico ou fundamental, que é satisfeito por meio do consumo de alimentos, e um aspecto econômico ou facultativo, representado pela demanda social por fontes de energia (notadamente eletricidade e combustíveis).

No primeiro caso, a palavra ‘fundamental’ serve para enfatizar que nenhum de nós sobreviveria muito tempo sem se alimentar. No segundo, usamos a palavra ‘facultativo’ porque é perfeitamente possível usufruir uma vida digna e saudável sem depender de todas as quinquilharias da vida moderna (automóveis, chuveiro elétrico, ferro de passar roupa etc.).

O aspecto fundamental de nossa demanda por energia não mudou muito ao longo de milhares de anos, contrastando com as mudanças que ocorreram no aspecto facultativo. A demanda social por energia foi satisfeita durante séculos pela queima de material de origem vegetal, notadamente madeira.

Nos últimos 250 anos, porém, com o advento da Revolução Industrial, cresceu muito o número de máquinas e motores em funcionamento, fazendo com que a demanda aumentasse em ritmo acelerado. A queima de carvão vegetal deixou de ser uma opção viável para muitos empreendimentos.

Ao longo do século 20, o funcionamento de máquinas e motores passou a depender quase que exclusivamente da queima de combustíveis fósseis (carvão mineral, gás, petróleo) ou da eletricidade. É importante ressaltar que a geração de energia elétrica não é uma alternativa à queima de combustíveis fósseis. Ao contrário, a maior parte da energia elétrica produzida hoje no mundo é gerada a partir da queima de combustíveis fósseis.

Essa relação pode parecer estranha ao leitor brasileiro, acostumado a pensar em usinas hidrelétricas, mas o fato é que sistema elétrico mundial ainda é dominado por usinas termelétricas movidas a carvão mineral. Um processo grotesco, sujo e primitivo de gerar energia – e que não começou ontem…

Ligando o mundo na tomada

A primeira companhia elétrica do mundo foi inaugurada em 1880, em Nova York (EUA), por Thomas Edison (1847-1931), o inventor da lâmpada elétrica. Sua companhia começou a produzir eletricidade dois anos depois, a partir de um protótipo de usina: uma caldeira a carvão conectada a um motor movido a vapor e a um dínamo. Quando foi inaugurada, em 6/9/1882, a quantidade de energia produzida pela usina era suficiente para acender uma centena e meia de lâmpadas.

O sucesso da energia elétrica foi imediato, enriquecendo os pioneiros e levando as companhias concorrentes (movidas a gás) à falência. Hoje, virtualmente todas as cidades do mundo estão ligadas por fios de transmissão a uma alguma usina geradora de eletricidade.

Na maioria dos casos, o modelo é mais ou menos o mesmo: a corrente elétrica flui a partir de usinas distantes, situadas a dezenas, centenas ou milhares de quilômetros até o interior da casa de cada um de nós.

A primeira usina geradora de energia elétrica construída no país foi uma termelétrica, instalada em Campos (RJ). O objetivo era gerar eletricidade para uso público e doméstico na capital do país, então a cidade do Rio de Janeiro.

Pouco depois, foram construídas as duas primeiras hidrelétricas, ambas em Minas Gerais e para uso privado: a primeira em Diamantina (1883), a segunda em Nova Lima (1887). A primeira hidrelétrica brasileira a gerar eletricidade para uso público foi a Usina de Marmelos (1889), instalada em Juiz de Fora (MG). De lá para cá, elas proliferaram pelos quatro cantos do país, alterando a geologia, a ecologia e a sociologia de muitos lugares.

Uma usina hidrelétrica – seja Marmelos ou Itaipu (a maior hidrelétrica em operação a fornecer eletricidade aos consumidores brasileiros) – pode ser descrita como um conjunto de obras e equipamentos (sistemas de captação e adução de água, casa de força etc.) organizados de modo a converter o potencial hidráulico de um corpo d’água em eletricidade. Tanto em Marmelos como em Itaipu, é o desnível no curso d’água (natural ou artificial) que estabelece o potencial hidráulico a ser explorado.

Construir ou repontenciar usinas hidrelétricas?

Embora o potencial hidráulico dos rios possa ser visto como uma fonte renovável de energia, as hidrelétricas têm uma vida útil relativamente curta. A razão principal disso é que o desnível criado pela barragem tende a diminuir, reduzindo a capacidade geradora da usina. Isso ocorre porque a própria barragem acelera o depósito de partículas (grãos de areia etc.) no fundo, diminuindo o desnível e, conseqüentemente, a capacidade de armazenamento do lago.

Fenômeno semelhante ocorre no leito de lagos e lagoas naturais: com o tempo, o acúmulo de sedimentos trazidos pelas águas dos rios tende a preenchê-los, o que faz com que eles desapareçam. (Diferentemente dos rios, que podem correr sobre um mesmo leito durante milhões de anos, lagos e lagoas têm um tempo de vida bem mais curto, em geral de apenas alguns milhares de anos.)

Nas hidrelétricas, a sedimentação de partículas em suspensão pode ser evitada ou revertida por meio da remoção periódica do material acumulado no fundo. Desse modo, a capacidade geradora volta a se aproximar do patamar original, um processo que os técnicos chamam de repotenciação.

