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BREJO DOS CRIOULOS:’Nós estamos vivendo situação de humilhação’, denuncia remanescente de quilombo em audiência pública


Foto: Maria Tereza Queiroz Carvalho

“Quilombo, Quilombo não vive cansado! É melhor morrer lutando do que ser escravizado!” – O grito de desabafo foi puxado por um remanescente quilombola na tarde de quarta-feira, 26 de novembro de 2008, na Câmara Municipal de Montes Claros, durante audiência pública que durou cerca de quatro horas e que foi realizada pela Relatoria Nacional para os Direitos Humanos à Alimentação Adequada e Terra Rural. Após receber denúncias de violação dos direitos humanos das famílias de remanescentes quilombolas do Brejo dos Crioulos, situado nos municípios de São João da Ponte, Verdelândia e Varzelândia, Norte de Minas Gerais, a Relatoria resolveu promover essa audiência, sendo que um dia antes ela visitou o lugar e pôde ver a realidade.

Participaram do evento o procurador da República, Allan Versiani, o relator nacional para os Direitos Humanos à Alimentação Adequada e Terra Rural, Clóvis Roberto Zimmermann, que foi o mediador do encontro, o superintendente-adjunto do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária de Minas Gerais (Incra-MG), José Hélber Sarmento Bastos, o antropólogo e professor da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), João Batista de Almeida Costa, o Centro de Referência, Apoio e Defesa da Cidadania (Cerradania), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Arquidiocese de Montes Claros, demais movimentos e pastorais sociais, dentre outras entidades. Aproximadamente 50 remanescentes quilombolas do Brejo dos Crioulos, entre crianças, jovens, adultos e idosos, estavam presentes à audiência.

Despejos ilegais e esvaziamento de acampamentos por milícias armadas, lentidão do Incra e ação truculenta da Política Militar do Estado de Minas Gerais foram alguns dos problemas relatados pelos quilombolas. Além disso, existem dificuldades para trabalhar na pequena área “deixada” pelos latifundiários para os descendentes de escravos, burocracia estatal que parece não ter fim e ameaças de morte feitas por jagunços contratados.

No Brejo, ocorrem freqüentemente disparos pequenos de armas de fogo contra essas populações tradicionais, mas também há disparos de quase 100 tiros de fazendas da região em direção a essas pessoas. O decreto presidencial 4887/2003, assinado por Luiz Inácio Lula da Silva, regulamentou a demarcação e a titulação dos territórios dessas comunidades. Em 2001, o Brejo dos Crioulos conseguiu o seu reconhecimento de comunidade quilombola.

Triste constatação

“Está mais que provado que o Estado é contra a população quilombola”, concluiu um descendente de quilombo na audiência e indagou. “Queremos saber se o Incra tem propostas ou se está esperando alguém morrer para agir”. “Se morrer, quem vai morrer é a população quilombola porque o latifúndio está bem armado”, revelou. Liderança do Brejo dos Crioulos, que está ameaçada de morte pelos grupos armados que circulam na região, segundo informações da CPT Arquidiocesana, José Carlos Oliveira Neto reclamou da demora do Incra em resolver a questão. “Os quilombolas não podem ocupar, mas, como não vamos ocupar, se o Incra promete a emissão de títulos de terra e não cumpre?”, indagou.

João Pedro pediu mais segurança para as populações tradicionais. “Tem dia que deito e não sei se vou amanhecer vivo”, declarou ao contar que policiais militares invadiram a sua casa, sem mandado. “Tenho mãe de 87 anos. Sou eu quem cuido dela”, salientou ao observar que ele tenta preservar a sua mãe desses assuntos complicados. João Pedro reclamou da Polícia local – de Varzelândia, Verdelândia, Janaúba e São João da Ponte. Criticou o desmatamento ilegal que acontece nas terras históricas do Brejo. Os fazendeiros mandam queimar, a Polícia multa, há denúncias, mas as queimadas retornam.

“No meu conhecimento, a Polícia era para defender qualquer cidadão. Hoje penso que não”, entristece-se João Pedro. “Nós somos cidadãos brasileiros porque temos documento, mas somos excluídos”, afirmou. “Nós, do Brejo, estamos vivendo situação de humilhação”. “A gente ficar na roça sem lugar pra plantar é a mesma coisa de estar debaixo da ponte na cidade sem trabalho”, comparou.


Foto: Maria Tereza Queiroz Carvalho

Hábitos

Na luta desde 2004 pela sua regularização fundiária, o Brejo dos Crioulos é formado por nove comunidades: Araruba, Orion, Arapuim, Caxambu I, Caxambu II, Furado Seco, Furado Modesto, Conrado e Serra D’Água. São 500 famílias no Brejo dos Crioulos, cerca de cinco mil pessoas, que sobrevivem de sua cultura de subsistência: rezam e trabalham para plantar, colher, comer e viver.

Matéria da Arquidiocese de Montes Claros, enviada por Alexandre Gonçalves, CPT/MG

[EcoDebate, 28/11/2008]

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