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Notícia

Especial: debate sobre a monocultura do eucalipto no Brasil

Matérias desta cobertura especial:
* Destruição de mudas abre debate sobre eucalipto no Brasil
* Para instituto, eucalipto não é melhor opção para reflorestamento
* Professor sugere associação dos eucaliptos com agricultura familiar
* Geógrafa diz que monocultura do eucalipto tira empregos e traz poucas oportunidades de trabalho
* Lei não permite existência de “desertos verdes”, defende pesquisador

Destruição de mudas abre debate sobre eucalipto no Brasil
Juliana Andrade e Bianca Paiva
Da Agência Brasil 18/03/2006 – 17:46

Brasília – A destruição de mudas de eucalipto da empresa Aracruz Celulose por agricultoras da Via Campesina, no Rio Grande do Sul, no dia 8 de março, expôs o debate em torno do impacto ambiental das grandes plantações.

Os trabalhadores rurais classificam as florestas de eucalipto como “desertos verdes”, em referência à eliminação da biodiversidade. Cientistas e gestores concordam que a cultura de eucalipto não deve ser a única opção de reflorestamento, mas de forma sustentável podem trazer benefícios para áreas totalmente devastadas.

Originário da Austrália e outras ilhas da Oceania, o eucalipto foi trazido para Brasil na segunda metade do século 19. O setor de construção civil queria utilizar a madeira para produzir os dormentes utilizados nas primeiras linhas férreas.

Atualmente, o país possui a maior área plantada de eucaliptos do mundo (mais de 3 milhões de hectares). De acordo com o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Brasil é o maior produtor mundial de celulose (cerca de 6,3 milhões de toneladas por ano).

O eucalipto brasileiro se destina basicamente à produção de celulose e papel e ao carvão que abastece as siderúrgicas. As indústrias brasileiras que usam o eucalipto como matéria prima para a produção de papel, celulose e demais derivados representam 4% do Produto Interno Bruto, 8% das exportações e geram aproximadamente 150 mil empregos.

O secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério da Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, acredita que é possível conciliar os interesses econômicos e a proteção ambiental. “O eucalipto não é uma espécie danosa. O problema é quando uma espécie qualquer é utilizada de forma inadequada”, ressalta Capobianco.

Segundo Capobianco, a imagem negativa que se criou do eucalipto é conseqüência de projetos do passado. Ele lembrou que na década de 70, principalmente, com os incentivos fiscais do governo federal, houve um estímulo ao plantio do eucalipto em grande escala, sem planejamento e sem cuidados ambientais, o que levou à destruição de extensas áreas de Mata Atlântica e de Cerrado.

Capobianco vê a possibilidade de tornar a plantação de eucalipto uma alternativa viável ambiental, econômica e socialmente. Existem projetos em estudo para a inclusão dos agricultores familiares na atividade.

“Qualquer monocultura é danosa, seja de eucalipto, seja de uma espécie nativa. Mas, não há, em princípio, nenhum problema em se ter o uso do eucalipto em determinadas regiões da Amazônia que já foram degradadas no passado. Ela pode, ao contrário, trazer benefícios ambientais e sociais.”

Colaborou Irene Lôbo

Para instituto, eucalipto não é melhor opção para reflorestamento

Juliana Andrade e Bianca Paiva
Da Agência Brasil 18/03/2006 – 18:05

Brasília – Um dos principais centros de pesquisa independente do país não vê com bons olhos a utilização de eucaliptos em projetos de reflorestamento e produção de carvão, como vem sendo proposto por cientistas, gestores públicos e empresas.

O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) considera “temerária” a utilização de apenas uma espécie para reflorestar grandes áreas. Em protesto contra o que chamam de “deserto verde”, na semana passada, agricultoras destruíram cinco milhões de mudas de eucalipto da empresa Aracruz Celulose, no Rio Grande do Sul.

