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Relator da ONU defende diálogo em casos de demarcação de reserva indígena


O relator especial das Nações Unidas para os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, James Anaya, fala à imprensa sobre sua missão no Brasil. Foto de Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

O relator especial das Nações Unidas para os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, James Anaya, acredita ser necessário observar a documentação existente sobre as terras para fazer a demarcação de uma reserva indígena. Ele fez o comentário ao se manifestar ontem (25) sobre a disputa entre índios e ruralistas pela Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Na avaliação dele, é necessário haver diálogo entre as partes interessadas para chegar a um consenso em situações semelhantes a que será julgada nesta quarta-feira (27), quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá se a demarcação da área deve ser contínua ou não. Por Ana Luiza Zenker, da Agência Brasil.

“O que eu esperaria é que houvesse um diálogo entre as partes para se chegar a um acordo sobre do desenvolvimento adequado para todos na região”, afirmou o relator especial das Nações Unidas.

Anaya afirmou que, durante a sua visita ao Brasil, pôde observar situações distintas nas diferentes regiões. “Em alguns lugares os fazendeiros, os agricultores chegaram sem títulos, sem haver comprado um título, de boa-fé, e é preciso reconhecer isso ao revisar os seus interesses legítimos. Isso comparado às demandas dos povos indígenas, que têm, sim, em muitos casos, direitos legítimos reconhecidos”, afirmou.

Em outras regiões, prosseguiu o representante das Nações Unidas, há lugares onde os agricultores têm terras reclamadas por povos indígenas, mas têm títulos e estão nas terras de boa-fé. Um exemplo citado por ele foi o dos agricultores de Dourados (MS). “Eu disse a eles que é necessário levar em conta os seus interesses legítimos. Que não se pode descartar o fato de que eles compraram, sim, de boa-fé, terras”. Para ele, é possível o diálogo em área onde há posse oficial da terra.

Sobre o conflito nas terras em Roraima, Anaya observou que há divergências sobre que modelo de desenvolvimento deveria ser adotado na região. “Eu creio que todos os interessados [indígenas e fazendeiros, favoráveis e contrários à demarcação contínua da reserva] são a favor de um desenvolvimento que beneficie a todos”, ressaltou, referindo-se às suas conversas com fazendeiros e com índios da região.

Anaya evitou manifestar qualquer opinião ou expectativa mais concreta sobre o processo que deve ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (27). Ele demonstrou confiança na decisão dos magistrados e acrescentou ainda que não observou nenhuma atitude beligerante na região, durante a sua visita.

O relator especial da ONU para os direitos dos povos indígenas encerrou hoje uma visita ao Brasil que durou 12 dias. Nesse período, ele visitou Brasília, onde teve reuniões com várias áreas do governo federal, incluindo a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Anaya também esteve em Mato Grosso do Sul, Roraima e no Amazonas.

Sociedade precisa respeitar auto-determinação dos povos indígenas, diz relator da ONU

Apesar de reconhecer “o comprometimento expresso do governo” e os avanços no cumprimento dos preceitos constitucionais, o relator destacou que são necessárias reformas para garantir, especialmente, o direito à auto-determinação dos povos indígenas, que seria a possibilidade de exercer de fato o controle sobre suas vidas.

“É evidente que freqüentemente os povos indígenas não têm controle sobre as decisões que afetam suas vidas e suas terras, mesmo quando essas já foram oficialmente demarcadas e registradas, por causa de invasões, mineração e outros fatores”, destacou Anaya.

O relator se mostrou preocupado não só com o caráter paternalista de alguns programas de atendimento e prestação de serviços, “como se o fato de serem indígenas fizesse com que eles não pudessem cuidar dos seus interesses”, mas também com a precariedade de serviços essenciais, como saúde e educação.

“A falta de educação formal e de serviços de saúde adequados restringe as oportunidades disponíveis aos indivíduos quando procuram melhorar as condições de suas vidas e priva as comunidades indígenas das habilidades necessárias para gerenciar seus próprios interesses e controlar os programas governamentais e de ONGs que os afetam”, destacou.

Anaya alertou ainda para a necessidade de se harmonizar programas desenvolvimentistas, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), sobre o qual ele ouviu queixas de que estaria indo contra os interesses das comunidades que afeta, as particularidades dos indígenas. Ele ressaltou que é preciso sempre checar se programas como o Bolsa Família também beneficiam os índios, bem como haver mais diálogo com essas comunidades.

O relator especial disse também que percebeu posições contrárias aos indígenas vindas de camadas importantes da sociedade. “Uma campanha nacional de educação sobre as questões indígenas e o respeito pela diversidade, guiada pelo governo federal em parceria com os povos e organizações indígenas e com o apoio da imprensa, provavelmente ajudaria a estabelecer pontes de compreensão mútua”, defendeu.

[Ecodebate, 26/08/2008]