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Editorial

Delenda Ibama, por Henrique Cortez

[EcoDebate] Os ataques do governo à legislação ambiental e ao Ibama não param. A mais nova bobagem diz que Marina Silva é refém de xiitas do Ibama.

Segundo o jornal O Globo, de 06/12, “no Palácio do Planalto, a avaliação é de que Marina virou refém do “xiitismo” do grupo que hoje comanda o Ibama, principal órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente. Por causa disso, Lula já estaria certo da necessidade de substituição dos principais cargos de comando do Ibama, inclusive do presidente do instituto, o médico e pesquisador Marcus Barros. “

Pouco ou nada se pode cobrar da ministra Marina Silva porque um ministro não tem poder. Tem responsabilidades e atribuições, mas apenas o presidente tem – de fato e por direito – o poder. E um ministro, qualquer que seja, é um funcionário do governo e ao governante deve obediência.

Este já não é o caso do Ibama que é um órgão de governo e não do governo. Ao Ibama cabe cumprir a lei e não a vontade do governo. Este é o problema essencial – O Ibama não é “suficientemente” dócil ao voluntarismo governante.

O governo Lula não possui a menor compreensão do que seja desenvolvimento sustentável e isto foi fartamente demonstrado ao longo do seu primeiro mandato. E não será no segundo mandato que irá compreender isto.

Em primeiro lugar, o Ibama está sucateado e falido. Recursos de fundamental importância foram persistentemente bloqueados em prol do tal superávit primário. E, aos militantes do desenvolvimentismo a qualquer preço, não interessa a existência de um órgão ambiental estruturado e eficiente. Muito menos se for independente.

Vejam, por exemplo, a matéria “Ibama está à beira da falência”, do Correio Braziliense de 16/11/2006).

Este governo não consegue compreender que o processo de licenciamento ambiental é “ligeiramente” diferente da mera concessão de um alvará e por isto não suporta a idéia de que as licenças não sejam concedidas automaticamente, como se fossem meros detalhes burocráticos. O próprio presidente Lula já demonstrou pensar deste modo.

Se dependesse do voluntarismo governamental teríamos ampla e irrestrita concessão de licenças ambientais para quaisquer atividades, sem qualquer consideração para com as questões sócio-ambientais.

É por isto que já foi afirmado, por diversos membros do primeiro círculo do poder, que a grande fase do desenvolvimento do Brasil se deu durante os governos militares, quando as preocupações sociais e ambientais das grandes obras simplesmente inexistiam.

Em qualquer lugar do mundo (até mesmo no Brasil) as políticas sócio-ambientais decorrem do modelo de desenvolvimento e este é claramente equivocado. Logo, dá origem a políticas ambientais igualmente equivocadas.

O governo reclama dos ambientalistas, dos índios, dos quilombolas, dos ribeirinhos, do ministério público, do poder judiciário, dos movimentos sociais e de todos os que não concordam com esta opção pseudo-desenvolvimentista. E reclama com razão, porque estes segmentos da sociedade não aceitam este modelo de desenvolvimento a qualquer custo.

Não aceitamos porque compreendemos o desenvolvimento sustentável como sendo socialmente justo, economicamente inclusivo e ambientalmente responsável. Se não for assim não é sustentável. Aliás, também não é desenvolvimento. É apenas um processo exploratório, irresponsável e ganancioso, que atende a uma minoria poderosa, rica e politicamente influente.

Os governos devem ter clara compreensão que suas decisões geram efeitos por muito tempo. Seus acertos e erros permanecem muito além de seus mandatos e, exatamente por isto, devem minimizar os erros ao mínimo possível. Mas isto só é possível em governos que sabem que podem errar e buscam ouvir atentamente as sugestões e críticas.

Pelo que está posto, os próximos quatro anos serão palco de grandes embates entre os desenvolvimentistas a qualquer custo e os “adversários” deste modelo de desenvolvimento (ambientalistas, índios, quilombolas, ribeirinhos, ministério público, poder judiciário, movimentos sociais, etc.).

Por outro lado, é difícil avaliar a gestão da ministra Marina Silva de forma isenta e objetiva. Mas, qualquer que seja a avaliação, fica evidente que a ministra mostrou-se muito menor do que a ambientalista.

Desde o início do primeiro mandato, o Ibama e a legislação ambiental foram seguidamente atacados pelo próprio presidente, pelos ministros da agricultura, de minas e energia, pelos presidentes da Eletrobrás, por grandes industriais, por cimenteiras, pelos carcinocultores e outros defensores deste modelo de desenvolvimento.

A ministra manteve-se calada e alheia ao debate. Na maioria das vezes, a defesa do Ibama e da legislação ambiental encontrou sua voz através do secretário-executivo do ministério, Claudio Roberto Bertoldo Langone, mas não pela própria ministra.

No entanto, ao longo de várias operações da Polícia Federal contra servidores do Ibama, a ministra prontamente concedia entrevistas coletivas afirmando a decisão de “cortar a própria carne”.

Apenas recentemente, a ministra resolveu assumir a defesa pública do Ibama e da legislação ambiental, afirmando, em diversas entrevistas, que o meio ambiente não é o vilão do crescimento. É um posicionamento importante e necessário. Pena que seja tardio.

A questão ambiental sofreu grandes golpes e sem a ministra Marina Silva teria sido muito pior. Mas agora já sabemos quais serão as regras do jogo, quais os desafios e quais serão os embates ao longo dos próximos quatro anos. Melhor assim.

O governo Lula deve ter clara compreensão de que a fase de tolerância e boa vontade, para com os equívocos das políticas sócio-ambientais, definitivamente acabou.

O governo deve refletir se realmente considera como adversários os ambientalistas, índios, quilombolas, ribeirinhos, ministério público, poder judiciário, movimentos sociais e, se assim for, arcar com o custo político desta decisão.

Deve lembrar, também, que um governo é sempre transitório, mas estes segmentos continuarão existindo e atuando por um outro Brasil, que seja socialmente justo, economicamente inclusivo e ambientalmente responsável.

Henrique Cortez, henriquecortez@ecodebate.com.br
coordenador do EcoDebate

in www.EcoDebate.com.br – 11/12/2006