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IV Fórum Mundial da Água: Síntese das Águas Divididas do México, por Roberto Malvezzi (Gogó)

Aconteceu o “IV Fórum Mundial da Água” no México, o “I Fórum Alternativo em Defesa da Água” e o “Tribunal Latino Americano da Água”. Não há espaço para a ingenuidade dos lutadores populares num espaço como esse. É uma luta aberta pelo controle do bem mais essencial a todas as formas de vida. Segue uma síntese do que aconteceu no México para informação de todos.

1. O “IV Fórum Mundial da Água” foi organizado por um grupo de entes que Petrella chama de “Oligarquia Internacional da Água”. Segundo Raymond Jost, um dos organizadores, o Fórum é um jogo de estruturas complicadas de poder que disputam a verdade e a política sobre a água no mundo. Segue um breve perfil de cada um dos entes organizadores, embora ainda seja necessário o aprofundamento sobre essa questão.

a) Conselho Mundial da Água: “O Conselho Mundial da Água não passa de um grupo lobista. Ele é constituído por construtoras, financiadores de barragens e corporações interessadas no tratamento, distribuição de água e saneamento”, diz Patrick McCully, da Internacional Rivers Network.

b) Global Water Partnership: “Global Water Partnership” é um trabalho de parceria entre os envolvidos no manejo da água: agências governamentais, instituições públicas, companhias privadas, organizações profissionais, agências multilaterais de desenvolvimento e outros que se guiam pelos princípios de Dublin-Rio. Na verdade, ligado ao Banco Mundial. (www.gwpforum.org)

c) O Conselho de Concertação para o Abastecimento de Água e Saneamento (WSSC): Criado em Setembro de 1990 em Nova Deli (Índia), é uma das primeiras redes de interesse na água. Ligada principalmente ao ramo do saneamento.

d) Rede Internacional dos Organismos de Bacia: A Rede Internacional dos Organismos de Bacia tem por objetivo: desenvolver relações permanentes entre os organismos interessados numa gestão global dos recursos hídricos, por grandes bacias hidrográficas, e favorecer entre os mesmos, o intercâmbio de experiências e competências. Origem francesa, acabou sendo referência de gestão para a “Lei de Recursos Hídricos Brasileira”. Aberto aos interessados. (www.riob.org/portugai/charte.)

2. O “IV Fórum Mundial da Água” trouxe à tona todo potencial de conflito que a água traz em si. A política de privatização dos serviços públicos de água fracassa em todo o mundo. Mesmo com apenas 5% dos serviços privatizados, os problemas são de tamanhas proporções que já não mais seduzem. As reações violentas de Cochabamba, La Paz, Argentina, Índia estão inviabilizando as privatizações dos serviços. A Argentina, no dia Mundial da Água, retomou das mãos da Suez o controle dos serviços de água da grande Buenos Aires. Esse processo ocorre no mundo todo. Não significa que a privatização dos serviços esteja derrotada, mas caminha para esse destino. É necessário vigilância e continuar a luta para reverter esse processo até exterminá-lo definitivamente.

3. Por outro lado, as transnacionais da água estão investindo mais nas barragens e geração de energia elétrica. Aqui a privatização é mais “invisível” e menos perceptível para as populações. O povo reage mais ao preço da água da torneira que ao preço da energia elétrica. Cresce em todo o mundo a construção de barragens. Na América Central aumenta a construção de barragens no México, El Salvador, Guatemala, etc., pondo em prática a execução do Plano Puebla Panamá.

4. O grande divisor de águas do IV Fórum foi “o reconhecimento da água como direito humano”. Não passou. Bolívia, Venezuela, Uruguai e Cuba propuseram que constasse no documento final. Não passou. Então esses países não assinaram o documento final e redigiram sua própria posição. Esse “racha” em nível governamental é fundamental para o prosseguimento da luta. O Brasil, que desde Kyoto é contra o reconhecimento da água como direito humano, já aceita discutir a água de consumo humano (40 litros dia) como um direito. Já é um passo, mas ainda uma situação vergonhosa para nós brasileiros defensores dos direitos fundamentais da pessoa humana.

5. Os organizadores do “Fórum Paralelo” (Vejam entrevista com Regina Mendes, Adital), mesmo convidados, não aceitaram participar do oficial. Segundo Regina, “caro, restritivo, não participativo”, não era lugar para as organizações populares. Então promoveram o paralelo. Agora o Fórum Paralelo se autodenomina como um “Movimento Mundial em Defesa da Água”.

6. Participei de alguns momentos do “Paralelo”. Muito urbano, sem os grandes movimentos internacionais do campo, não debateu a questão fundamental da “água e agricultura”. Ela é fundamental porque 70% da água doce do mundo vão para a agricultura. Mas de qual agricultura se fala nessa questão? Estamos falando do agro e hidronegócio. Mas os países pequenos não têm esse tipo de agricultura. Percebi que essa é uma questão, na América do Sul, basicamente de Brasil e Argentina. Não foi devidamente debatida e necessita ser aprofundada. Afinal, quem é que controla os grandes volumes de água da agricultura? Entretanto, se os movimentos do campo não se apropriarem e provocarem essa discussão, perderão a batalha facilmente – já estamos perdendo – para o agro e hidronegócios.

7. Aconteceu também o Tribunal Latino-americano das Águas. É uma iniciativa que vem da Costa Rica. Julga casos de agressão ao meio ambiente. É um Tribunal Ético, mas fundamentado em convenções internacionais. O candidato à presidência, Geraldo Alkmim, foi julgado e condenado por retirar detritos do rio Tietê e despejá-los na lagoa de Carapicuíba, promovendo sua contaminação.

8. Pessoalmente, participei do encontro promovido pelo “Comitê Católico conta a Fome e pelo Desenvolvimento” (CCFD) sobre “água e agricultura”. Gente de vários países da América Latina, Índia e África. A iniciativa foi muito válida, mas sentimos a necessidade de fazer um aprofundamento mais consistente. Vai depender dos propósitos do próprio CCFD.

9. Basicamente aí está o desenho da luta pela água que veio à tona, literalmente, no México. Depois vou escrever um artigo mais detalhado sobre a questão do “direito humano à água” que dividiu o Fórum Oficial.

Roberto Malvezzi (Gogó), CPT Nacional

Publicado no EcoDebate, www.ecodebate.com.br, 25/05/2006