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Complexo turístico na APA de Maricá, RJ, coloca em risco meio ambiente, dizem especialistas

 

APA de Maricá na Região dos Lagos. Comunidade pesqueira de Zacarias. Um grande empreendimento imobiliário está previsto para a região (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
APA de Maricá abriga a comunidade pesqueira de Zacarias, que desenvolveu técnica de pesca tradicional, a pesca de galho. Foto de Tânia Rêgo/Agência Brasil

Ambientalistas e a comunidade pesqueira tradicional de Zacarias, no estado do Rio de Janeiro, estão organizados contra a instalação de um grande empreendimento imobiliário na Área de Preservação Ambiental (APA) de Maricá. O projeto, de 840 hectares (um hectare equivale à medida de um campo de futebol oficial), prevê a construção de um grande campo de golfe, centro hípico, quatro hotéis, dois shoppings, dois clubes, prédios de quatro andares e casas residenciais. O empreendimento, que está sob análise do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), também inclui restaurantes, escola e um hospital.

Especialistas alertam que o complexo, para cerca de 20 mil pessoas na Restinga de Maricá, entre o mar e a lagoa, coloca em risco espécies endêmicas, aves migratórias, dunas raras, sítios históricos e arqueológicos, além do sustento de famílias do povoado pesqueiro de Zacarias. Na região moram 200 famílias, que abastecem restaurantes e feiras com seu pescado. A comunidade desenvolveu uma  técnica tradicional única, a pesca de galho (ouça aqui sobre a técnica), que pode desaparecer. Na pesca de galho, os pescadores definem um ponto na lagoa onde afundam uma árvore seca (um galho). Nascem microorganismos no galho que atraem peixes. Depois de um tempo os pescadores voltam ao lugar, retiram o galho e pegam os peixes.

“A Restinga de Maricá é uma área que não está pronta para a urbanização intensa, para receber um bairro. Temos ali 50 espécies de insetos, sendo 14 endêmicas, espécies em extinção [de borboleta e de lagarto], uma pesquisa geológica que só pode ser feita porque a restinga é preservada, 400 tipos botânicos e mais de 300 trabalhos científicos”, listou a professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), que atua no Fórum de Pesquisadores da Restinga de Maricá e no Movimento Pró-Restinga, Desirée Guichard. A Uerj, a Universidade Federal Fluminense e Universidade Federal do Rio aprovaram, por meio de seus conselhos universitários, moções contra o megaempreendimento, informou.

APA de Maricá na Região dos Lagos. Comunidade pesqueira de Zacarias. Um grande empreendimento imobiliário está previsto para a região (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Os pescadores e pesquisadores estão apreensivos com os impactos sobre a biodiversidade. Foto de Tânia Rêgo/Agência Brasil
 
 

Os pescadores também estão apreensivos com os impactos sobre a biodiversidade e a comunidade. Acreditam que a urbanização afetará áreas de brejo e prejudicará o ecossistema da Lagoa de Maricá, reduzindo o já limitado número de peixes. “Esses dias, eu fui pescar e os peixes pulavam tanto que eu não acreditei. Peixe aqui está raro. Antes, a gente pescava 200 quilos por semana, agora, tem vezes que não chega a 5 [quilos]”, disse a presidente da Associação Comunitária de Cultura e Lazer dos Pescadores de Zacarias, Arcenir Cedelina Marins, de 57 anos. Para defender a comunidade, a associação quer a regularização fundiária coletiva, decisão que cabe ao governo do estado.

Outra preocupação dos pescadores é com a destruição do caminho que liga Zacarias ao mar, com a retirada de mata nativa – de onde são colhidas plantas medicinais como o camboim –, com a derrubada das primeiras casas da comunidade e da própria sede da associação, que inclui um campo de futebol, o espaço de reunião e o parquinho infantil, inaugurado no último Dia da Criança (12). “São as áreas comunitárias que serão descaracterizadas ”, disse a professora da Uerj.

Em Zacarias, no entanto, alguns moradores que desistiram da pesca e mudaram de ramo apóiam o empreendimento. Eles veem no projeto vagas de emprego e a esperada regularização fundiária. “Estamos aqui há 200 anos em uma luta pela terra. A vida está muito difícil, não temos emprego, a pesca está difícil, a lagoa está morrendo, há muito esgoto, está seca, está se acabando”, desabafou Washington da Costa, de 37 anos, presidente da Associação de Moradores e Pescadores de Zacarias, organização que surgiu a partir de uma divergência com outra associação. Ele diz que os empreendedores vão doar os títulos das casas para os moradores.