“Acho que teremos de pensar numa cesta de espécies nativas – e há várias espécies candidatas a reflorestamento – com melhores condições de adaptação ecológica àquela região”, sugere Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon. “Qualquer projeto precisa ser mais bem discutido para que a gente não tenha uma monocultura de eucalipto numa área ecologicamente sensível.”

Para Veríssimo, outras espécies como o paricá também poderiam ser utilizadas para o reflorestamento de áreas degradadas, com aproveitamento para a produção de carvão. No entendimento dele, o uso de espécies nativas para o reflorestamento na região trará mais vantagens que a utilização do eucalipto.

“Se você fizer essa recomposição com espécies nativas terá não só o destino final da produção de carvão, mas, durante o processo em que as árvores estão em pé, elas vão prestando serviços ambientais àquela região, à fauna e à recuperação do ciclo hidrológico.”

Fundado em 1990 e sediado em Belém, o Imazon é uma instituição de pesquisa sem fins lucrativos, criada para promover o desenvolvimento sustentável na Amazônia por meio de estudos, disseminação de informações e formação profissional.

Professor sugere associação dos eucaliptos com agricultura familiar

Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil 18/03/2006 18:21

Brasília – O cultivo de árvores como o eucalipto para produção de celulose e madeira deveria estar associado às propriedades rurais ligadas à agricultura familiar, em vez de ocupar grandes áreas de propriedade de empresas do setor.

Essa é a avaliação do engenheiro florestal Luiz Fernando Schettino, professor do Departamento de Ecologia e Recursos Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo. “Se você fizer isso, a polêmica acaba”, diz ele.

Nos últimos dias, movimentos sociais ligados à rede internacional Via Campesina têm realizado protestos contra o chamado “deserto verde”. No dia 8 de março, uma unidade de pesquisa da empresa Aracruz foi destruída em Barra do Ribeiro (RS).

“Escolheram o eucalipto para vilão”, lamenta Schettino. Para ele, as áreas de reflorestamento são hoje importantes até mesmo para que se reduza a pressão sobre as matas nativas. “O que precisamos é de um modelo que desenvolva as propriedades rurais, que dê sustentabilidade ao meio rural.”

No Espírito Santo, a luta dos movimentos sociais contra as florestas de eucalipto é mais antiga: a Rede Contra o Deserto Verde foi criada em 1992. No estado, as plantações ocupam 250 mil hectares.

Ali, segundo o pesquisador, foram cometidos abusos no passado, como a derrubada de mata nativa para liberar áreas para o reflorestamento, nos anos 60, ou o plantio de variedades de eucalipto de raiz pivotante (que penetra profundamente no solo, podendo prejudicar lençóis freáticos) perto de nascentes ou cursos d’água.

“Foram cometidos erros que hoje não se cometem mais”, diz ele. O eucalipto hoje cultivado – os chamados “clones” – não possuiria mais esse tipo de raiz. A Aracruz, presente no Espírito Santo desde os anos 60, teria avançado nesse sentido.

“A empresa tem evoluído nos conceitos ambientais e sociais. Além de gerar impostos, ela apóia projetos sociais e ambientais, inclusive na universidade pública”, conta Schettino.

Geógrafa diz que monocultura do eucalipto tira empregos e traz poucas oportunidades de trabalho

Irene Lôbo
Repórter da Agência Brasil 18/03/2006 18:29

Brasília – A monocultura do eucalipto tira empregos e traz poucas oportunidades de trabalho para os brasileiros, afirma a técnica da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), a geógrafa Daniela Meirelles. “As plantações de eucalipto tiram muitos empregos, na medida em que esse é um sistema altamente mecanizado, que tem que produzir em pouquíssimo tempo a maior quantidade possível de árvores”, afirma Daniela.

De acordo com a técnica, o modelo de emprego gerado pelas indústrias de celulose (matéria-prima retirada do eucalipto) privilegia trabalhadores especializados. “Os empregos de fato estão nos países do norte, onde esses sim produzem os grandes maquinários que são exportados para cá para produzirmos a celulose”, diz.

