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A construção civil é o quinto setor com mais ocorrências de acidentes de trabalho no país

De acordo com o Ministério Público do Trabalho, no mundo inteiro a maior causa de acidentes fatais no setor é a queda de trabalhadores e também de material sobre os funcionários. Foto de Roosewelt Pinheiro/ABr.

O aumento médio do número de acidentes de trabalho na construção entre 2004 e 2006 ficou pouco abaixo da média do crescimento dos postos de trabalho formal no setor. Enquanto a média de vagas criadas atingiu 6,7%, a de acidentes dos três anos foi de 6%. Por Alex Rodrigues, Agência Brasil.

Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho, o emprego formal na construção civil aumentou 4,6% em 2004; 8,4% em 2005 e 7,3% em 2006. No mesmo período, o número de acidentes envolvendo trabalhadores do setor foi de 6,2%; 5,8% e 6,2%, respectivamente.

Com 31.529 ocorrências, a construção (setor que engloba a construção civil e obras de grande porte, como hidrelétricas e estradas), em 2006, ocupou o quinto lugar no ranking do Ministério da Previdência dos setores econômicos com mais acidentes, ficando atrás de alimentação e bebidas (48.424), comércio varejista (41.419), saúde e serviços sociais (40.859) e agricultura (34.388).

De acordo com o diretor do Departamento de Política de Saúde e Segurança Operacional do ministério, Remígio Todeschini, o setor está entre os quatro primeiros em taxa de mortalidade. Segundo o engenheiro e consultor do Ministério Público do Trabalho (MPT) Sérgio Antonio, o elevado número de ocorrências na construção civil decorre principalmente do baixo nível de escolarização dos trabalhadores, do desconhecimento por parte dos empregadores das normas de Segurança do Trabalho e da instabilidade ou transitoriedade empregatícia.

“A maior parte dos trabalhadores não tem formação escolar. Humildes, eles aceitam tudo, não tendo conhecimento pleno de sua cidadania como trabalhador”, afirma o consultor. “Se [os empregadores] colocarem oito toneladas para ele [trabalhador] carregar nas costas durante dois ou três dias ele aceita, porque precisa do emprego. Ele vai se arrebentar e sequer vai reconhecer os malefícios do trabalho para sua saúde. Ele não vai procurar um ambulatório por causa de um pequeno ferimento ou de um mau jeito no pé e isso pode causar um prejuízo mais sério”.

Antonio avalia que, em geral, nem os trabalhadores se consideram explorados, nem os empregadores avaliam a hipótese de estarem cometendo abusos. Ainda de acordo com o consultor, a falta de estabilidade ou transitoriedade do vínculo empregatício dificulta que o empregado tome consciência de seus direitos trabalhistas.

“Numa indústria ou em outra atividade comercial, um trabalhador humilde também se submete a longas jornadas, sem recusar qualquer tarefa. Só que, neste ambiente, ele vai ter condições de, devagar, perceber que pode evoluir. Já na construção, quando o trabalhador começa a tomar essa consciência, a obra acaba e ele vai para outra onde tem que começar do zero”.

Antonio afirma que poucos acidentes chegam a ser analisados, conforme exige a lei. “Pelas normas, toda vez que ocorre um acidente é obrigatória a comunicação ao Ministério do Trabalho, que deve encaminhar um auditor fiscal do Trabalho para analisar as causas do acidente e propor medidas para que a ocorrência não se repita”.

Dos 29.228 mil acidentes ocorridos na construção em 2005 – 5,8% do total das ocorrências – somente 265 chegaram a ser analisados, diz Antonio. Em 2006, foram 330 análises para 31.529 mil registros (6,2% do total). De acordo com o consultor, isso acontece porque o número de auditores fiscais do trabalho é insuficiente para o volume de serviço e também porque nem sempre os empregadores notificam o ministério sobre o acidente.