Com mais de 1,5 mil assinaturas em um abaixo-assinado, o Movimento Pró-Restinga, a Associação de Preservação Ambiental das Lagunas de Maricá (Apalma) e o povoado pesqueiro tradicional propõem que a restinga seja transformada em uma reserva extrativista, com núcleos de estudos para as universidades, projeto que deu certo na Restinga de Jurubatiba, no norte fluminense, como alternativa de desenvolvimento. “A restinga preservada garante a proteção da fauna lagunar, que sustenta várias comunidades pesqueiras de Maricá, sem prejudicar as atividades tradicionais”, acrescentou a professora da Uerj, que há anos acompanha a situação local.

APA de Maricá na Região dos Lagos. Comunidade pesqueira de Zacarias. Um grande empreendimento imobiliário está previsto para a região (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
O complexo turístico terá campo de golfe, centro hípico, quatro hotéis, dois shoppings, dois clubes, prédios de quatro andares e casas residenciais. Foto de Tânia Rêgo/Agência Brasil
 
 

O diretor executivo do IDB, grupo responsável pelo complexo turístico em Maricá, David Galipienzo, explica que o empreendimento será ambientalmente sustentável. Ele esclarece que está prevista, por exemplo, a reutilização da água, a criação de uma reserva particular do patrimônio natural (que segundo a assessoria do empreendimento irá ocupar mais de 50% dos 840 hectares da área de proteção ambiental) aberta para pesquisas e para o público, mais a instalação de duas estações de tratamento de esgoto. Também será criada um centro de pesquisas será criado para incentivar o estudo da fauna e flora.  “Não vai ter nenhuma gota de esgoto na lagoa ou no mar”, assegurou Galipenzo, que é mestre em ciências ambientais.

Ele esclarece ainda que somente cerca de 20 famílias das cerca de 100 do povoado de Zacarias precisarão ser reassentadas, mas que o acesso ao mar não será fechado. “Vamos realocar essas pessoas em casas de mesmo padrão na própria comunidade”, assegurou. O restante do empreendimento, acrescentou, foi projetado para áreas autorizadas pela prefeitura e haverá 6,4% de ocupação predial. A assessoria informou que a IDB Brasil irá realizar a regularização fundiária das 200 famílias da Comunidade de Zacarias com o mesmo padrão de urbanização do empreendimento.

>> Confira aqui a cobertura fotográfica

A prefeitura de Maricá tem se manifestado a favor do complexo em audiências públicas. Em nota, informa que o empreendimento trará “desenvolvimento econômico com sustentabilidade, proteção ambiental e inclusão social”, mas não especifica as vantagens diretas.

Responsável pelo licenciamento do complexo, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) informou que o projeto segue em análise. Como não envolve impactos em mais de um estado, não há atribuição federal no processo.

Por Isabela Vieira, da Agência Brasil.

Publicado no Portal EcoDebate, 20/10/2014


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One thought on “Complexo turístico na APA de Maricá, RJ, coloca em risco meio ambiente, dizem especialistas

  • Fazenda São Bento da Lagoa

    O novo projeto da Fazenda São Bento da Lagoa vai preservar 81% da vegetação nativa e apenas 6,4% da área total de 840 hectares terá ocupação predial. Mais de 50% da área será totalmente preservada por meio de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) com 450 hectares, a segunda maior reserva de restinga do Estado do Rio de Janeiro.

    A RPPN, que será aberta à visitação, terá um Centro de Pesquisas para o desenvolvimento de estudos científicos da fauna e da flora de restinga por ONGs, universidades e demais instituições educacionais. Assim como acontece com a RPPN, os acessos à praia e às áreas de lazer do empreendimento também serão abertos ao público e à comunidade local. Dessa forma, todos continuarão aproveitando as atividades de lazer da região.

    A IDB tem o compromisso com a população de ampliar a área de vegetação nativa em bom estado de conservação. Depois de realizadas as obras e as ações de recuperação florestal de áreas degradadas, a região do empreendimento ganhará mais de 100 hectares – o equivalente a todo o Parque do Flamengo – de vegetação nativa conservada. O saldo será, portanto, positivo. Isso mostra que o empreendedor sabe como é importante o ecossistema da Restinga de Maricá e por isso irá desenvolver programas de preservação e de conservação de espécies ameaçadas da fauna e da flora existentes na região.

    A empresa dará a titularidade das terras aos moradores através da regularização fundiária das 200 famílias da Comunidade de Zacarias com o mesmo padrão de urbanização do empreendimento. A Fazenda São Bento da Lagoa valoriza a cultura local e entende a importância em investir e preservar a atividade pesqueira de Zacarias. Para isso vai fornecer equipamentos e criar programas de incentivo à cultura de pesca para toda a comunidade. Leia mais em: http://www.facebook.com/FazendaSaoBentodaLagoa

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