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Camarão amplia lista de vilões ambientais

Depois da selva, o mar. Especificamente o mangue. Essa é a mais nova discórdia entre ambientalistas e os chamados desenvolvimentistas do governo federal. O pivô, desta vez, é o camarão criado em viveiro, que já representa mais da metade da produção nacional mas é considerado maléfico ao ecossistema. Por Bettina Barros, no Valor Online, 30/04/2008.

A queda-de-braço entre as partes envolvidas ganhou força no último dia 17, com a publicação no Diário Oficial de uma instrução normativa, chancelada pelo Ministério do Meio Ambiente, que proíbe a criação de camarões em unidades de conservação federais e zonas de amortecimento costeiras. Prevê ainda que as fazendas de carcinicultura já licenciadas em unidades de conservação federais e que tenham ocupado áreas de manguezais – de proteção permanente – terão prazo para a retirada das instalações e a recuperação das áreas. Na prática, ela inviabiliza a atividade no país, diz a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (Seap), que tem status de ministério e responde ao presidente.

A permissão para o cultivo de camarão em cativeiro será levada para a Casa Civil. “Queremos a revogação dessa instrução, porque foi uma ação unilateral”, disse ao Valor o diretor de Aqüicultura da Seap, Felipe Matias, após reunião ontem em Brasília para discutir a questão. “Fomos surpreendidos e atropelados pelo Meio Ambiente”.

O setor privado, na figura da Associação Brasileira dos Produtores de Camarão (ABCC), também prevê medidas defensivas, no âmbito judicial. Seu presidente, Itamar Rocha, acredita que em “quatro ou cinco” meses “derrubará” a portaria. “Vamos cair matando. Essa ministra [Marina Silva, do Meio Ambiente] não tem esse poder, não. Estamos falando de direito adquirido por empresas do setor privado. Esse país não é uma republiqueta que aprova uma portaria de uma irresponsável”, esbravejou Rocha.

Responsável pelas 65 mil toneladas que chegaram à mesa dos brasileiros em 2006 – contra 55 mil toneladas de camarão pescado -, a carcinicultura é uma antiga fonte de polêmica no Brasil e no mundo. O principal problema está no fato de os camarões serem criados em mangues, uma área vital para o equilíbrio da vida marinha.

E a alegação do Ministério do Meio Ambiente se baseia justamente neste argumento: são nos manguezais que até 80% das espécies marinhas buscam abrigo para reprodução, alimentação e repouso. Não à toa, são chamados mundialmente de “berçário” marinho.

No Brasil, a cultura trazida da Ásia nos anos 80 reside basicamente no Nordeste, graças ao clima favorável. Introduzida no Rio Grande do Norte, líder na produção, a cultura avançou para o Ceará, Piauí, Maranhão, Sergipe, Pernambuco, Bahia e Santa Catarina.

Segundo dados da associação, o país mantém 1.200 fazendas de criação. Mas praticamente todas estão instaladas em manguezais. “É onde encontra-se a melhor água, e de graça, para a cultura”, explica o biólogo Fábio Motta, da organização SOS Mata Atlântica.

Do ponto de vista ambiental, a abertura de um tanque e a criação confinada é maléfica porque obriga a retirada de árvores do mangue, onde os peixes, crustáceos e moluscos desovam e se alimentam. Além disso, as bombas de sucção acabam “engolindo” para dentro do tanque outros peixes – caso do mero, espécie protegida por lei.

Do aspecto social, dizem os ambientalistas, os viveiros cerceiam o direito de ir e vir das populações locais, afastando-as da pesca, sua principal fonte de renda. “É um setor insustentável”, disse Luciana Queiroz, do Instituto Terramar, do Ceará. “A prova disso é que em dez anos a cultura nasceu e quebrou”.

Ela se refere à crise que assolou o setor em 2004, numa combinação infeliz de problemas sanitários e econômicos. No campo comercial, o baque veio com a ação de antidumping lançada pelos EUA, maior importador dos camarões de viveiros do Brasil. Segundo Guilherme Hundley, da Seap, uma tarifa de 67% de importação passou a valer para os camarões brasileiros.

O revés voltou a produção ao mercado interno. Então veio a necrose muscular, vírus que dizimou fazendas no Nordeste, e a mancha branca, virose fatal, em Santa Catarina (ver abaixo). Para críticos, as doenças são fruto da alta densidade do animal por metro quadrado.

O impacto nos números foi imediato. A produção da carcinicultura, que atingiu o pico de 90 mil toneladas em 2003, caiu para 65 mil no ano passado. As exportações caíram de 75 mil toneladas para 17 mil toneladas no período. Em receita, de US$ 244 milhões para US$ 74 milhões. “De mais da metade das exportações de camarões, a carcinicultura representa hoje um quarto”, disse Hundley, da Seap.

Para alguns, a carcinicultura é inviável. Outros afirmam que ela pode ser feita sob o cuidado de um zoneamento. “É um setor importante para o país, apesar do crescimento desordenado”, diz Matias, da Seap. Enquanto a discussão segue para a Casa Civil, ele promete um plano de ordenamento da atividade no país. Ainda que tarde.