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Universidades apuram conflito de interesse no patrocínio de R$ 1 milhão de entidade ligada à indústria em pesquisa sobre males do amianto

Telhas de amianto. Foto do Ciência Hoje Online
Telhas de amianto. Foto do Ciência Hoje Online

Pesquisa sobre males do amianto tem verba do setor – Duas universidades públicas de São Paulo – USP e Unifesp – investigam a denúncia de conflito de interesse em uma pesquisa que está sendo feita para avaliar os efeitos da exposição de moradores de casas com cobertura de amianto e trabalhadores do setor à fibra. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Instituto Nacional de Câncer (Inca) classificam o material como cancerígeno.

O estudo Asbestose Ambiental, desenvolvido por pneumologistas das duas universidades e um da Unicamp, tem financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Instituto Brasileiro de Crisotila (IBC), que é ligado à indústria do amianto. O órgão público destinou R$ 1 milhão ao projeto e R$ 1 milhão é do IBC. O restante é financiado pelo governo de Goiás. Matéria de Emilio Sant’Anna, no O Estado de S.Paulo, Sexta-Feira, 19 de Dezembro de 2008.

O financiamento chamou a atenção da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea). “Jamais isso poderia acontecer, pois eles não declararam para as comissões de ética das universidades que a pesquisa receberia receitas do IBC”, afirma a presidente da Abrea e auditora fiscal do Ministério do Trabalho, Fernanda Giannasi. Segundo ela, o IBC tem interesses diretos nos resultados da pesquisa.

Os pneumologistas Mário Terra Filho, do Instituto do Coração (Incor), ligado à Faculdade de Medicina da USP, Ericson Bagatin, da Unicamp, e Luiz Eduardo Nery, da Unifesp, também avaliam, em consultório particular, ex-funcionários de empresas e mineradoras de amianto para fins de obtenção de acordos extrajudiciais. “Os mesmos laudos que emitem para as indenizações são usados com o timbre das três universidades para a pesquisa”, completa Fernanda.

Na USP, a investigação aguarda posicionamento do departamento jurídico da superintendência do Hospital das Clínicas (HC). “Fui surpreendido com essa informação”, diz o diretor da Faculdade de Medicina da USP, Marcos Boulos, que determinou a instauração da investigação. “Se foi como está sendo dito, claramente existe conflito.”

O diretor do comitê de ética em pesquisas da Unifesp, José Osmar Pestana Medina, diz não poder informar como o assunto está sendo tratado. Mas revela que a pesquisa não foi apresentada ao comitê antes de ser divulgada com o nome da universidade.

O trabalho é uma continuação de um estudo coordenado por Bagatin. Em nota, a Unicamp informa que a pesquisa anterior foi aprovada pelo comitê de ética e que nesta fase coube à USP e Unifesp a avaliação dos pacientes.

INTERESSES

Terra reconhece que o estudo foi aprovado sem a declaração de que receberia verbas do IBC e que realiza exames de pacientes expostos ao amianto em seu consultório. Para ele, porém, isso não implica conflito de interesses. “Faço os exames a pedido do sindicato dos funcionários”, afirma.

O professor do Departamento de Bioética da FMUSP e membro do Centro de Bioética do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), Reinaldo Ayer, afirma que conflito de interesses em estudos sempre vai existir, mas em pesquisas que avaliam prejuízos causados aos pacientes é preciso mais cuidado. “O conflito de interesses fica evidente se o autor do suposto mal financia o projeto”, diz.

Terra afirma que o que está em jogo são interesses políticos e financeiros. Bagatin concorda. O médico da Unicamp estranha que não se conteste a metodologia do estudo, mas apenas o financiamento. “Trabalhamos há 15 anos com esse tipo de estudo para obter dados científicos brasileiros para dar condições de discutir se é possível ou não usar o material de forma segura”, diz.

De acordo com o CNPq, nenhuma anormalidade foi constatada na aprovação da pesquisa. Segundo Bagatin, o mesmo aconteceu durante a realização da primeira pesquisa e a investigação na Unicamp comprovou que não havia irregularidade. Ele afirma que o mesmo ocorrerá desta vez.

O IBC é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). A entidade pode articular acordos de cooperação com órgãos governamentais. A presidente-executiva do IBC, Marina Júlia de Aquino, afirma que como o financiamento era insuficiente, a entidade “se comprometeu a procurar órgãos do governo para disponibilizar verbas”.

Marina diz que o Ministério Público do Estado foi convidado a acompanhar a pesquisa. “Não vejo possibilidade de conflito de interesses. Todos sabem que as verbas para pesquisas são insuficientes no Brasil e, como não foi possível obter financiamento do governo, o instituto fez o aporte.”

Nota do EcoDebate: para outras informações acessem nossa tag “amianto“.

[EcoDebate, 19/12/2008]

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