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Notícia

Vale do Javari sofre com malária e hepatite

Funasa e Forças Armadas montaram operação para tratar índios da região – Sentado em um tronco na margem do Rio Curuçá, na aldeia de Maronal, uma das 50 da reserva indígena Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas, o cacique-geral dos índios marubos, Ivinimpapa (nome branco Alfredo), lamenta que as rezas e os rituais de pajelança que aprendeu com os antepassados não curem as doenças que estão dizimando seu povo. Ao todo, 3.687 indígenas já contatados vivem na reserva, dos quais 1.186 da etnia marubo. Por Ricardo Brandt, VALE DO JAVARI (AM), do O Estado de S.Paulo, 25/05/2008.

Isolados geograficamente em uma área da selva amazônica ainda pouco explorada (na fronteira do Brasil com o Peru) e esquecidos pelos governos, os índios enfrentam índices alarmantes de malária, hepatite e desnutrição.

Pressionada e, em parte, responsável pela calamidade, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) buscou a ajuda do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para deflagrar operação de proporções inéditas para vacinar e rastrear epidemiologicamente os índios da região. O material servirá para traçar um mapa preciso do problema de saúde local.

Levantamento feito pelo Departamento de Saúde Indígena (Desai) da Funasa mostra que a taxa de mortalidade infantil entre os índios do Vale do Javari, segunda maior reserva do País, foi em 2007 de 123 para cada mil nascidos vivos. No Brasil, o índice médio é de 25 mortes por mil. Nem Moçambique, na África, que enfrenta uma epidemia de Aids, chega a essa marca. Lá morrem 81 crianças para cada mil. “A mortalidade infantil é o principal indicador da qualidade de vida de uma comunidade”, afirma a enfermeira Lídia Monteiro, da Funasa.

A malária e as hepatites B e C já são endêmicas na região, atingindo as seis etnias (marubos, matses, matis, kunamaris, kulinas e korubos). Há casos, como o da aldeia São Sebastião, onde vivem 98 índios marubos, em que foram identificados, em 76 amostras de sangue, 29 casos de malária – sendo 28 da forma mais branda (a vivax) e um da mais grave (a falciparum). O índice de 38% é considerado muito alto pelo médico infectologista Jaime Valência, da Funasa, que acompanha a operação.

DORES

Na São Sebastião, onde a reportagem esteve por dois dias acompanhando os técnicos da fundação, o próprio cacique é um dos afetados pela malária. “Dói muito o corpo, dá muita febre e a gente precisa do remédio do branco, porque malária o pajé não cura”, diz Maiãpa (nome branco Said Reis). O cacique já perdeu a conta de quantas vezes pegou a doença.

Ao seu lado, o pajé Tamampa (nome branco Cassemiro) admite a impotência de seus rituais para combater a enfermidade. Só os remédios coartem (para o caso mais grave) e cloroquina associado ao primaquina (para o mais brando) levados pela Funasa mostram eficiência.

No caso da hepatite viral, levantamento feito na aldeia Morada Nova detectou a presença do tipo B da doença em 7% dos 350 casos analisados. Mas há casos em que chega a 14%. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estipula como padrão aceitável a taxa de 2%, conforme explica o diretor do Desai, Wanderley Guenka, que acompanhou as ações na reserva.

A alta incidência de hepatite no Vale do Javari tem como origem o contato da população com os não-índios e a falta de estrutura de atendimento de saúde na região, que é de difícil acesso. Para se ter uma idéia, de Atalaia do Norte (AM), cidade mais próxima, são 22 horas de barco para chegar às aldeias – e os rios são navegáveis apenas quatro meses ao ano. As comunidades, em geral, não têm postos de saúde e os medicamentos chegam sem nenhuma constância.

AÇÃO EMERGENCIAL

A situação calamitosa de saúde dos índios do Vale do Javari levou a Funasa a buscar apoio das Forças Armadas para desencadear uma megaofensiva para controlar essas doenças. A região, onde vivem 611 famílias, foi dividida em sete pólos-base de atendimento (veja quadro).

Equipes de 12 profissionais da Funasa (médicos, enfermeiros, bioquímicos, odontólogos e nutricionistas) foram mandadas para cada pólo para vacinar os índios e fazer uma triagem epidemiológica. Foram disponibilizados helicópteros e embarcações para facilitar o envio das equipes e dos materiais, além dos militares que montam toda a infra-estrutura para os atendimentos.

A operação especial do Vale do Javari, que começou em 19 de abril, Dia do Índio, junto com a abertura do Mês da Vacinação dos Povos Indígenas, vai durar 60 dias. “A parceria com as Forças Armadas é essencial para o sucesso dessa ação, pois estamos falando de regiões onde o acesso é muito precário”, explica Guenka.

Ainda segundo o diretor do Desai, a operação possibilitará a elaboração de amplo e preciso banco de dados sobre os problemas de saúde no Vale do Javari. “A situação no Vale do Javari é preocupante. Ninguém nunca tentou sensibilizar os demais Poderes de que é importante tratar a questão desses povos.”

Para os índios, a ajuda é bem-vinda, mas há a preocupação quanto a sua continuidade. Na aldeia Maronal, onde vive o cacique-geral dos marubos, Ivinimpapa, ele diz que muitos outros governos chegaram para dar ajuda, coletaram sangue, mas nunca voltaram. Desta vez, ele mesmo, que prometera nunca mais deixar que tirassem seu sangue com seringa, foi o primeiro a ser atendido, como forma de incentivar os demais índios a fazer o mesmo. E, em tribo de índio, cacique manda e é respeitado.

O repórter e o repórter-fotográfico viajaram de Cruzeiro do Sul (AC) até as aldeias num helicóptero do Exército a convite da Funasa