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Artigo

MPF e a solução para o lixo radioativo, por Humberto Viana Guimarães

Se não há dinheiro nem para um depósito, haverá para construir Angra 3?.

[Gazeta Mercantil] A ação civil pública impetrada pelo MPF/RJ na Justiça Federal, em 05/03/07, através do Procurador Federal André de Vasconcelos Dias, contra a União, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e a Eletronuclear merece uma ampla análise dos fatos. A ação requer a instalação, em até dois anos, do “depósito definitivo dos rejeitos radioativos do lixo atômico das usinas nucleares Angra 1 e Angra 2” e para as demais, se houver (que não sejam nas margens do rio São Francisco, como já foi ventilado pela CNEN). Não resta a menor dúvida que tal providência não pode ser mais protelada, pois corre-se o risco de que essa transitoriedade dos depósitos existentes se torne “ad eternum”.

Anteriormente, em artigos publicados por este jornal, havia feito três perguntas à Eletronuclear: 1) Quantos litros de lixo radioativo temos hoje? 2) Onde está depositado esse lixo? E 3) Que fim será dado a esses perigosos resíduos?

Pelo que foi veiculado recentemente na imprensa e confirmado pela Eletronuclear, foram respondidas duas perguntas, a 2: o lixo está em depósitos “iniciais” seguros; e a 3: o lixo será colocado num “repositório nacional” (entendo que seja um depósito subterrâneo de concreto).

Continua ainda sem resposta a primeira pergunta, a qual deveria ser ratificada pelo MPF. No entanto, a revista IstoÉ (7/12/2000), no artigo “Lixão radioativo” dá uma idéia desse número: “(…) na Central Nuclear Álvaro Alberto já estão estocados 4,5 mil tambores com rejeitos radioativos”. No mesmo texto o então assessor da presidência da CNEN (hoje diretor), o engenheiro Alfredo Tranjan, já reconhecia a necessidade de resolver este assunto do depósito definitivo para os resíduos radioativos: “Esse material não pode ficar nestas condições por tempo indeterminado”, e mais adiante ele afirma: “(…) Com o início de funcionamento de Angra 2, recentemente, passamos a produzir o equivalente a mil tambores de rejeitos nucleares por ano”. Baseado nestas declarações, podemos afirmar que atualmente já existem em torno de 11,5 mil tambores de lixo radioativo em depósitos iniciais.

Na nota emitida em 07/03/07, em resposta ao MPF/RJ, a Eletronuclear afirma que “não há condições técnicas para se planejar, construir e instalar o repositório nacional no prazo de dois anos”, com a qual concordo. No entanto, já houve tempo de sobra para que este assunto fosse resolvido. A Lei n 10.308, de 20/11/2001, “dispõe sobre a seleção de locais, a construção, o licenciamento, a operação, a fiscalização, os custos, a indenização, a responsabilidade civil e as garantias referentes aos depósitos de rejeitos radioativos”. O artigo 37 da citada lei é muito claro: “A CNEN deverá iniciar estudos para a seleção de local, projeto, construção e licenciamento para a entrada em operação, no mais curto espaço de tempo tecnicamente viável, de um depósito final de rejeitos radioativos em território nacional”. E para que este “repositório nacional” fosse construído, o parágrafo único do referido artigo é claro: “Para atingir o objetivo fixado no caput, a CNEN deverá receber dotação orçamentária específica”. Já se foram seis anos e nada!

Causa-nos preocupação o fato citado pelo MPF de que “até hoje, porém, não foi sequer escolhido o local para o reservatório. Por sua vez, a União não tem disponibilizado as verbas necessárias para a construção do depósito definitivo”, providências estas exigidas pela lei citada.

Para agravar ainda mais a situação, a Eletronuclear informa que “o acordo existente entre a CNEN e a Eletronuclear prevê a implantação desse repositório nacional em 2012”. Baseada na lei, a ação do MPF pede, ainda, que a União programe nos orçamentos futuros os recursos para a construção do depósito definitivo para os rejeitos. No entanto, o MPF terá que revisar a sua posição de não permitir a construção de novos depósitos “iniciais” até que se conclua o “repositório nacional” em 2012, pois ate lá, considerando os números de tambores atuais (estimativa), teremos mais outras 5 mil unidades e, pelo que sabemos, atualmente não existem depósitos “iniciais” para tanto material.

Se não se sabe onde será construído o repositório nacional e não há verbas para construí-lo, pois o governo federal continua contingenciando-as para tal fim, como pode a Eletronuclear insistir na construção de Angra 3 e de outras usinas? Se não há dinheiro para um depósito, haverá para a construção de uma usina de US$ 5 bilhões?

Humberto Viana Guimarães – Engenheiro civil, consultor de geração de energia

(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pela Gazeta Mercantil – 06/06/2007