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Fogo destrói metade da mata nativa da Chapada Diamantina. Falta apoio aos brigadistas

Queimada no Cerrado, em foto de arquivo
Queimada no Cerrado, em foto de arquivo

Cerca de 75 mil hectares de reserva natural do Parque Nacional da Chapada Diamantina já foram consumidos pelo fogo no último mês, conforme levantamento do Instituto Brasileiro de Recursos do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA) e do parque.

A área corresponde a 50% da floresta nativa destruída até a noite de domingo – na madrugada de ontem, mais 4 mil hectares viraram cinzas no Vale do Capão, município de Palmeiras, a 448 km de Salvador.

Onze municípios registram queimadas. Até o fechamento desta edição, oito focos ainda não haviam sido controlados em todas as seis localidades que compõem o Parque Nacional. Por Emanuella Sombra, enviada à Chapada Diamantina, no A Tarde, BA, 10/11/2008.

Num deles, em Mucugê, o estrago se estende em 20 quilômetros de linha de fogo pela reserva florestal.

“Há lugares que, se não houver um reflorestamento, a mata nunca mais vai para frente.

Estão queimando áreas em Lençóis e Itaeté que nunca foram atingidas”, afirma Christian Berlinck, chefe do parque.

“É a maior dos últimos tempos.

Houve grandes queimadas em 1998 e 2003, mas este ano a situação fugiu do controle”, explica Berlink. Aliado à baixa umidade relativa do ar e ao forte calor – não chove há seis dias na região – existe a ação criminosa de agricultores, garimpeiros, e incendiários.

“Aqui está cheio de piromaníacos, pessoas que gostam de provocar fogo simplesmente para observar o incêndio. Em Mucugê, por exemplo, um homem de 85 anos que tem problemas mentais e provoca incêndio todos os anos”.

Biólogo e analista ambiental do Instituto Chico Mendes (órgão resultante da cisão do IBAMA e que administra áreas protegidas), Cezar Gonçalves vai além.

“Com certeza todo o ecossistema está comprometido. Os animais que não morrerem queimados certamente morrerão de fome”.

Segundo o biólogo, duas onças foram encontradas mortas ontem, carbonizadas pelas chamas.

Ele estima que espécies de aves só existentes na Chapada, como o beija-flor de gravata vermelha e o papa-formiga, podem já ter desaparecido.

“No parque existem 370 espécies de aves, e esta época é de reprodução, há muitos ninhos nas copas árvores”, lamenta. O tamanho do estrago, de acordo com o ambientalista, ainda não pode ser calculado, embora ele explique que orquidáceas e semprevivas estão na rota do fogo.

“Sem falar nos répteis e mamíferos nativos, como preás, mocós e cotias. É uma tragédia ambiental”, constata Chico Gonçalves.

Quatro aeronaves AT-802 montam base no aeroporto de Lençóis, onde um comando sob a Coordenação da Defesa Civil do Estado da Bahia realiza combates aéreos nos focos de incêndio.

Na quinta-feira passada, um avião C-130 Hércules da Força Aérea Brasileira (FAB), habitual em missões de guerra, foi enviado para a operação. Os cinco aviões lançam sobre os focos um agente bloqueador líquido que, além de apagar o fogo, interrompe a propagação das chamas.

“Não poderíamos ter um suporte aéreo melhor. O problema é que os focos são muito grandes, e o calor facilita o fogo recomeçar onde ele já foi apagado. Além disso, não adianta fazer lançamento aéreo se não houver brigadistas”, explica Christian Berlinck. Cansadas, as equipes voluntárias são transportadas 24 horas por terra e ar, às vezes em locais onde só é possível chegar de helicóptero.

São 150 moradores da região apagando os focos e 42 contratados pelo IBAMA, de acordo com a chefia do parque. Noutra frente, 50 bombeiros militares são movidos de helicóptero até regiões de canyons onde é impossível chegar de carro.