“Os empregadores têm a obrigação legal de informar o ministério, mas não o fazem, às vezes temendo que os auditores descubram outras irregularidades no local do acidente. Sabemos de casos em que o empregador coloca o trabalhador acidentado em um táxi e o manda dizer no hospital que foi atropelado”, diz Antonio, explicando que o Ministério do Trabalho só tem conhecimento da ocorrência muito tempo depois, por meio das Comunicações de Acidente de Trabalho (CATs) registradas pelos empregadores no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Construção pode ter mais acidentes de trabalho do que registros da Previdência, diz sindicalista

Segundo o presidente da Confederação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores nas Indústrias da Construção e da Madeira (Conticom), Waldemar Pires de Oliveira, a informalidade e os “maus empresários” que impedem seus empregados de notificar o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) falseiam os números.

“Não é que o Ministério da Previdência esteja manipulando [os números], mas esses são dados irreais. Os trabalhadores se acidentam e os empregadores não fazem a CAT [Comunicação de Acidente de Trabalho], não deixam o trabalhador ir fazer a denúncia, se oferecem para pagar os dias parados enquanto o trabalhador se recupera. E o trabalhador ainda fala: “meu patrão é bonzinho”.

O diretor do Departamento de Política de Saúde e Segurança Operacional do ministério, Remígio Todeschini, confirmou que a informalidade, não só na construção civil, é um entrave para que o país tenha os números reais de acidentados.

Para Waldemar, o número de acidente no setor tende a crescer com o aquecimento do setor. “A tendência é os acidentes aumentarem ainda mais. O setor da construção civil está aquecido, com grande demanda. Nesse cenário, a pressão dos encarregados, das empresas, leva os trabalhadores a se acidentarem mais”.

Waldemar confirma o que diz o engenheiro e consultor do Ministério Público do Trabalho (MPT) Sérgio Antonio, para quem o baixo nível de instrução dos trabalhadores e a transitoriedade do vínculo empregatício impede os empregados de reivindicar seus direitos, relegando a própria segurança. “O empregado tem que produzir na marra, sem muito tempo para pensar. Ele também não tem medo de queda e de acidentes. A maioria vem da roça e tem muito pouca noção do perigo”.

O sindicalista defende a necessidade de investimentos em capacitação e da conscientização dos trabalhadores. “Antes de começar a trabalhar na construção, eles têm que ter um curso de formação, de conscientização sobre seus direitos trabalhistas, sobre os riscos iminentes que estão correndo, com que produtos estão trabalhando, se eles são ou não perigosos. Também é necessário entender que a alimentação desse tipo de trabalhador é fundamental”, diz Waldemar Pires de Oliveira.

Segundo ele, o Brasil conta com normas de trabalho muito boas para tentar evitar os acidentes na construção, mas elas não são aplicadas por muitos empregadores. “Quem detém o capital não visa à saúde ou à segurança do trabalhador, mas meramente à produção. Para a produção, quando [a procura] aperta, o trabalhador é [tratado como máquina]”.

O sindicalista diz que os problemas ocupacionais não se resumem aos acidentes de maior ou menor gravidade, mas incluem também o afastamento por lesões em decorrência de esforço repetitivo. Oliveira afirma que poucos empregados da construção conseguem permanecer muito tempo na atividade. “Os trabalhadores de outras categorias conseguem se aposentar por ter contribuído o mínimo de tempo exigido pelo INSS ou por tempo de serviço. Na construção não. Eu garanto que menos de 5% conseguem se aposentar por tempo de serviço. Precisamos discutir isso também”.

Citando os baixos salários pagos aos empregados da construção civil, Oliveira faz uma analogia com o regime escravagista. “Os trabalhadores têm que trabalhar três ou quatro vezes mais [que o recomendável] para atingir alguma coisinha. É como se fosse uma escravidão. A vida ativa de um escravo no serviço atingia no máximo oito anos. Na construção civil, no pique em que está, o trabalhador não aguenta dez anos”.

[EcoDebate, 07/08/2008]