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Artigo

Ninguém nos contratou, por Frei Gilvander Moreira

[EcoDebate] Desde a Revolução Industrial e com a instauração do modo de produção capitalista, os trabalhadores têm lutado para inscrever em leis os direitos relativos ao mundo do trabalho. No entanto, ultimamente, no altar do templo da idolatria do mercado, os/as trabalhadores/as estão sendo sacrificados/as, pressionados, pela chamada flexibilização das leis trabalhistas. Na verdade, a mera legalização da retirada de direitos. Tudo em nome do progre$$o e do crescimento econômico.

Os trabalhadores brasileiros vivem um dos períodos mais dramáticos da história de suas lutas. A partir das duas últimas décadas, os governos escancararam as fronteiras do país ao ídolo capital, o que aprofundou o caráter colonial diante do imperialismo. Mesmo assim, a economia brasileira cresce abaixo da média mundial. Com a estagnação econômica deu-se o avanço da onda neoliberal (neocolonial), resultando na privatização do patrimônio estatal como a siderurgia, telecomunicações e outros. Houve também a ampliação sem precedentes da privatização da educação e da saúde (até para cães!). A reforma da previdência trouxe a retirada de direitos e a desvalorização dos benefícios dos 15,6 milhões de aposentados que receberam, neste ano, apenas 3,3% de aumento.

Deste modo, o Brasil passa a assimilar subalternamente o processo mundial de reestruturação produtiva, com o fechamento de milhares de postos de trabalho, crescimento do desemprego, intensificação da exploração, precarização das condições de trabalho, informalidade e falta de perspectiva para a juventude.

Sem trabalho a pessoa perde a dignidade. Trabalhar dá autonomia, mas emprego é um “animal” em extinção. Somente teremos pleno emprego quando mudarem as estruturas do monopólio dos postos de trabalho. Estamos diante de um desemprego estrutural. Encontrar um emprego está tão difícil quanto ganhar na loteria. Talvez o melhor seja buscar a dignidade na Economia Popular Solidária, grupos de geração de trabalho e renda. A via sacra em busca de um emprego transforma-se em uma imensa corrente de humilhações. Uma espada de dor transpassa o coração de milhões de desempregados/as. Em 1998, Lula disse: “O [salário] mínimo hoje deveria ser de R$1.100,00. Os que recebem salário mínimo nesse país deveriam receber pedidos de desculpas.” (FSP, 03/05/2004). Nove anos depois, os 23,7 milhões de trabalhadores sobrevivem com até 1 salário mínimo de R$380,00 e clamam não apenas por pedido de desculpa, mas querem ser respeitados.

Em 2003, 1% das famílias mais ricas consumia 15% da renda enquanto mais de 85 milhões de pessoas, que compõem a metade mais pobre da população, consumiam apenas 12%. Lula mantém a política econômica neoliberal e assim não quebrou a máquina da concentração de renda. Ao contrário, lubrificou-a ao elevar o superávit primário ao patamar de 4,25% do PIB (cerca de R$ 70 bilhões anuais). Quando realiza elevados superávits primários para pagar juros da dívida pública, o Estado está transferindo aos credores, que são a minúscula fração dos ricos que concentra mais de 50% da renda e da riqueza nacionais, recursos que deveriam ser destinados às áreas sociais: educação, saúde, previdência, assistência social, habitação, reforma agrária, geração de emprego e preservação ambiental.

Nos últimos quatro anos, além de cair a qualidade do emprego, cresceram as pressões para a flexibilização das relações de trabalho e da organização sindical. A classe dominante exige mudanças na CLT e na Constituição Federal, sempre para retirar direitos dos trabalhadores. Propõem o fim da multa de 40% (hoje 50%) sobre o saldo do FGTS, na demissão sem justa causa; perda de direitos como o 13º salário, licença maternidade, férias, etc. Apregoam que essas medidas são necessárias para a retomada do crescimento econômico e a geração de empregos. Experiências de flexibilização aplicadas em outros países demonstram exatamente o contrário. Na Espanha, a flexibilização foi aplicada nas décadas de 80 e 90 e o desemprego saltou de 10% para 22%. Na Argentina o desemprego passou de 6% para 20%, após as mudanças nas leis trabalhistas iniciadas em 1991. No Chile, que teve sua reforma trabalhista implantada em 1978 e 1979, o desemprego chegou a 20%. Na Colômbia, em 1985 o desemprego, que rondava entre 5% e 6%, após as reformas impostas por pressão dos EUA, chegou a 20%.

Os trabalhadores não podem ser sacrificados para que os bancos e grandes empresas possam anunciar recordes de lucratividade. Lutamos por regulamentação da proteção contra a demissão imotivada; redução da jornada de trabalho sem redução do salário; salário mínimo calculado pelo DIEESE; direito de organização no local de trabalho; soberania das assembléias de base para decidir sobre o que deve ser negociado em nome dos trabalhadores, meio necessário para se assegurar direitos e avançar em conquistas.

O Fórum Nacional de Mobilização busca construir a mais ampla unidade de todos aqueles dispostos a lutar, a intensificação da solidariedade de classe e o desenvolvimento de um amplo plano de lutas apoiado na mobilização social. Mobilização que traga novamente os trabalhadores às ruas e construa as condições para, inclusive, paralisar todo o país por meio de uma greve geral, se necessário for. Para combater o desemprego propomos um plano de obras públicas que tenha como objetivo a construção massiva de casas populares, hospitais, creches, escolas e universidades, estradas, ferrovias, etc. Este plano incorporaria milhões de desempregados num grande mutirão nacional de reconstrução do país e que melhoraria a vida de todos.

Na parábola dos trabalhadores na vinha (Mt 20,1-16), o dono da vinha diz àqueles que são contratados para o trabalho às nove horas da manhã: “Vão para minha vinha, e eu lhes pagarei o que for justo” (v. 4). Já sabemos o desfecho da parábola: todos recebem igualmente. Os que trabalharam o dia inteiro e os que trabalharam uma hora apenas. Que justiça é essa, que inclusive nos incomoda? Nos versículos 6 e 7, o dono da vinha pergunta aos trabalhadores que encontra na praça às cinco horas da tarde: “Por que vocês ficam aí o tempo todo sem fazer nada?” E a resposta vem na hora: “Porque ninguém nos contratou”. Podemos imaginar quem teria sido deixado lá na praça, sem ser contratado: as pessoas mais fracas, doentes, deficientes ou idosos (hoje, diríamos jovens, adultos com idade avançada já sem a força da juventude, homossexuais, negros, analfabetos)… Para o evangelho justo é não reproduzir os esquemas de discriminação e marginalização e de escolha dos que só produzem nos moldes capitalistas. O pagamento igual justamente vem nessa direção: quem trabalhou menos tem as mesmas necessidades que as demais pessoas!

Por isso, devemos lutar para que todos recebam um salário, independentemente se estão ou não trabalhando. Muitos não estão trabalhando porque não existem postos de trabalho para todos. E todo mundo sabe disso! A radicalidade da parábola dos trabalhadores da vinhas faz pensar em tantas práticas que se apresentam por aí como justas.

Frei Gilvander Moreira – e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br

in www.EcoDebate.com.br – 24/04/2007