Cristine Tascoli, da Associação de Condutores e Visitantes do Vale do Capão, relata que o incêndio ocorrido na madrugada de ontem na Serra do Morrão será difícil de ser reparado. “A parte turística queimou toda. Se você quer fazer uma trilha de Lençóis para o Capão, você anda pelas cinzas. Do Morro do Pai Inácio para o Capão, a mesma coisa”.

Segundo Cristine, uma queimada como a ocorrida ontem na Serra do Morrão compromete não só a reserva, mas o turismo local.

“Foram cerca de 16 km de incêndio que começou na quartafeira passada. O fogo contornou o Morrão inteiro, varou dois municípios. Apesar de ser triste, eu fiquei horas olhando aquela paisagem. Era uma coisa de outro mundo”. O trajeto do fogo, segundo a guia turística, foi parcialmente controlado durante a noite, com a ação de moradores.

Falta apoio aos brigadistas

Na garagem do Parque Nacional da Chapada Diamantina, em Palmeiras, as cinco picapes de transporte de brigadistas estão quebradas. “A gente arruma carros de parceiros, alguns têm veículo, e fornecemos o combustível”, explica Christian Berlinck, chefe do parque. Este ano, o IBAMA não disponibilizou equipamentos de proteção individual.

Voluntários trabalham sem botas, calças e jaqueta, capacete, óculos e protetor de rosto.

“Uma coisa que dificultou o combate foi a divisão do IBAMA e do Instituto Chico Mendes, antes um só. O Prevfogo atua sob coordenação do primeiro, enquanto que as unidades de conservação, sob tutela do Chico Mendes”. As forças voluntárias também não são as mesmas de antes. Adroaldo Vasconcelos, coordenador da ONG Via Condutor, que centraliza a rede de brigadas, diz que em 2003 havia o dobro.

De acordo com Adroaldo, em 2003, o parque contava com mais de 300 voluntários, enquanto as áreas queimadas não passavam de mil hectares. “O que se queimava por ano hoje corresponde a apenas um foco isolado”. Ele diz que a inexistência de um comando unificado resulta em desperdício de recursos. “Nós passamos dois dias num foco e nenhuma aeronave foi lá; ontem (anteontem) é que o Hércules passou, errou o alvo e não voltou”.

Pela primeira vez um C-130 Hércules é utilizado na região da Chapada Diamantina. Fabricado em 1964, já atuou nas missões do Haiti, Congo e Angola. Quando usado em missões de incêndio, tem capacidade de armazenar 12 mil litros de bloqueador e realizar seis lançamentos/dia.

Com capacidade menor – 3 mil litros de agente bloqueador – duas das quatro aeronaves AT-802, terceirizadas pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), permaneceram sábado no aeroporto de Lençóis. De acordo com um representante da empresa América Sul, que presta o serviço, elas poderiam realizar até cinco lançamentos/hora, mas só fizeram quatro.

RECURSOS – A TARDE não conseguiu esclarecer com o coordenador da operação, coronel Miguel Filho, do Corpo de Bombeiros, a razão para as poucas decolagens.

O superintendente de Florestas, Conservação e Biodiversidade, Marcos Ferreira, informou que a Sema repassou R$ 1,8 milhão para as ações de combate aos focos de incêndio na Chapada, recurso usado na compra de combustível para veículos e aeronaves e de equipamentos para as brigadas de combate.

Segundo Marcos, há 60 dias começou a ser feito o planejamento do Programa Chapada sem Fogo, que envolveu inclusive investigações feitas pela Companhia de Polícia Ambiental (COPA) para detectar responsáveis por focos de fogo de origem criminosa. Os recursos foram repassados há cerca de 10 dias. O superintendente regional IBAMA, Célio Costa Pinto, lembra que o parque é administrado pelo Instituto Chico Mendes e que tem cabido aos analistas a articulação com os órgãos do Estado.

[EcoDebate, 11/11/2008]

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