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Artigo

A quimera da transposição do rio São Francisco para o RN, artigo de João Abner Guimarães Jr.

[EcoDebate] Entramos num ano de eleições gerais e vemos o Projeto São Francisco, o novo discurso da velha transposição do rio São Francisco, pautar a propaganda do Governo Federal, antecipando, certamente, o principal discurso da campanha do sistema político que governa o País para o Nordeste.

A transposição do rio São Francisco é um tema bastante recorrente na política do estado do Rio Grande do Norte, sistematicamente explorado dos últimos 20 anos. Essa grande exposição, juntamente com a participação na condução governamental de influentes políticos do Estado, tais como os ministros Aluizio Alves e Fernando Bezerra, tornou o projeto praticamente uma unanimidade no discurso dos partidos tradicionais do Estado, incluindo os que fazem oposição ao Governo Lula, fato esse no mínimo estranho, principalmente pela pouca efetividade do projeto para com os recursos hídricos do RN.

O projeto deverá transportar as águas do rio São Francisco para os estados do Ceará, Pernambuco e Paraíba, e na prática, não existe para o Rio Grande do Norte. O trecho que traria água diretamente para o estado do RN pela bacia do rio Apodi nem foi licitado, e nem por isso esse fato é denunciado pelos políticos da região. Além do mais, a pouca água do Eixo Norte da transposição destinada ao RN é inserta, atravessará 200 km da PB no leito natural do rio Piranhas ocupado em todas suas margens por propriedades privadas que captam águas do rio para diversos usos, passará por duas grandes barragens, Engenheiro Ávidos e São Gonçalo que abastece o maior perímetro público de irrigação da PB, até chegar à fronteira do RN com a PB, em Jardim de Piranhas, e seguindo daí, 70 km rio abaixo para a barragem Armando Ribeiro Gonçalves, a maior do RN com 2,4 bilhões de m³ e a segunda maior da região, que, ao longo da sua história, vem liberando pela sua comporta de fundo uma vazão mínima oito vezes maior do que a vazão destinada pelo projeto.

Inaugurada, a obra não será notada no RN, tendo em vista que a vazão acordada pelo projeto, em torno de 2 m³, equivale ao fluxo mínimo de água que, assegurado por acordo governamental, atualmente chega na fronteira do RN a partir do açude Coremas Mãe D’Água na PB – complexo de duas barragens interligadas por túnel com 1,4 bilhões de m³ que perenizou o rio Piranhas-Açu à mais de 40 anos, após a implantação de uma pequena central hidrelétrica que fornece energia à região do entorno da Barragem.

Dessa forma, na prática, a água que escoará no trecho do rio Piranhas no RN poderá muito bem continuar vindo, como antes, da barragem citada anteriormente, e nesse caso o RN iria pagar caro, cerca R$ 10 milhões de reais anuais acordado pelo Governo do Estado com o Governo Federal, pela água que seria utilizada nos Estados da Paraíba e do Ceará.

Por sorte que esse horizonte encontra-se distante, tendo em vista a grande complexidade das obras do ultimo trecho da transposição do rio são Francisco que se desenvolvem no estado do Ceará a partir da cidade de Jatí, próximo da fronteira do estado de Pernambuco e deverão através de um complexo integrado de grandes canais, aquedutos e 20 km de tuneis, de construção ainda não iniciada, ultrapassar os divisores d’água das bacias contíguas dos rios Jaguaribe (CE) e Piranhas (PB).

Algum tempo atrás, um técnico do Ceará que trabalhou no Projeto de Integração do rio São Francisco confidenciou-me: “para o Ceará basta à água chegar ao açude Atalho em Jati (CE)”, objetivo próximo de ser alcançado pelo ritmo acelerado das obras, “e a continuação do projeto é problema da PB e do RN” – a sabedoria popular diz que “onde há fumaça, há fogo”. Portanto, nesse caso, é bom não reforçar a quimera da transposição do rio São Francisco para o estado do Rio Grande do Norte.

João Abner, articulista do EcoDebate, é professor da área de Recursos Hídricos da UFRN

EcoDebate, 20/04/2010

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4 thoughts on “A quimera da transposição do rio São Francisco para o RN, artigo de João Abner Guimarães Jr.

  • Paulo Afonso da Mata Machado

    Entre os mais combativos críticos da transposição de águas do São Francisco para o Nordeste Setentrional está o Prof. João Abner. Já tive oportunidade de elogiar sua coragem em defender suas idéias contra políticos, estudantes, padres, populares, agricultores e, até mesmo, contra seus colegas de universidade. Suas idéias sobre o subsídio cruzado, que fariam da água recebida pelo Rio Grande do Norte um “presente de grego”, têm muitos seguidores. Em debates públicos com o vice-governador de seu estado, ele ignorou que todos os entrevistados se manifestassem contra suas idéias e a favor das idéias do vice-governador, independente de preferência política ou partidária.
    O Prof. João Abner me honrou com um debate epistolar em que discutimos os vários pontos do projeto de transposição, incluindo a questão da sinergia hídrica, a meu ver a grande vantagem que o Rio Grande do Norte obterá do projeto. Mas que vem a ser sinergia hídrica?
    Na Paraíba, o eixo Norte passará por dois grandes açudes, Engenheiro Ávidos e São Gonçalo e, no Rio Grande do Norte, pelo segundo maior açude do Brasil, que é o Armando Ribeiro Gonçalves. Como o professor se manifestou à pag. 97 do livro “Toda a verdade sobre a transposição do Rio São Francisco”, cerca de 25% da população do semi-árido brasileiro convivem com déficit crônico de água, decorrente de um regime pluviométrico concentrado – poucos dias de chuvas efetivas distribuídos em três meses -, um solo com baixa capacidade de armazenamento – condições pedológicas e geológicas limitam a ocorrência de aqüíferos a apenas 40% do território – e um potencial de evaporação bastante elevado – superior a 2.000 mm/ano.
    São as regiões essas condições precárias, que a Agência Nacional de Águas catalogou no Atlas Nordeste como áreas com elevado risco hídrico, que levaram o DNOCS a construir a espetacular rede de açudes que existe no Nordeste. Entretanto, esses açudes são afetados pelos altos índices de evaporação a que se refere o Prof. Abner. Como a intensidade de evaporação é superior a 2.000 mm/ano, ou 2 m/ano, isso indica que um volume correspondente a mais de 2 metros de altura vai se perder, anualmente, apenas por evaporação. Como nossos açudes têm, em geral, o formato de pires, quanto mais cheios estiverem, maior será a perda de água.
    Há, ainda, uma outra perda drástica, especialmente em grandes açudes. Durante o período de chuva, eles atingem a capacidade máxima e liberam pelo vertedouro o excesso de água. A essa água que escoa para o mar, dá-se o nome de perda por vertimento.
    Calcula-se que as perdas por evaporação e por vertimento atinjam 75% do volume dos açudes.
    Com o bombeamento de água do São Francisco, os açudes vão funcionar com volumes menores. A adoção adequada de pequenos volumes operacionais, correspondentes a menores alturas operacionais, provocará menores perdas por evaporação e nenhuma perda por vertimento.
    Calcula-se que a economia nos açudes que receberão água do São Francisco será de 25 m3/ano. Comparada à vazão firme de 26,4 m3/s de todo o projeto, este será um ganho excepcional.
    É a esse ganho que ocorrerá nos reservatórios que receberão água do São Francisco que se dá o nome de sinergia hídrica.

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