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Estudo destaca que agricultoras do sertão pernambucano são mais prejudicadas do que os homens por falta de documentos

Exclusão burocrática – Uma pesquisa feita na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) destaca como a ausência de documentos afeta a vida de agricultoras no sertão de Pernambuco. O estudo, publicado na Revista Estudos Feministas, acompanha como a exclusão burocrática impede o acesso a direitos básicos. As agricultoras não conseguem, por exemplo, matricular-se em escola, registrar ou até mesmo enterrar o próprio filho. Por Alex Sander Alcântara, da Agência FAPESP, publicado pelo EcoDebate.

O objetivo do trabalho, de acordo com a autora, Rosineide Cordeiro, professora do Departamento de Serviço Social do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da UFPE, foi analisar dificuldades e estratégias que as mulheres utilizam para cumprir as exigências legais de comprovação do trabalho na agricultura familiar por meio de documentos civis e profissionais.

Segundo ela, por conta das relações hierárquicas de gênero, adversas às mulheres, as agricultoras, camponesas, pescadoras e extrativistas foram mais duramente atingidas pela falta de políticas públicas voltadas para o acesso da população a documentos civis e trabalhistas.

“Os processos de exclusão são multifacetados e neles se entrecruzam vários eixos de diferenciação social. A ausência de documentos civis e trabalhistas não atinge a todos indiscriminadamente. Ela afeta principalmente a população pobre, os miseráveis, os indigentes. E tem um recorte de gênero, idade, raça, etnia e localização geopolítica”, afirmou Rosineide à Agência FAPESP.

A pesquisa, que é parte de tese de doutorado em psicologia social, foi realizada nos municípios de Santa Cruz da Baixa Verde e Triunfo, situados no sertão de Pernambuco, entre 2001 e 2003.

Além das observações etnográficas, a autora considerou trechos de entrevistas realizadas com 14 agricultoras. As entrevistadas têm entre 22 e 59 anos e trabalham em regime de produção familiar, produzindo principalmente feijão, milho e mandioca.

O estudo mostra como a situação das mulheres na zona rural é ainda pior do que nas grandes cidades, onde a ausência de documentos alcança crianças, adolescentes e adultos que moram nas ruas, migrantes e sem-teto, moradores de palafitas, casebres, barracos ou desabrigados que vivem em precárias condições de vida.

“Entretanto, diferentemente da área rural, alguns desses segmentos já adquiriram documentos em algum momento da vida e, por conta de situações de vulnerabilidade social, foram perdidos ou extraviados”, disse a pesquisadora.

Essa condição é mais adversa se comparada aos homens. No Brasil, como o alistamento militar é obrigatório para os homens aos 18 anos, eles adquirem os documentos civis mais cedo. Além disso, na área rural, devido às migrações de uma região para outra, eles possuem mais documentos do que as mulheres.

“As constantes viagens para o Sudeste em busca de trabalho foram um fator determinante para que os homens adquirissem os documentos. Quem fosse para São Paulo ou Rio de Janeiro sabia que, além do título de eleitor e da certidão de reservista, era necessário providenciar as carteiras de identidade e de trabalho”, explicou.

Segundo Rosineide, no Brasil, só a partir de 1997 é que o registro de nascimento civil passou a ser gratuito de forma universal. Isso está relacionado com as prioridades de investimentos e políticas assumidas pelo Estado brasileiro ao longo de sua história.

“Atualmente, acesso à previdência, atendimento em postos de saúde e hospitais, inclusão em programas sociais de transferência de renda, programa de reforma agrária e de apoio à agricultura familiar, batismo e casamento são alguns dos fatores que pressionam as mulheres para que elas providenciem a documentação pessoal”, explicou.

Mais participação

Segundo a professora da UFPE, são comuns histórias de mães que não conseguem enterrar o filho por não terem documentos básicos, como certidão de nascimento. O estudo registrou, por exemplo, o caso de Julieta, uma agricultora que, aos 50 anos, mal assina o nome e não tem um único documento, nem mesmo o batistério.

“Por conta disso, ela não pôde registrar seu filho, que foi registrado em nome de uma irmã dela. Julieta pouco sai de casa, nunca freqüentou escola e só foi ao médico uma vez”, contou Rosineide.

A pesquisadora deparou também com a história de mulheres mais jovens, como Sônia, de 22 anos, que só pôde sair da maternidade com o filho porque a polícia autorizou, uma vez que não tinha documentos. Ela estudou até a 7ª série como “encostada”, ou seja, não era regularmente matriculada. “Sônia tem dois filhos, mas não registrou nenhum porque ela própria não tem documentação. Os filhos são atendidos no centro de saúde sem nenhum cadastro ou inscrição”, disse.

Segundo a pesquisadora, no entanto, esse quadro tem mudado. “As mulheres rurais não aceitaram com passividade essa situação. Organizadas no Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Sertão Central de Pernambuco, elas passaram a se posicionar como trabalhadoras rurais e a exigir a participação nas decisões que afetam as suas vidas”, disse.

Para ler o artigo Vida de agricultoras e histórias de documentos no Sertão Central de Pernambuco, de Rosineide Cordeiro, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.