Embora seja uma alternativa óbvia à alegada necessidade de construção de novas usinas (políticos, administradores e capitães de indústria estão sempre de olho nas grandes obras), na prática esse processo não tem sido devidamente utilizado entre nós. No fim das contas, talvez não seja difícil entender porque há tanta má vontade em torno desse assunto: afinal, construir novas hidrelétricas é um modo muito mais lucrativo de ganhar dinheiro (nem sempre de modo lícito, é bom que se diga) do que simplesmente ficar repotenciando usinas antigas.

A produção de energia elétrica

Entre 1971 e 2005, a produção mundial de eletricidade cresceu de 5.310 para 18.580 TWh (lê-se terawatt-hora; um terawatt, TW, equivale a um trilhão de watts). Esse crescimento corresponde a um aumento de aproximadamente 250%.

Nesse mesmo período, a população mundial passou de 3,78 para 6,45 bilhões de habitantes, um aumento de ‘apenas’ 71% (Nota 1). Assim, além do esperado aumento vegetativo no consumo total de energia, em função de um efetivo populacional maior, houve um aumento ainda mais expressivo no consumo per capita, a tal ponto que em 2005 o consumidor médio gastou mais do que o dobro do que gastou em 1971.

Em 2005, os Estados Unidos, maior produtor mundial, gerou 4.062 dos 18.580 TWh produzidos em todo o mundo. No mesmo ano, o Brasil produziu cerca de 400 TWh, dos quais 95 TWh foram gerados em Itaipu. A maior parte da energia produzida no Brasil é consumida pela indústria (41%; a indústria do alumínio está entre as campeãs de consumo), vindo em seguida o uso residencial (26%; refrigeradores e chuveiros elétricos são os maiores vilões do consumo doméstico). Os 33% restantes são consumidos pelo comércio (16%) e demais setores da vida econômica (serviços públicos, iluminação pública etc.), além dos gastos inerentes ao próprio sistema de geração, transmissão e distribuição de energia (Nota 2).

Em resumo, o consumo mundial de eletricidade tem aumentado ao longo dos anos por dois motivos principais: crescimento populacional e principalmente aumento do consumo per capita. Uma das razões para o aumento do consumo per capita é a profusão incessante de máquinas e motores elétricos – alguns desnecessários, outros ainda bastante ineficientes.

Eletrodomésticos ineficientes

Os gastos excessivos e a tendência ao desperdício tornam-se ainda mais preocupantes quando lembramos que, nos últimos anos, tem havido uma pressão (principalmente nos países mais ricos) no sentido de aumentar a eficiência energética dos produtos que a indústria despeja no mercado. Significa dizer que uma máquina fabricada em 2005, por exemplo, deveria gastar menos energia para fazer o mesmo tipo de trabalho que um modelo equivalente produzido em 1971.

Essa melhora na eficiência energética vem ocorrendo em vários setores e lugares, embora não seja universal e ainda varie bastante de um país para outro. Eis um exemplo: o consumo de um refrigerador de médio porte (modelo do tipo frost free, com capacidade para 250 l) fabricado no Brasil é de aproximadamente 1,2 kWh/dia – o que equivale a 36 kWh/mês ou 432 kWh/ano (Nota 3). Embora um refrigerador com esse nível de consumo seja classificado pelos padrões brasileiros atuais como ‘econômico’, o seu proprietário terá de desembolsar um bom dinheiro para mantê-lo ligado na tomada.

Por sua vez, um refrigerador fabricado nos Estados Unidos consome em média 0,5 kWh/dia, enquanto um refrigerador de médio porte (frost free, 350 l) fabricado na Dinamarca consome 0,375 kWh/dia. Modelos menores consomem ainda menos. Trocando em miúdos, um refrigerador fabricado na Dinamarca é três vezes mais eficiente (ou três vezes menos perdulário) que um modelo equivalente produzido no Brasil.

Ora, com todos os propalados avanços tecnológicos da indústria nacional, por que ainda nos defrontamos com uma diferença assim tão grande? Admitindo que a resposta não tenha a ver com má-fé nem com o contraste climático entre os dois países, restaria saber: os técnicos (engenheiros, projetistas etc.) dinamarqueses são muito mais criativos que os seus colegas brasileiros? A indústria brasileira é muito mais obsoleta que a dinamarquesa? Ou será que os consumidores brasileiros é que são muitos menos exigentes que os dinamarqueses?

Notas

1. UNPD. World Population Prospects: The 2006 Revision Population Database. Disponível em: http://esa.un.org/unpp/.

2. Aneel. Atlas de Energia Elétrica do Brasil, 2ª edição. Disponível em: http://www3.aneel.gov.br/atlas/atlas_2edicao/index.html.

3. Inmetro. Tabelas de consumo/eficiência energética. Disponível em: http://www.inmetro.gov.br/consumidor/tabelas.asp.

Felipe A. P. L. Costa é biólogo (meiterer@hotmail.com), autor de ‘Ecologia, evolução & o valor das pequenas coisas’ (2003) e ‘A curva de Keeling e outros processos invisíveis que afetam a vida na Terra’ (2006). Artigo enviado pelo autor ao “JC e-mail”

Artigo originalmente publicado no Jornal da Ciência, SBPC, JC e-mail 3699, de 10 de Fevereiro de 2009 e reproduzido pelo Ecodebate, 11/02/2009

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2 thoughts on “Sobre energia, eletricidade e eletrodomésticos ineficientes, artigo de Felipe A. P. L. Costa

  • Eu diria que os brasileiros nem sabem o que compram.

  • Maria Eduarda Petruz

    adorei o texto e foi muito util para mim

Fechado para comentários.