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Santa Catarina e o Código Florestal

Blumenau (SC) - Casas no bairro Progresso. Foto: Wilson Dias/ABr
Blumenau (SC) – Casas no bairro Progresso. Foto: Wilson Dias/ABr

As tentativas de se alterar o Código Florestal brasileiro (Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965) são quase tão constantes quanto o empenho com que essa lei é acintosamente ignorada e desrespeitada, seja por produtores rurais, seja pela população e poder público urbanos. Dois fatos relacionados a esse mesmo problema têm ocupado a mídia nas últimas semanas, porém somente em algumas poucas manifestações se abordou a relação entre elas.

A maior parte da cobertura jornalística sobre a devastação causada pelas chuvas em Santa Catarina ainda mostra o tragédia como uma fatalidade, destinada a mostrar o melhor do ser humano nos atos de heroísmo, durante os salvamentos, e da solidariedade daqueles que se ajudam durante o infortúnio comum e dos demais que enviam donativos. Mas, como a lembrar que a era da inocência está acabando, algumas vozes insistem em mostrar que as conseqüências das chuvas fora do normal, que caem de tempos em tempos, estão cada vez maiores justamente por conta do desprezo pelas leis da natureza e também pelas leis do País.

Em uma prova de insensibilidade aos fatos, nesta semana uma proposta do Ministério da Agricultura e de parlamentares ruralistas para alterar o Código Florestal anistia de forma irrestrita as ocupações irregulares em Áreas de Preservação Permanente ocupadas até 31 de julho de 2007. Isso inclui topos de morros, margens de rios, restingas, manguezais, nascentes, montanhas, terrenos com declividade superior a 45º. Permite, ainda, que se compense áreas desmatadas na Mata Atlântica (como é o caso de Santa Catarina) ou no Cerrado por floresta na Amazônia.

“A vulnerabilidade extrema do território de Santa Catarina é devida principalmente a desmatamento local, com alterações expressivas no uso do solo e na gestão das águas. Se o Código Florestal tivesse sido respeitado, especialmente no que diz respeito às áreas de preservação permanente (APP), não veríamos erosão e assoreamento nessa escala. Fator agravante é a crescente população localizada em áreas de risco. Mas há outras contradições paradoxais, na contramão da história: enquanto as manchetes contabilizam as vítimas, no Congresso Nacional se cogita ‘flexibilizar’ o Código Florestal, tanto no que diz respeito ao desmatamento em geral (a chamada reserva legal) quanto em relação às citadas APPs. Em ambos os casos, a base do raciocínio é o reconhecimento do fato consumado”, disse o ambientalista Roberto Smeraldi, diretor da Amigos da Terra-Amazônia Brasileira, em artigo publicado na Folha de S. Paulo, do último dia 2 de dezembro.

A indignação ao projeto, que pode ser colocado em votação na Câmara dos Deputados ainda este ano, foi tão grande que as organizações ambientalistas que acompanhavam as reuniões do grupo de trabalho formado pelos Ministérios da Agricultura, do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário para discutir o Código Florestal resolveram se retirar das negociações por não acreditarem na seriedade e no compromisso do grupo. Entidades como o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Greenpeace, Conservação Internacional e Amigos da Terra-Amazônia Brasileira divulgaram um documento em que afirmam que a proposta apresentada “ofende o interesse público, a legalidade e os agricultores que cumprem a legislação”.

A proposta é tão polêmica que causou uma troca de acusações entre os ministros da Agricultura, Reinhold Stephanes, proponente e defensor do pacote de medidas, e o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, que afirmou que nem a sua pasta nem o Ministério de Desenvolvimento Agrário aceitam os termos do Ministério da Agricultura.

Enquanto Stephanes defende que é preciso manter a agricultura “em topos de morro, serra e várzea em áreas já consolidadas”, sob pena de inviabilizr várias culturas em estados como Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Minas Gerais e afirma que o desmatamento é problema de incompetência do Ministério do Meio Ambiente, que não consegue colocar na cadeia quem derruba madeira, Minc afirma que o ministro da Agricultura está “temporariamente descompensado”. E foi à TV em Rede Nacional, no último dia 5, apresentar o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, prometendo metas de diminuição do desmatamento e conclamando a população para colaborar no combate às mudanças climáticas.

Sem um entendimento interno no governo sobre questões tão relevantes, porém, é difícil imaginar providências com a eficiência necessária para enfrentar o que vem pela frente, como mostrou, em matéria publicada em O Globo, do dia 28 de novembro, Carlos Nobre, do INPE. Segundo o climatologista, pesquisas recentes produzidas em Santa Catarina indicam que está ocorrendo uma mudança nos padrões climáticos do Estado. Desde 2006, os levantamentos mostravam evidências de aumento das chuvas torrenciais e dos períodos de seca. Os efeitos em Santa Catarina são compatíveis com o aquecimento global, somados a dois fatores: crescimento urbano desordenado e desmatamento. “O que vemos em Santa Catarina é um espelho do futuro das nossas cidades. As indicações são de extremos de chuvas torrenciais e grandes secas”, disse.

* Originalmente publicado em Clima em Revista, n° 9, Dez. de 2008/Jan. de 2009. Clima em Revista é uma publicação mensal on-line do Instituto de Pesquisas da Amazônia (IPAM)

Edição e reportagens: Maura Campanili

[EcoDebate, 08/01/2009]

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2 thoughts on “Santa Catarina e o Código Florestal

  • Osvaldo Ferreira Valente

    Infelizmente, o grande problema nosso, no Brasil, é acreditarmos que os problemas ambientais serão resolvidos com legislação.O caso de Santa Catarina, por exemplo, não poderá ser resolvido com o Código Florestal. Vimos deslizamentos de encostas totalmente cobertas com florestas. As árvores acabaram plantadas nos vales. Além do mais é impossível, como quer o Código Florestal, estabelecer procedimentos únicos para todos os biomas brasileiros.Problemas ambientais são resolvidos com tecnologias apropriadas às especificidades locais. As leis deveriam apenas exigir planos de ocupação ou utilização assinados por responsáveis técnicos, particulares ou de engenharia pública, disponibilizada para aqueles que não podem pagar.

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