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Artigo

Só a quebradeira para ajudar o meio ambiente, artigo de Washington Novaes

A melhora, se vier, virá mais em função da crise que da eficácia política

[O Estado de S.Paulo] Como estará o Brasil em 2009 diante das graves questões na chamada área ambiental, que aos poucos vão sendo entendidas como problemas que afetam todos os setores da vida humana ? A resposta paradoxal é de que poderá estar melhor; mas isso, se acontecer, se deverá mais à crise financeira – que restringirá investimentos em certas áreas, inibirá atividades em outras – que a políticas bem concebidas e eficazes.

É preciso começar relembrando o que se cansou de dizer o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan: os problemas centrais de humanidade, que afetam hoje a própria sobrevivência da espécie humana, são mudanças climáticas e padrões insustentáveis de produção e consumo no mundo, já além da capacidade de reposição de serviços e recursos naturais pela biosfera terrestre. E, no Brasil, nossa situação é muito problemática nas duas áreas.

Pode-se começar pela questão do clima e, no seu percurso, pela Amazônia e cerrado. Ainda este mês, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente divulgou documento que mostra a possibilidade de prejuízos de US$ 1 trilhão só com os efeitos do desmatamento na Amazônia sobre o clima do Centro-Oeste e outros países do Cone Sul. Porque na Amazônia – como lembra o professor Antônio Nobre – se evaporam 20 bilhões de toneladas de água por dia e parte disso chega ao centro do país e ao Cone Sul (Estado, 3/12). Com a redução da biomassa, tenderá a alterar-se o regime de chuvas.

A situação do bioma amazônico é difícil. Ele responde por 59% das emissões por desmatamento e queimadas no País. Estas, por sua vez, significam 75% do total das emissões brasileiras (os outros 41% se devem quase apenas ao cerrado, que tem perdido com desmatamento 22 mil km² anuais). Mas o Brasil não tem estratégia para a Amazônia e o cerrado. Não há recursos sequer para implantar um cadastro de propriedades amazônicas. O Ministério do Meio Ambiente só tem 0,5% do orçamento federal, sem recursos para monitorar, fiscalizar, impedir o desmatamento ilegal (de 80% a 90% do total). O governo federal não consegue sequer cuidar ali das terras da União (47% do total), das áreas indígenas (quase 13%), das áreas protegidas. Não implanta a chamada transversalidade no governo. Reserva legal nas propriedades é ficção legal (e um decreto presidencial acaba de prorrogar por um ano o prazo para que grandes desmatadores recomponham sua reserva). Os gastos federais na Amazônia (4,05% do total) são muito inferiores a sua participação na população do País (12%). A região continua a ser o desaguadouro de migrações de desempregados.

Agora, acabamos de adotar um Plano Nacional de Mudanças Climáticas, que pretende reduzir o desmatamento na Amazônia em 40% entre 2006 e 2010, calculado sobre a média do desmatamento entre 1996 e 2005, que foi de 19,5 mil km². Ou seja, chegar a 2009 com 9,2 mil km² (este ano, o desmatamento foi de 12 mil km² e em 20 anos a taxa nunca esteve abaixo de 11 mil km²). Mais 30% precisarão ser reduzidos entre 2010 e 2013, e outros 30% entre 2014 e 2017, para chegar a este último ano com 5,7 mil km² de desmatamento e 70 mil km² desmatados daqui até lá. Essa “meta interna” foi levada à recente reunião da Convenção do Clima na Polônia, com o argumento de que evita a emissão de 4,8 bilhões de toneladas de carbono. Só que em parte se refere ao passado. E se trata de meta interna, não de compromisso no âmbito da convenção (que o Brasil ainda não se dispôs a assumir). Ainda assim, estamos pedindo que os países industrializados contribuam com US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões por ano, para que o combate ao desmatamento seja factível. É possível, porém, que o desmatamento se reduza por causa da queda na expansão da agropecuária (soja e carnes exportáveis na região) e no preço das commodities.

Os cenários traçados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para o Brasil são graves: a persistirem os atuais níveis de emissões, a temperatura na Amazônia poderá elevar-se até 6 graus; 3 a 4 graus no Centro-Oeste; e influências fortes em outras regiões do País, principalmente no semi-árido, que poderá perder 20% de seus recursos hídricos.

Provavelmente se agravarão as pressões para que o Brasil reduza suas emissões também pela agricultura e pecuária (que no mundo respondem por quase 20% do total). Temos um rebanho bovino de cerca de 200 milhões de cabeças e cada animal adulto emite 58 quilos de metano por ano (segundo a Embrapa Meio Ambiente). No total, cerca de 10 milhões de toneladas de metano por ano, que equivalem a mais de 200 milhões de toneladas de carbono, quase tanto quanto nossa indústria e transportes emitiam em 1994 (data do único inventário divulgado; está prometido outro para este ano; fora do Brasil, estimativas têm apontado emissões de 11 a 12 toneladas anuais por brasileiro, que significariam mais de 2 bilhões de toneladas/ano, o dobro do inventário de 1994). Também neste caso a crise econômica poderá ajudar no balanço.

Na questão do consumo de recursos e serviços naturais, também estamos fora dos limites, com a utilização média de 2,1 hectares para atender à necessidade de cada pessoa, quando a disponibilidade média mundial é de 1,8 hectare (nos EUA, o uso é de mais de 10 hectares por pessoa/ano). Também contribuímos para que o uso de serviço e recursos naturais já esteja em 30% além do que a biosfera terrestre pode repor, segundo o relatório Planeta Vivo 2006, do WWF, e outros diagnósticos. Cuidamos mal dos nossos recursos hídricos, com todas as bacias hidrográficas, da Bahia ao Sul, em situação “crítica”, segundo a Agência Nacional de Águas; da nossa biodiversidade; dos nossos recursos marinhos.

Falta-nos uma estratégia adequada, como a que a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência propôs há poucos anos: desmatamento zero e forte investimento para formação de pesquisadores e instituições de pesquisa voltadas para o estudo e aproveitamento da biodiversidade; expansão agropecuária só nos mais de 200 mil km² já desmatados e sem aproveitamento econômico. Se serviços e recursos naturais são hoje o fator escasso no mundo e nós os temos em relativa abundância, deveríamos colocar isso no início e no centro de uma estratégia nacional – já que temos território continental, sol o ano todo, de 15% a 20% da biodiversidade mundial, 12% do fluxo hídrico planetário, a possibilidade de matriz energética “limpa” e renovável, com hidreletricidade, energia solar, eólica, das marés, biocombustíveis. Temos tudo de que o mundo precisa e carece. Mas continuamos com uma estratégia de crescimento econômico puro e simples, a qualquer preço, desperdiçador de recursos. Já passou da hora de mudar.

Washington Novaes é jornalista . E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

* Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo, 20/12/2008.

[EcoDebate, 23/12/2008]

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