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Áreas de Risco: quando desocupar, quando consolidar, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

área de risco

[EcoDebate] As recorrentes tragédias geotécnicas que têm anualmente ceifado a vida de centenas de cidadãos brasileiros estamparam clara e definitivamente a necessidade da administração pública brasileira ter em conta as características geológicas dos terrenos na definição e aplicação dos critérios de regulação técnica do crescimento urbano.

Não há hoje a mínima dúvida sobre a essencialidade dos municípios basearem seus Planos Diretores e Códigos de Obras nas disposições espaciais e normativas de uma Carta Geotécnica. Se esses instrumentos técnicos não forem utilizados a responsabilidade criminal das autoridades públicas perante eventuais acidentes geotécnicos que ocorram como decorrência estará claramente evidenciada.

Porém, o passivo de erros geotécnicos já cometidos é imenso, e muitas áreas de alto risco geológico-geotécnico já estão ocupadas, assim como, pela absurda inadequação técnica das formas de ocupação, muitas áreas geologicamente compatíveis com a ocupação urbana também apresentam generalizada presença de situações de risco instaladas. Esse enorme passivo geotécnico urbano impõe a necessidade de intervenções urbanísticas urgentes de caráter corretivo voltadas a eliminar ou ao menos reduzir drasticamente a possibilidade da ocorrência de novas tragédias geotécnicas.

Essas intervenções urbanísticas eliminadoras de riscos geológico-geotécnicos exigem dos geotécnicos (geólogos de engenharia e engenheiros geotécnicos) uma primeira decisão essencial diante das diferentes situações que lhes são colocadas: o que se imporia como mais indicado, a desocupação da área ou sua manutenção como área urbana ocupada via obras de consolidação geotécnica?

De qualquer modo, o instrumento indispensável para dar suporte a esse tipo de decisão é a Carta de Riscos, com a qual são caracterizados os sub-setores de uma determinada área segundo seus diferentes graus de risco (internacionalmente são definidos 4 graus de risco: Baixo, Médio, Alto e Muito Alto). No entanto, os critérios para, a partir da Carta de Riscos, chegar-se à decisão sobre que sub-setores desocupar e que sub-setores consolidar ainda não estão devidamente estabelecidos ou consensuados na Geotecnia brasileira e internacional, tendo na prática prevalecido o bom senso dos profissionais envolvidos. Se sua confiabilidade não é desprezível, há consciência de que o simples bom senso não é suficiente, e deva-se chegar a uma definição mínima de critérios norteadores de tais decisões. Esse justamente o objetivo desse artigo, trazer elementos que possam auxiliar a consideração de alguns fatores essenciais na boa solução dessa questão, em especial considerando nossas regiões úmidas (com altos índices de pluviosidade) de topografia acidentada.

Sub-setores classificados em Risco Geotécnico Muito Alto ou Alto (Graus de Risco 4 e 3) originalmente impróprios à ocupação urbana: DESOCUPAÇÃO

Os sub-setores classificados em Risco Geotécnico Muito Alto e Alto, que por suas características geológico-geotécnicas originais não seriam de forma alguma liberados para a ocupação urbana, devem ser inquestionavelmente desocupados. Não há sentido algum em, ou já preventivamente, ou corretivamente, adaptar para a ocupação urbana, via obras de consolidação geotécnica, um setor já naturalmente instável do ponto de vista geológico e geotécnico. Entre as situações que definem essa impropriedade para a ocupação urbana estão:
– feições geomorfológicas como as grotas ou cabeceiras de drenagem;
– encostas com declividade superior a 40%, ou algo em torno desse valor, sendo as encostas retilíneas aquelas que sugerem maiores cuidados;
– feições geológicas de maior instabilidade definidas por posicionamento espacial de estruturas geológicas e texturas petrográficas;
– presença de matacões e blocos de rocha em superfície e sub-superfície;
– faixas de terreno a montante ou a jusante de áreas instáveis (que, portanto, podem ser respectivamente desestabilizadas por descalçamento ou atingidas por material proveniente de deslizamentos);
– áreas baixas de vales sujeitos a corridas de lama e detritos;
– áreas que podem ser atingidas por rolamento de matacões ou queda de blocos e lajes;
– margens de drenagens naturais sujeitas a solapamentos;
– antigos lixões ou bota-fora de entulho;
– áreas a montante ou a jusante de anteriores intervenções humanas desestabilizadoras.