Ela também acusa a monocultura do eucalipto de ocupar terras que antes eram habitadas por populações indígenas e quilombolas, que antes desenvolviam o local com a cultura tradicional ou com a produção de alimento e o artesanato. Segundo ela, terras de populações indígenas e quilombolas foram desapropriadas ilegalmente na época da ditadura para darem lugar às plantações de eucalipto, que hoje se concentram principalmente no norte do Espírito Santo.

“O primeiro grande impacto social é essa retirada das pessoas da terra, com todas as implicações e prejuízos aos conhecimentos tradicionais, a todo um saber passado de geração em geração, quer seja em relação a sementes, à agricultura, um vasto conhecimento que é desperdiçado pela troca com o eucalipto”, diz a técnica.

No Espírito Santo, dados da Fase indicam que 60 mil famílias sem-terra aguardam assentamento. Dessas, duas mil estariam acampadas na rua. “A reforma agrária não tem avançado em grande medida justamente porque as monoculturas vêm ocupando solos que eram para serem desapropriados”, afirma.

Como membro da Rede Alerta contra o Deserto Verde, Meirelles sugere que haja um reflorestamento com matas nativas, para garantir a biodiversidade em detrimento das monoculturas. A proposta da Fase, segundo Daniela, é pensar projetos de reforma agrária que valorizem os agricultores.

“Trabalhamos na perspectiva de valorização e de garantia dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais de toda a população tradicional indígena, quilombola, ribeirinha e numa valorização desse conhecimento tradicional com outras perspectivas e outros projetos de desenvolvimento possíveis”. Atualmente, vivem no norte do estado do Espírito Santo 35 comunidades quilombolas e nove aldeias de índios guaranis e tupiniquins.

Lei não permite existência de “desertos verdes”, defende pesquisador

Irene Lôbo
Repórter da Agência Brasil 18/03/2006 18:36

Brasília – As grandes plantações de eucalipto, denominadas popularmente de “desertos verdes”, estariam inviabilizadas pela própria legislação brasileira. O pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Florestas, Sérgio Ahrens, lembra que o licenciamento ambiental é hoje uma exigência cumprida pelas empresas de grande porte, maioria no mercado de plantação de eucalipto.

O documento deve conter os impactos de natureza econômica, social e ambiental. Segundo Ahrens, as empresas florestais também estão praticando a responsabilidade social corporativa. “Além de plantarem terras próprias, elas estabelecem parcerias, promovendo o fomento florestal junto às pequenas e médias propriedades rurais”, afirma o pesquisador.

Para ele, a nova legislação também impediu o corte de vegetação nativa para substituição de florestas plantadas com espécies exóticas. “Esse novo plantio é estabelecido principalmente em áreas abandonadas pela agricultura, em especial áreas com o solo degradado. É aí que o plantio de eucaliptos tem um papel muito importante na recuperação dessas áreas”, explica Ahrens.

O pesquisador refuta a afirmação de alguns movimentos sociais de que o eucalipto destrói o solo, retira nutrientes da terra e consomem excessivamente água. Segundo ele, o plantio de eucaliptos, ao contrário, promove a recuperação de solos degradados.

“Eles são uma cobertura com massa verde e material em decomposição na superfície do solo que o protege do impacto direto de águas das chuvas e de raios solares e dessa maneira com muita freqüência verifica-se a recuperação dos solos”, afirma.

O eucalipto é uma espécie florestal exótica nativa principalmente da Austrália. Os principais produtos extraídos das árvores de eucalipto são a celulose, matéria-prima do papel, e a madeira. De acordo com dados da Embrapa Florestas, as plantações de eucalipto ocupam cerca de quatro milhões de hectares em todo o território nacional, menos de 0,5% do total de área com florestas.