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Trabalho escravo no RS. Passado e presente. Entrevista com Leonardo Sakamoto

Os dois recentes flagrantes de trabalho escravo no Rio Grande do Sul comprovam uma tendência que ocorre em todo o país: o envolvimento da agricultura ligada ao agronegócio com condições degradantes de trabalho. Até os casos de Cacequi, em Novembro passado, e recentemente de Bagé, só havia sido encontrado trabalho em más condições em plantios de maçãs, nos Campos de Cima da Serra. É também desta região, mais precisamente da cidade de São Francisco de Paula, que provém o único empregador gaúcho que foi incluído na Lista Suja do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A reportagem é de Raquel Casiraghi e publicada pela Agência de Notícias Chasque, 27-03-2008.

Para o cientista político e integrante da organização não-governamental (ONG) Repórter Brasil, Leonardo Sakamoto, as novas incidências de trabalho escravo no Rio Grande do Sul acompanha a expansão das fronteiras agrícolas e do agronegócio. Ele avalia que as condições degradantes de trabalho conseguem conviver, ao mesmo tempo, com a precariedade das relações de trabalho do passado e com a tecnologia e a riqueza do presente.

Eis a entrevista.

Leonardo, as incidências de trabalho degradante no Rio Grande do Sul, onde até então eram mais raras, pode significar um aumento da degradação do trabalho?

A gente sempre acha que trabalho escravo só é encontrado em lugares distantes, locais afastados onde a presença do Estado é feita de forma que não garante o direito dos trabalhadores e sim de uma minoria. Você encontra trabalho escravo não apenas na chamada Fronteira Agrícola brasileira, que é a Amazônia, Pantanal, Cerrado, mas também encontra em vários setores da economia brasileira e em vários estados. Estados que estão mais à frente na questão da agropecuária, como São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul também são vítimas de algum de exploração, principalmente nos empreendimentos em expansão, como a agropecuária, ou os investimentos em que o proprietário não quer investir capital na qualidade da mão-de-obra, muito pelo contrário. Ele quer competir de uma forma mais fácil no mercado de trabalho e acaba se aproveitando dessa exploração, da situação degradante, para competir no mercado. Esse tipo de pensamento tacanha, pequeno, visando o lucro a todo custo, você encontra em todo o território brasileiro infelizmente. É claro que, nas regiões de expansão agrícola, isso acontece com mais freqüência exatamente pela natureza das atividades: é onde a agropecuária está nascendo, é onde há a maior quantidade de empreendimentos novos que querem entrar no mercado para concorrer. E isso você encontra em todo o país.

Como se dá a relação do trabalho degradante com o agronegócio?

Os locais onde se encontra trabalho escravo não são pequenas fazendas. Na maioria dos casos são grandes fazendas. A Repórter Brasil fez uma pesquisa há uns tempos atrás, pegando aleatoriamente 20 fazendas em que foi encontrado trabalho escravo. E verificamos que a média de área dessas propriedades era de 5 mil hectares. Quem usa trabalho escravo não pequenos produtores que operam à margem. Claro que também têm os pequenos, mas a maioria são grandes produtores que operam a tecnologia avançada. Ou seja, de um lado da fazenda eles operam com tecnologia avançada, com colheitadeiras automáticas, com desenvolvimento químico muito forte. E do outro lado, seja em um lugar distante ou em um outro estágio da produção, como a colheita, eles operam de forma muito atrasada. Há uma convivência do passado e do presente muito triste. Nossas pesquisas mostram também que essas empresas envolvidas com trabalho escravo escoam a sua produção para outras empresas brasileiras e, até mesmo, para o mundo inteiro, como Europa, Ásia, África. Boa tarde dessa produção está vinculada ao que há mais de moderno no agronegócio. É uma contradição triste, mas existente.

Por que é importante divulgar os nomes dos empregadores de trabalho escravo?

Não somos só nós que fazemos essa divulgação, mas várias entidades fazem. Inclusive o Ministério do Trabalho em Brasília tem a Lista Suja do Trabalho Escravo, ou seja, um cadastro de empregadores de trabalho escravo. A gente faz essa divulgação para primeiro, informar a sociedade e em segundo, alertar principalmente os trabalhadores rurais de quem são os empregadores ruins. Que os trabalhadores rurais evitem os empregadores que forem encontrados com problemas. Além do trabalho de informação, que é importante para que os comerciantes, os exportadores e importadores saibam com quem estão negociando, que evitem mão-de-obra escrava e degradante. E também para que o trabalhador brasileiro saiba quem são os maus empregadores e possa escolher, à medida do possível, se desejam ou não trabalhar para essas pessoas.

(www.ecodebate.com.br) entrevista publicada pelo IHU On-line, 28/03/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]