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Artigo

Cem dias de Minc: muita luz, muita sombra, artigo de Sérgio Leitão

Os rumos das questões ambientais do governo Lula não estão somente nas mãos do ministro

[Valor Econômico] O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, chega hoje ao seu centésimo dia de governo em clima de bandeira branca, buscando restabelecer a confiança inicial com os ambientalistas, abalada pelos controversos acordos com seu colega Reinhold Stephanes, da Agricultura.

O tema da negociação entre os dois – negada em reunião de Minc com ONGs – seria a recuperação da reserva legal com o plantio de espécies exóticas e a defesa de ajustes no decreto nº 6.514/08, que regulamentou a Lei de Crimes Ambientais. O encontro com as ONGs, realizado no último dia 25, ilustra precisamente esses primeiros dias, marcado pelo seu vai-e-vem pelos salões governamentais, dançando com diferentes parceiros.

Minc condicionou o convite para assumir o ministério à não-alteração do Código Florestal, principalmente na parte que define a reserva legal de 80% na Amazônia; ao estabelecimento de políticas que levassem a zerar o desmatamento na região; e à destinação de recursos para o bom funcionamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Sinalizava com isso que não daria espaço para as mesmas pressões que derrubaram Marina Silva.

A boa impressão inicial foi reforçada pelo apoio à Moratória da Soja, que estabeleceu a restrição da compra do produto quando oriundo de novos desmatamentos na Amazônia.

Outro sinal positivo emitido por Minc foi a assinatura do decreto regulamentando a Lei dos Crimes Ambientais que, além de tornar mais rápida a tramitação dos processos de punição dos delitos ambientais, reforçou a exigência dos fazendeiros respeitarem a reserva legal. A disposição demonstrada por ele, naquele momento, levou os setores que pediram a cabeça de Marina a dizer que já estavam com saudades dela.

Contrariando a impressão inicial, no entanto, o ministro passou a dar sinais de excessiva flexibilidade nas conversações com os setores que sempre reclamaram da política ambiental.

Afrontando seu posicionamento histórico de opositor à energia nuclear, ele anunciou, então, a licença para a construção da usina nuclear Angra 3. A exigência de construção de um depósito definitivo para o lixo atômico feita por Minc parece inclusive que será suavizada em razão das pressões da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnem).

Logo depois, Minc e Alfredo Nascimento, ministro dos Transportes, anunciaram a concessão da licença para o asfaltamento da rodovia Manaus-Porto Velho (BR 319). Antes de ser um projeto de governo, a obra é uma aspiração política de Nascimento para pavimentar os rumos de sua candidatura ao governo do Amazonas.

A negociação dos ministros atropelou os esforços do governo do Amazonas e da sociedade civil para substituir a estrada, hoje de terra, por uma linha férrea, menos impactante do ponto de vista ambiental. Só o anúncio do asfalto já trouxe uma onda de invasão de terras públicas, desmatamentos e aumento dos casos de malária nas imediações como nunca havia acontecido desde que a estrada foi aberta, nos anos 1970.

Na gestão de Marina, quando o governo anunciou o asfaltamento da Cuiabá-Santarém, o MMA se mobilizou para, em conjunto com a sociedade civil da área de influência da estrada, construir o Plano BR-163 Sustentável. Agora, durante a negociação entre Minc e Alfredo, a sociedade sequer foi consultada.

Ainda na conta dos desacertos do MMA, está a decisão de não priorizar a criação de novas unidades de conservação até o final do governo Lula. Implantar as unidades de conservação já criadas, como quer o ministro, é importante, mas num país que tem apenas 0,4% de áreas marinhas protegidas e 80% dos estoques pesqueiros ameaçados de extinção, essa decisão é um desastre.

A medida ganha contornos ainda mais preocupantes diante do silêncio do ministro em relação à proposta de criação do Ministério da Pesca. Contrariando seu estilo performático, Minc se calou diante de toda a polêmica causada pelo anúncio da transformação da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (Seap) em ministério.

Não se ouviu nenhuma frase do ministro sobre os problemas do setor. O ministro sequer questionou a política anunciada, voltada apenas para o aumento da produção, como se os mares fossem fontes inesgotáveis de pesca. Assim, iria faltar peixe para encher o balaio do Ministério da Pesca inventado por Lula, se a invenção tivesse dado certo.

Qualquer análise do desempenho de Minc, no entanto, tem que levar em consideração que os rumos das questões ambientais do governo Lula não estão somente nas mãos do ministro. As decisões ambientais passam obrigatoriamente por Lula e Dilma Rousseff e, para a dupla, nada é mais importante que viabilizar o PAC. Os dois, juntamente com a bancada ruralista, conseguiram inviabilizar a permanência de Marina no governo.

Mangabeira Unger também tem sua cota de contribuição no cenário de dificuldades políticas impostas ao MMA. O ministro de Assuntos Estratégicos trama abertamente a revisão de toda a legislação de proteção ao meio ambiente.

Completamente afinado com a bancada ruralista, Unger tem reduzido as leis ambientais a meros entraves ao crescimento econômico brasileiro. Na ânsia de satisfazer seu antigo desejo de influir na política nacional, Unger, que já buscou os corpos de Brizola e Ciro Gomes para encarnar suas idéias, parece finalmente ter encontrado na bancada ruralista seu “cavalo-de-santo”.

Se Minc quiser escapar do mesmo destino, precisa ser mais criterioso e fiel na seleção de seus parceiros. Ele precisa compreender que, para ganhar a confiança do agronegócio e dos setores do governo Lula que pretendem o desenvolvimento a qualquer preço, não existem limites nas concessões a fazer. A esperança é que ele entenda que é preciso priorizar a conquista da sua credibilidade pela afirmação do seu compromisso com a defesa do meio ambiente.

Enquanto Minc dança em Brasília, na vida real agentes do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) em São Paulo fazem fiscalização a pé porque não têm dinheiro para abastecer os carros. Como se diz na China, onde existe muita luz, as sombras são mais profundas.

Sérgio Leitão (sergio.leitao@br.greenpeace.org) é diretor de Políticas Públicas do Greenpeace.

Artigo originalmente publicado no Valor Econômico, 03/09/2008.

[EcoDebate, 04/09/2008]