É válido também considerar-se como elemento reforçador da decisão de desocupação urbana de uma determinada área a intenção de marcar um fato simbólico/cultural para a sociedade, ao evidenciar que áreas com aquela similaridade geológica não devem e não podem ser ocupadas.

Sub-setores classificados em Risco Geotécnico Muito Alto ou Alto (Grau de Risco 4 e 3) originalmente passíveis de ocupação urbana: PONDERAÇÃO CUSTO/BENEFÍCIO

Depreende-se que os riscos existentes foram provocados por erros técnicos na ocupação, com destaque à temerária sucessão de cortes e aterros para produção de patamares planos, desmatamento com plantio de roças, desorganização da drenagem, instalação de fossas de infiltração, disposição de lixo e entulho, etc.

A decisão de desocupação ou manutenção da ocupação urbana dos sub-setores classificados em Risco Geotécnico Muito Alto ou Alto, que por suas características geológico-geotécnicas naturais poderiam ser ocupados desde que adotados os cuidados técnicos para tanto adequados, exigirá a análise setorial e a análise caso a caso (edificação a edificação) e dependerá de uma análise Custo/Benefício. No caso da análise setorial devem ser cotados os custos totais da consolidação geotécnica capaz de dotar a área de segurança geotécnica e os custos necessários a abrigar seus moradores em novas habitações em novas áreas.

Na análise caso a caso, os custos de consolidação necessários para especificamente dotar aquela edificação de segurança geotécnica e os custos envolvidos em sua remoção.

Algumas questões devem ser tidas em conta nessa ponderação:
– é comum o cenário em que algumas remoções individualizadas propiciam uma economia considerável, capaz de justificar economicamente a opção pela manutenção da ocupação urbana via obras e serviços de consolidação geotécnica;
– uma área que é desocupada irá demandar algum serviço, ainda que leve, de estabilização geotécnica e posteriores serviços de reflorestamento, o que a guindará a uma condição de área urbana florestada, aos moldes de uma APP; ou seja, uma área desocupada não pode ser simplesmente abandonada, irá exigir algum tipo de intervenção e isso tem custos;
– em uma decisão de manutenção da ocupação urbana sempre se deverá dar preferência a obras leves e simples de consolidação geotécnica voltados à inibição do principal fator imediato dos deslizamentos, qual seja a saturação dos solos (com destaque para os serviços de impermeabilização, drenagem superficial e profunda, eliminação de fossas e lixões, etc.). Obras de consolidação mais sofisticadas e de grande porte, além de dispendiosas normalmente exigem trabalho de maquinário pesado e intervenções na geometria da encosta.

Sub-setores classificados em Risco Geotécnico Médio e Baixo (Graus de Risco 2 e 1) originalmente propícios à ocupação urbana: MANUTENÇÃO DA OCUPAÇÃO URBANA – POSSÍVEL ADENSAMENTO DA OCUPAÇÃO

Ressalvados casos raros e isolados em que se justifique decidir pela remoção de uma ou outra edificação, é natural o prevalecimento da decisão de manutenção da ocupação urbana nos sub-setores classificados em Graus de Risco 2 e 1, considerando a baixa exigência de obras de consolidação geotécnica e seu natural baixo custo. Frente à necessidade presente de acomodar moradores cujas moradias tenham já sido destruídas, ou que estejam em áreas que serão desocupadas, é aconselhável avaliar a oportunidade de intervenções urbanísticas que possam viabilizar condições seguras e socialmente dignas de adensamento populacional nesse tipo de sub-setor.

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro{at}uol.com.br)
Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Cubatão” e “Diálogos Geológicos”
Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
Criador da técnica Cal-Jet de proteção de solos contra a erosão

EcoDebate, 29/04/2010

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8 thoughts on “Áreas de Risco: quando desocupar, quando consolidar, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

  • Gilberto Pereira

    Muito interessante este artigo.
    Estariam as areas de cheias constantes, dentro dessas classificações de riscos?

  • Álvaro R Santos

    Gilberto,
    Quando em fundos de vale, sujeitas a solapamentos hidráulicos, ou em terrenos topograficamente muito baixos em relação ao nível dos rios próximos, sim. Quando associadas a deficiências de drenagem, não, pois que com algumas medidas hidráulicas ou hidrológicas até simples o problema poderia ser eliminado.
    Abs
    Álvaro

Fechado para comentários.